Aproximação a um estudo (work in progress)
1 - Arq. Francisco Castro Rodrigues, página de dossier com seis fotografias, 1945, imediações de Évora.
O Grémio Português de Fotografia, que organizou os Salões de Arte Fotográfica desde 1932 até 1956 (?), na sua sede, na SNBA e a seguir no SNI, e no Clube Fenianos do Porto, era uma secção da Sociedade de Propaganda de Portugal.
Esse casamento da fotografia com o Regime ficou depois muito bem exposto, já no pós-guerra, no protagonismo de um artista amador e inspector da PIDE, Rosa Casaco, que foi autor das imagens da intimidade ambígua do ditador revelada no livro Férias com Salazar de Christine Garnier, em 1952, e era por meados da década o fotógrafo com maior circulação nos Salões.
Agostinho Barbieri (Cardoso), que viria a ser dirigente da Pide, era também fotógrafo amador.
A absorção da fotografia pelo Regime, em quase todas as dimensões públicas da sua prática (2), justificará em grande medida que sobre ela se tenha feito um longo silêncio nos meios intelectuais e artísticos (3), e em particular naqueles onde a Oposição era mais influente. Tratar-se-á, no entanto, mais de um silêncio, e efectivamente mais de uma incapacidade de a pensar em si mesma, do que de uma situação de inexistência. Tal como em Itália e em Espanha, onde se começou recentemente a falar com insistência de fotografia neo-realista, em exposições a ela dedicadas, existiu também no Portugal do pós-guerra, de mais ou menos discreto, uma fotografia atenta às condições de vida e de trabalho do povo, com sentido testemunhal e crítico, interessada em documentar e alterar a sociedade, próxima do cinema italiano, da fotografia humanista francesa e da tradição social americana. Não é especialmente no espaço oposicionista e multidisciplinar das Exposições Geral de Artes Plásticas da SNBA, onde só compareceu em três anos (1946, 1950, 1955), que ela se deverá procurar (4) – e aí não parece ter despertado qualquer atenção crítica (ou não a conheço).
(3) A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, na entrada Fotografia que se terá publicado por volta de 1954 (?), aborda-a, em perto de 20 páginas (com os termos associados), apenas de um ponto de vista técnico e quanto à história dos processos e das câmaras (incluindo a fotografia astronómica e a ultra-rápida...), não fazendo qualquer referência a autores e a estéticas do presente ou de importância histórica. O mesmo não se passa em entradas sobre o Cartaz, que faz referência à "arte do Cartaz", também em Portugal, ou Gravura, por exemplo. Também os suplementos culturais de "O Comércio do Porto", antologiados em Estrada Larga, vol. 2, Porto Editora, s.d., podiam inquirir sobre a cerâmica e o azulejo, a tapeçaria, o vidro e o livro para fazer um panorama sobre "A Arte Moderna em Portugal, em 1953-64, sem levar em consideração a fotografia.
(4) Ver o estudo pioneiro de Emília Tavares, "Fotografia e neo-realismo em Portugal", pp. 263-273, em Batalha pelo Conteúdo, Exposição Documental, Movimento Neo-realista Português, Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira, 2007.
2 - Autor desconhecido, Nazaré, 1951 (?)
Para além de fotografias neo-realistas que serviram de documentos para artistas, e que certamente são obra de pintores que fotografaram (Lima de Freitas, Cipriano Dourado, Rogério Ribeiro), devem salientar-se os casos singulares e esquecidos de Maria Lamas e de Adelino Lyon de Castro. A primeira publicou os seus notáveis retratos de trabalhadoras em As Mulheres do Meu País, e também antologiou inúmeras outras fotos de diferentes estilos e autorias nessa edição singular, de 1948-50. O segundo afirmou-se nas agremiações amadoras, participou naquele livro e na V Exposição Geral, vencendo o 1º e único Salão do Jornal do Barreiro (também em 1950, uma data charneira), abrindo de certo modo caminho para a revelação de Augusto Cabrita no 2º salão do Grupo Desportivo da Cuf (1952).
Já sob o estímulo da exposição “The Family of Man” e das notícias que a precederam desde 1954 (em especial na revista "Fotografia", de Março, nº 2), um outro conjunto de autores iria protagonizar uma intenção modernizadora da fotografia em Portugal que não chegaria nunca a revelar-se como movimento organizado (Carlos Afonso Dias, Sena da Silva, Gérard Castello-Lopes, depois João Cutileiro, já instalado em Londres, etc), e que só teve expressão pública com o livro de Costa Martins e Victor Palla, em 1958/9. Tal como o arquitecto Francisco Keil do Amaral, presente com fotografias nas Gerais de 50 e 55, animador do Inquérito à Arquitectura Popular (1955-61), eles praticavam então uma fotografia que se pode chamar neo-realista, usando-se aqui o termo em sentido lato e sem vinculação directa ao movimento artístico e literário com esse nome. O confronto com as abordagens italianas e espanholas deste longo tempo do pós-guerra é essencial para ver esse período sob novas perspectivas, pondo em causa o "retrato" fixado na única história da fotografia portuguesa , de António Sena.
São decisivas para situar o contexto português as exposições que têm decorrido nos últimos dois anos, 2006-07 (5), sobre o mesmo período do pós-guerra em dois países próximos, a Espanha, pela comparável distância face ao mundo das democracias vencedoras em 45 (com um regime repressivo inicialmente mais feroz mas com uma abertura mais rápida), e a Itália, por um aparentado atraso económico-social do país rural, num contexto marcado pela derrota do fascismo. Nessas exposições recentes os meios das associações amadoras, dos salões e dos grupos dissidentes são observados de uma forma que ultrapassa o esquematismo simplista que permitiu, entre nós, ignorar grande parte da produção nacional deste período e destacar depois algumas fugazes e/ou confidenciais tentativas de modernização de um modo descontextualizado e mitificador.
(5) Dessas abordagens italianas e espanholas destaco em especial, Mirades Paral.leles. La fotografia realista a Itàlia i Espanya, com direcção de David Balsells, Barcelona, 2006, e NeoRealismo. La nueva imagen en Italia. 1932-1960, de Enrica Viganò, Madrid, 2007, bem como a investigação exaustiva de Laura Terré Alonso, Historia del Grupo Fotográfico AFAL 1956/1963, Photovision, 2006, e a exposição La Escuela de Madrid. Fotografía 1950-1975, Madrid, 2006.
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BIBLIOGRAFIA
Marie de Thézy, La photographie humaniste. 1930-1960. Histoire d'un mouvement en France, Contrejour, Paris, 1992.
Europa de Postguerra 1945-1965. Arte Despues del Diluvio, Fundación "La Caixa", Barcelona - Viena, 1995. (Fotografia: Marta Gili, comissária, "Reconstruir el Mundo"; Ute Eskildsen, "Imágenes de la Vida"; Marie-Loup Sougez, "La Fotografía humanista"; Italo Zannier, "Investigación y experimentación". Gérard Castello-Lopes foi o único português representado)
Alain Fleig, Naissance de la photographie comme média en France dans les années trente, Ides et Calendes, Neuchâtel, 1997
António Sena, História da imagem fotográfica em Portugal - 1839-1997, Porto Editora, Porto, 1999.
Horacio Fernández, Variaciones en España. Fotografía y arte 1900-1980, La Fabrica, Madrid, 2004.
"Vidas privadas" - Colección Fundación Foto Colectania (dir. Pepe Font de Mora), Fundació Foto Colectania, Barcelona, 2004. (Anos 50-60, textos de Carlos Pérez Siquier, Gérard Castello-Lopes, Fernando Lemos, Oriol Maspons)
El Papel de la Fotografía: AFAL, Nueva Lente y Photo Vision, Biblioteca Nacional, Madrid, 2005. (Textos de Ângeles Bejerano/Fernanda Llobet e Marie-Loup Sougez)
Manuel Amado (dir.), Em Foco. Fotógrafos portugueses do pós-guerra. Obras da colecção da Fundação PLMJ, ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005.
Laura Terré Alonso, Historia del Grupo Fotográfico AFAL 1956/1963, Photovision, Utrera - Sevilha, 2006.
David Basells, Mirades Paral.leles. La fotografia realista a Itàlia i Espanya, Museu Nacional d'Art de Catalunya, Barcelona, 2006. Com trad. em castelhano. (Ensaios de Ennery Taramelli, "El rostro del tiempo", e Juan Manuel Bonet, "Volviendo sobre los cinquenta).
La Escuela de Madrid. Fotografía 1950-1975, Museo Municipal de Arte Contemporáneo de Madrid, 2006. (Ensaio de Mónica Carabias Álvaro)
Enrica Viganò, NeoRealismo. La nueva imagen en Italia. 1932-1960, La Fábrica Ed., Madrid, 2007 (PhotoEspanã' 07). Ed. original, Admira Edizioni, Milano, 2006. (É especialmente relevante o texto de Giuseppe Pinna, "Italia, realismo, neorrealismo: la comunicación visual en la nueva sociedade multimedia")
Emília Tavares, "Fotografia e neo-realismo em Portugal", pp. 263-273, em Batalha pelo Conteúdo, Exposição Documental, Movimento Neo-realista Português, Museu do Neo-Realismo (coordenação de David Santos), Vila Franca de Xira, 2007.
Olá! ando á procura desse livro ha muito tempo.
Será que me pode dizer onde o encontro?
Obrigada
Posted by: Elisabete | 09/04/2009 at 02:21