desenho de Marcel Proust ("pastiche des textes de Caran Dache")
Quem percorreu com atenção a exposição "Um Teatro sem Teatro" ter-se-á encontrado com Jean-Jacques Lebel, autor de um primeiro happening europeu em 1963 e director de um célebre e controverso Festival da Livre Expressão que, em Paris, nos anos 1964-66, deu a conhecer os nomes da contra-cultura norte-americana. No catálogo, o comissário Bernard Blistène entrevistava-o demoradamente sobre as suas relações americanas (em especial Alan Kaprow, o Living Theatre, Duchamp), na qualidade de representante de uma época e agente-testemunha da circulação de ideias e contestações entre Nova Iorque e a Europa nos anos 60. Foi também ele quem concebeu a mostra dedicada à passagem da escrita ao desenho - Desenhos de Escritores - que se inaugura hoje no CCB.
Velho herdeiro do revivalismo Dadá, artista, tradutor para francês dos poetas da beat generation, criador de eventos, activista-divulgador de múltiplas (neo)vanguardas, anarquista-conselhista em Maio de 68 (ICO), rebelde institucional, Jean Jacques Lebel não trará de certeza uma exposição académica e rotineira. Será em grande medida - mas em menor escala - uma viagem paralela à mostra "Um Teatro sem Teatro" pelos caminhos e grupos (e rótulos) da criação intelectual do século XX, com particular atenção às figuras menos convencionais da história moderna e contemporânea.
Alguns escritores (poucos) produziram obras gráficas surpreendentes e de grande importância - como Victor Hugo, Alfred Kubin, Antonin Artaud e Henri Michaux (Almada Negreiros em Portugal). A mostra tenderá a desinteressar-se das hierarquias de qualidade quanto ao desenho e a valorizar a expressão gráfica espontânea ou automática, lúdica e expressiva, quase sempre inábil e em geral desinformada, mas por vezes inventiva, diferente do "desenho de arte". O humor estará por vezes presente como liberdade da crítica e da mão. Para além da curiosidade desse trânsito entre a escrita e o desenho, ao alcance de todas as mãos (só o desenho, não a escrita!), que resultará desse percurso? Pelo menos, a oportunidade (rara, entre nós) de percorrer um itinerário documental pela história literária do séc. XX. E em tempos de consagração fetichista de muita anti-arte enfadonha, para encher o mercado e os museus, a presença saudável, por vezes divertida e sempre mais próxima da vida corrente, da não-arte.
desenho de André Breton
A exposição - com que o Museu do CCB volta a surpreender a habitual rotina das programações artísticas - é uma co-produção com o Institut Mémoires de l’édition contemporaine (IMEC - http://www.imec-archives.com ), instalado na Abadia d’Ardenne, Caen, Normandie, onde foi inaugurada em Janeiro, e com o Musée Communal d’Ixelles, em Bruxelles.
Alguns dos outros autores "ilustrados": Flaubert, Maupassant, Anatole France, Henry Miller, Malraux, Rimbaud, Verlaine, Apollinaire, Valéry, René Char, Tzara, Robert Desnos, Éluard, Prévert, Raymond Queneau, Genet, Pierre-Jean Jouve, Mandiargues, Georg Sand, Durrell, Ginsburg, William Burroughs, Kerouac e Gregory Corso; Althusser e Barthes; Topor, Cavanna e Copi; Christian Dotremont, e também artistas-escritores como Jean Arp, Schwitters, Cocteau, Leonora Carrington, Klossowski, e ainda Louise Michel, Kantor
#1 - A exposição:
À l’opposé de toute séparation entre les arts et les techniques, les poètes, peintres et plasticiens travaillent sur un territoire non cartographié. Ce « nulle part » trop peu répertorié par l’historiographie traditionnelle est le lieu de la transversalité entre les langages et les formes, leur inclusion dans une seule pulsion inventive, sans hiérarchie, ni cloisonnement, ni limite.
Victor Hugo, Charles Baudelaire, Charles Cros, Guillaume Apollinaire, Paul Valéry, Max Jacob, Antonin Artaud, Jean Follain, Jacques Audiberti, Henri Michaux, William Burroughs, Roland Barthes, Michel Butor, Jean Tardieu, Christian Dotremont et tant d’autres se sont illustrés, ou s’illustrent aujourd’hui dans cette zone franche, hors des idéologies et des bornes territoriales, sans autre finalité que celle du mixage créateur.
Cette exposition rend compte, pour la première fois, de ce mouvement d’hybridation à travers les très nombreuses pièces d’archives provenant des collections de l’Institut Mémoires de l’édition contemporaine, mais aussi d’importantes collections privées, dont celle de l’éditeur Pierre Belfond."
# 2 - o livro
http://www.libella.fr/lescahiersdessines/auteurs/ecrivain/ ed. Buchet-Chastel, 2008 / "Présentation de l'éditeur
Jamais, toutefois, on n'aura réuni en un seul volume une telle diversité, de George Sand à Bernard Heidsieck, du romantisme à la poésie sonore en passant par les surréalistes, le nouveau roman ou la beat generation.
L'Institut Mémoires de l'édition contemporaine (IMEC) accueille dans ses archives de nombreux manuscrits où l'image surgit par hasard dans le texte. En associant ce fonds à deux collections privées, ce livre réunit un ensemble d'" œuvres " résistant à toute classification, un parcours dans l'effort graphique de quelques grands noms de la littérature. Cent cinq auteurs, près de trois cents reproductions : ce sont autant d'invitations à découvrir ces curiosités et à réfléchir aux rapprochements ou aux contradictions qui unissent malgré tout ces deux arts. Au fil des pages, grâce à un classement chronologique et des notices pour chaque auteur, on découvre un lien entre les styles, les techniques utilisées, les périodes traversées.
Différents textes précisent le rapport entre cet ouvrage et l'exposition itinérante qu'il accompagne - à l'IMEC (abbaye d'Ardenne, Caen), à Lisbonne, puis à Ixelles. Dès leurs débuts, en 2002, les Cahiers dessinés se sont efforcés de réfléchir sur cette relation entre l'écriture et le dessin, en publiant notamment Copi, Gébé, Pierre Fournier, Roland Topor, Raymond Queneau, Friedrich Dürrenmatt, Edvard Munch, Alberto Giacometti, Jean-Michel Jaquet, Pascal, Christian Dotremont, Pierre Alechinsky. Ce livre s'inscrit tout naturellement dans ce propos."
#
A celebração do aniversário não se fez no fim da temporada (foi a 21 de Junho que abriu o Museu Colecção Berardo) e vai agora marcar a rentrée com uma sucessão de inaugurações que se iniciam a 1 de Setembro e vão continuar a 15 e a 22. Trocando as volta ao calendário tornar-se-á mais incisiva e mais notória a intervenção do Museu do CCB no panorama das exposições nacionais - reconhecidamente um quase deserto, para além do continuado sucesso de Serralves, a Norte.
Para quem apontava o espantalho de um museu imóvel a substituir um anterior centro de exposições com grande actividade (!?), o primeiro ano desmentiu a argumentação. E, se este não é um terreno de consensos, a programação do primeiro ano e a que agora se anuncia terá estabelecido um padrão de qualidade antes imprevisível ou sem precedentes. A conjunção de um calendário de exposições sem concessões a quaisquer linhas de facilidade (antes pelo contrário...) e a política de acessos gratuitos deram uma nova realidade à ideia - e à experiência vivida - do que é um museu. Alguma coisa mudou na relação do país e do público com o museu.
Comments