EXPRESSO/ Actual de 06-08-2005
"Papéis impressos"
Panorama de obras gráficas inglesas dos anos 60
«As Is When» - Um Boom na Arte da Impressão na Grã-Bretanha 1961-1972 ( British Council ), Culturgest/Porto, até 1 de Outubro
Volta-se uma vez mais aos anos 60. A década, se não é o começo de tudo, distanciando-se da memória das grandes guerras, é pelo menos o quadro persistente das referências e das contradições que ainda dominam o presente. As fronteiras ideológicas perdem a sua rigidez com a aventura do Vietname e, depois da revolta húngara, com o cisma sino-soviético e os terceiro-mundismos. A confiança no progresso materializa-se com a explosão do consumismo (até à crise do petróleo de 1973) e com a revolução tecnológica, que se coroa na conquista do espaço, passando pelos optimismos da robótica e da cibernética. A arte, a par da música popular e do cinema, deixa as alturas dos ideais e dilacerações humanistas para se relacionar com a publicidade, a moda e o design, numa esfusiante afirmação das culturas urbanas, mas inicia-se pelo final da década um movimento inverso de isolamento e dúvida. Aqueles trânsitos, que tinham o seu centro europeu na «swinging London» e as suas metas e mitos nos Estados Unidos, com a aceleração exponencial da comunicação e da circulação, passam por ser representados pela arte pop, mas, se a designação é abrangente e fácil, ela não recobre o dinamismo e a diversidade das movimentações.
A exposição que nos reaproxima dos anos 60 é uma iniciativa itinerante do British Council especificamente dedicada à renovação e crescimento (um «boom») da arte da impressão na Grã-Bretanha entre 1961 e 1972. A expressão inglesa é «printmaking», que recobre a edição de gravuras e serigrafias, deixando de fora outros domínios do impresso, que então se renovavam nas áreas da tipografia e do design gráfico, no cartaz ou poster, na publicidade e na imprensa comercial ou alternativa e «underground». Mas os contactos entre artes maiores e menores eram então intensos, com o exemplo mais famoso da capa de Sgt. Pepper’s, concebida por Peter Blake, em 1966, e a própria serigrafia, adoptada por muitos artistas, com a intensidade das suas cores planas e a facilidade da apropriação fotográfica, menos exigente quanto a talento para o desenho, afirmara-se antes como um eficaz processo de reprodução fotomecânica comercial.
No espaço da Culturgest/Porto, com a grande qualidade arquitectónica e decorativa que importa respeitar, a mostra foi um pouco abreviada, preferindo-se espaçar as obras numa montagem tradicional e «aurática», quando a produção de múltiplos convidaria a uma disposição mais despreocupada e inventiva. Assim, reduziu-se a representação de vários artistas (David Hockney, Allan Jones, Joe Tilson, em especial) e outros não chegaram a ser expostos, como Bernard Cohen, Robyn Denny, Gordon House, John Hoyland e Richard Smith, que tinham quase só peças únicas. O catálogo inglês, que teve tradução parcial em separata, reproduz a totalidade das 79 obras dos 21 artistas.
Por sinal, todos os excluídos fizeram parte das exposições «Situations» (onde também participou Harold Cohen, o único presente, mas com obras tardias). No início da década, sob o impulso de William Turnbull e do crítico Lawrence Alloway, tiveram um papel importante na afirmação de uma pintura abstracta de grandes formatos e de cores saturadas, que não era uma mera transposição da «colour field painting» e da «post-painterly abstraction» que Clement Greenberg defendia em Nova Iorque. Essa nova abstracção radical, que se afastava dos gestos dramáticos do expressionismo abstracto e das origens paisagísticas da Escola de St. Ives, está presente de um modo sincrético em muitas obras que se identificam como pop, no uso de formas ou sinais que decorrem dos sistemas de comunicação, nos campos de cor berrante e nos formatos recortados («shaped canvas»). Por outro lado, prolongar-se-ia com grande vitalidade na escultura, com Anthony Caro, William Tucker, Philip King e outros.
A configuração da mostra, que coloca as obras de Richard Hamilton na área central, faz prevalecer a habitual interpretação que estabelece uma sequência linear desde as manifestações do Independent Group nos anos 50, cujo interesse pela cultura popular e urbana de produção massiva caracterizou uma primeira fase da arte pop inglesa (1953-58), até à revelação na exposição «Young Contemporaries» de 1961 de uma nova geração pop que se popularizou por ocasião da mostra «New Generation», em 1964. Ali tinham aparecido David Hockney, R. B. Kitaj, Derek Boshier, Patrick Caulfield, Allen Jones e Peter Phillips - os dois primeiros, que têm presenças muito singulares na exposição (litografias de Hockney e colagens serigrafadas de Kitaj, que foram experiências episódicas), iriam seguir longos itinerários com independência dos estilos colectivos da época. O outro pioneiro do Independent Group é Eduardo Paolozzi, o grande escultor recentemente falecido, que então se interessava por Wittgenstein (dando o título a esta mostra) e por padrões informáticos. A exposição inclui ainda as paralelas pesquisas ópticas (Op) de Bridget Riley e Peter Sedgley e o solitário Howard Hodgkin, que viria a ter um outro percurso singular.
Patrick Caulfield, «The Hermit»; Peter Sedgley, serigrafia da série «Looking Glass Suite», 1966; Richard Hamilton, «Release», 1972
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