Expresso actual de 31-01-2004
"Paraísos artificiais"
Novos meios digitais de criação e impressão de imagens
Centro I+D (Investigación y Desarrollo) de la Estampa Digital, Calcografía Nacional
"Impres10nes", Instituto Cervantes, Lisboa
Há uma estranha perfeição nas flores fotografadas por Marc Quinn. Todas elas permanecem identicamente vivazes como se se tivessem imobilizado no momento de apogeu da sua florescência, gerando uma explosão de cor mais vibrante que qualquer jardim. Depois, insistindo em decifrar a estranheza das imagens, notar-se-á que as flores se elevam directamente de um fundo de erva ou musgo, sem folhagens «inúteis», e que a sua variedade, entre cogumelos e espargos, frutos tropicais, cactos e plantas exóticas, excede todas as possibilidades de um só canteiro ou estufa. Uma luz de aquário, reflexos de paredes de vidro e barras de caixilhos metálicos indiciam que se trata de um cenário manipulado, isto é, da criação de um paraíso artificial.
São imagens de um jardim gelado, com mais de mil flores conservadas num tanque de sete por dois metros e meio com 25 toneladas de silicone líquido a 20 graus negativos. Num eterno esplendor se a electricidade não falhar. Com este projecto, Garden, o artista britânico correspondeu a uma encomenda da Fundação Prada, de Milão, explorando em grande escala técnicas de refrigeração que usara noutras obras, através das quais as ideias de morte e eternidade, belo e natureza, são postas em equação. A sua obra mais famosa, Self, já de 1991, pertencente à Colecção Saatchi, é um molde congelado da sua cabeça feito com o próprio sangue (4,5 litros) recolhido ao longo de cinco meses; na Colecção Berardo, é da sua autoria uma impressionante pele humana passada a bronze que agora se suspende do tecto do CCB. Outros trabalhos do artista põem em relação a arte e a ciência com referências à manipulação genética e aos códigos do ADN.
Garden2, a série de fotografias que prolonga a obra de Milão, resulta da intervenção em Photoshop a partir de diapositivos de 35 milímetros, impressas em grande formato com pigmentos permanentes por uma impressora de jacto de tinta e, no final, envernizadas. Fazem parte de uma exposição dedicada às novas possibilidades criativas no campo da arte gráfica digital, trazida pelo Instituto Cervantes e produzida pela Calcografía Nacional, uma veneranda instituição da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, de Madrid, que tem no seu espólio as chapas gravadas por Goya. No espaço disponível não coube a totalidade da mostra sumariada no catálogo (uma escultura de papel de Anish Kapoor criada com um programa topográfico, a imagem impressa de um vídeo de João Penalva, etc.), mas outras obras expostas, e a publicação referida, dão conta da pluralidade de direcções em que os meios informáticos alargam ou alteram os processos de criação e edição de imagens, que passam, por exemplo, pelo uso do lápis óptico, a hibridação de processos analógicos e digitais, as impressões de grande dimensão.
Outras exposições em Lisboa dão conta de usos artesanais dos meios digitais: na Escola António Arroio, René Bertholo expõe sob a designação de infografismos estudos para pinturas, realizados com o uso do «scanner» e a manipulação de fragmentos dos seus quadros anteriores; Xana expõe no Teatro Taborda fotografias digitais impressas com intervenções desenhadas no ecrã do computador. Na mostra vinda do Centro I+D (Investigación y Desarrollo) de la Estampa Digital está-se perante outra escala de meios, inacessíveis para a maioria dos artistas a nível individual.
Marc Quinn, estampa fotográfica da série «Garden2»
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