EXPRESSO de 15-05-99
"Retrato do século"
O ESTADO DO TEMPO
13ºs Encontros da Imagem — Fábrica Confiança, Braga (Até dia 30)
ESTA exposição não se extinguirá com o termo da 13ª edição dos Encontros da Imagem e deveria partir de Braga para uma demorada circulação pelo país. É um retrato caleidoscópico de Portugal ao longo do século XX (o primeiro integralmente coberto pela fotografia), ainda que a mostra se encerre em 1974, com uma imagem única do 25 de Abril.
É uma gritante chamada de atenção para a enorme riqueza desconhecida que se deposita nos arquivos fotográficos nacionais e um alerta para o trabalho de investigação e divulgação que está quase inteiramente por fazer. E é também um manifesto acerca da fotografia (da arte da fotografia), mostrando como o respectivo universo é igualmente o das imagens funcionais, anónimas e vernaculares, realizadas com fins práticos (no caso, a Imprensa) por artesãos dedicados que não tiveram por primeiro objectivo fazer arte ou declararem-se artistas.
Encerramento do Parlamento em 31 de Maio de 1926 (Arquivo do «Diário de Notícias»)
Durante cerca de dez meses, Rui Prata (um dos dois directores dos Encontros de Braga) e Manuel Miranda (que foi um dos fundadores dos Encontros de Coimbra) seleccionaram em alguns arquivos fotográficos - em geral, a partir dos ficheiros de provas de contacto - as imagens que pudessem sumariar o curso da história portuguesa ao longo de três quartos do século, período a que corresponde o início e a generalização da imagem fotográfica publicada na imprensa de massas (até que se libertasse a concorrência da televisão). Fugiram «à pura ilustração dos grandes eventos, à imagem institucionalizada dos regimes políticos e da sua entronização cerimonial», trocando a cronologia dos acontecimentos e das figuras oficiais por imagens que concedessem «a máxima visibilidade aos modelos comportamentais, aos sentimentos e emoções, aos valores e estados de ânimo colectivos, captados pela fotografia», como avisa Manuel Miranda na introdução ao catálogo.
É, naturalmente, uma escolha guiada pela história, mas também, com proveito suplementar, pela procura das «fotografias com alguma expressão», ou seja, conduzida por um critério informado pela cultura fotográfica e, por isso mesmo, atento à originalidade do olhar ou à sensibilidade do fotógrafo (um autor, mesmo que seja em geral anónimo e não se reconheça como artista), alguém que soube acrescentar à banalização dos testemunhos mecanicamente registados a eventual curiosidade por um tema invulgar ou a diferença da densidade significante que é assegurada por um ponto de vista e uma composição particulares. O que não significa o mesmo que procurar sobrepor uma intenção - ou atribuir um sentido - esteticizante à actividade documental, mas antes partir do conhecimento de que não existem diferenças, essenciais ou «a priori», entre fotografia de arte e fotografia vernacular.
«From the Picture Press», uma exposição organizada em 1973 no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, por John Szarkowski, que foi uma pioneira aproximação crítica à fotografia de imprensa, já mostrara que o seu «tema essencial não era o momentâneo e o excepcional, mas o típico e o ritualístico», como escreveu Peter Galassi na apresentação de outra mostra, «Picture of the Times», que o mesmo museu dedicou em 1987 ao fotojornalismo do «The New York Times». «O Estado do Tempo» segue a lição dessas duas exposições do MoMA.
São cinco os arquivos que se encontram representados nesta antologia, com destaque natural para os do «Diário de Notícias» e de «O Século» - este até há pouco integrado na Fototeca do Palácio Foz e agora depositado na Torre do Tombo, no recém-criado Arquivo de Fotografia de Lisboa, dependente do Centro Português de Fotografia. Cada um deles inclui também os espólios dos respectivos magazines fotográficos, o «Notícias Ilustrado» (fundado em 1928 por Leitão de Barros) e o «Século Ilustrado» (a partir de 1938), que acompanharam a seu modo a renovação do fotojornalismo internacional nas décadas entre as duas grandes guerras.
Peregrinos na Cova da Iria, Fátima, 13.10.1951 (Arquivo de «O Século»)
Até aos anos 70 e 80, os arquivos dos jornais não referenciavam os nomes dos seus foto-repórteres, e a identificação da autoria de Joshua Benoliel (com 13 fotografias expostas) é praticamente um caso único, só acompanhado por duas imagens, de 1921, atribuídas a C. Garcês, aliás magníficas. Mas estão certamente representados outros nomes da mal conhecida história da fotografia portuguesa, como os de Deniz Salgado, Salazar Dinis, Marques da Costa (Júlio e Firmino - qual será o autor do notável álbum anónimo Alguns Aspectos da Viagem Presidencial às Colónias, em 1938-39, revelado há anos pela Ether?), António Novaes, José Lobo e até Augusto Cabrita e Eduardo Gageiro, já nos anos 60.
Os outros acervos investigados permitiram descentralizar convenientemente as imagens do país, com base no Arquivo Abel Resende (1901-1994), de um profissional instalado em Aveiro, onde ainda cobriu o Congresso da Oposição Democrática, e no Arquivo «Formidável», alcunha de Fernando Marques (1911-1996), cauteleiro e fotógrafo, cujo espólio está preservado na Imagoteca Municipal de Coimbra. O último e mais recente arquivo utilizado foi o do fotojornalista Alfredo Cunha.
Com um total de 248 imagens, todas elas cuidadosamente reimpressas para a ocasião (grande parte em Paris), a mostra constitui um longo itinerário que nunca se torna rotineiro ou enfadonho, fraccionado em três grandes capítulos históricos, interrompido por algumas ampliações em grande formato que introduzem rupturas temáticas ou cronológicas (por exemplo, o achado dos pintores das tabuletas de trânsito dizendo «PELA DIREITA desde 1 de Junho», com o patrocínio do «Diário de Notícias» e da Vaccum Oil Company, fotografados dois anos depois do 28 de Maio de 1926) e, em geral, ordenado por grupos em que alternam os casos da actualidade política com os temas sociais e o quotidiano. Entretanto, o percurso é também balizado por numerosas imagens que se destacam da sequência expositiva para tomarem lugar no «corpus» ideal da fotografia portuguesa, em igualdade de condições com as melhores fotografias de qualquer autor mais reverenciado.
No catálogo, onde se reproduzem todas as fotos expostas, um prefácio de Jorge Calado («As Imagens da Nossa Vida») é um instrumento precioso que servirá de guia à leitura mais atenta das fotografias e do seu itinerário, lançando as pontes necessárias para outros mundos e outros fotógrafos (desde os grandes pioneiros como John Thompson, Jacob Riis e Lewis Hine, que não foram artistas mas activistas e reformadores, ou os editores como Stefan Lorent). Sobre os autores desconhecidos que a exposição apresenta, Jorge Calado observa que «à semelhança do que aconteceu com os artistas medievais e outros mestres de Igrejas, vamos ter de identificar alguns dos fotógrafos anónimos como o senhor da escola de 'O Século', o fotojornalista à maneira de fulano, o mestre da fotografia da 'Chegada do Duque de Edimburgo ao Aeroporto do Montijo onde se encontrou com a Rainha Isabel II de Inglaterra'».
Tudo começa com as «Décadas Vorazes» (1900-1933, embora as mais antigas fotografias sejam datadas de 1907); segue-se «O Poder das Sombras» (1933-1961) e depois o «Compasso de Espera» (1961-1974), até ao «Abril em Portugal», numa solitária fotografia do arquivo de «O Século», de Alberto Gouveia, Militares postados na montra do jornal «Época» no 25 de Abril: dois soldados de armas na mão postados no ressalto da montra enquanto três transeuntes se detêm a observar as fotografias aí expostas, de propaganda colonial. Aos emigrantes e bombistas da primeira etapa, sucederam os desfiles dos legionários, os caminhos de Fátima, as diversões da Feira Popular e os dramas dos cais de Belém. Uma pesada ordem reinou também sobre a fotografia.
A Foto Gaspar de Coimbra detem um acervo fotografico considerado de valor e prestes a perder-se dos anos 1950 para cá, milhares de negativos com ´Historia de todo o Distrito de Coimbra e não só.
fotogaspar@hotmail.com
Posted by: Carlos Vilela | 06/19/2012 at 11:34