EXPRESSO Actual de 14-08-04
No passeio das artes
O Museu Thyssen foi ampliado para acolher a Colecção de Carmen Cervera
Já foi inaugurada a primeira das grandes obras de ampliação dos museus centrais de Madrid. O Museu Thyssen-Bornemisza aumentou 50 por cento a sua área para acolher em permanência a colecção de Carmen Cervera, a viúva do barão daquele nome. No Museu Rainha Sofia também abriram, com a mostra do centenário de Dalí e uma antologia de Roy Liechtenstein, as duas grandes galerias incluídas no projecto de ampliação confiado a Jean Nouvel. Mas a inauguração completa (que compreenderá uma biblioteca e um auditório sob a grande pala vermelha de aço e vidro que cobre três edifícios e uma praça triangular interior) ficou adiada para a Primavera, em data próxima da estreia do novo Prado, a cargo de Rafael Moneo.
Saíram frustrados os esforços de José María Aznar para presidir em ano eleitoral à abertura de todo este imenso «projecto de Estado», descrito como um dos maiores programas culturais do mundo, mas a obra fica. No total, anunciou-se o investimento de 147 milhões de euros para ampliar em 52 mil metros quadrados os três museus, esperando-se ultrapassar os actuais três milhões de visitantes por ano. O conjunto vem reforçar a centralidade cultural madrilena e tem sido comparado à Ilha dos Museus de Berlim, à Museum Mile de Nova Iorque ou ao Mall de Washington. O programa, aliás, inclui igualmente a reorganização urbanística do eixo viário entre Atocha e Cibelles num novo «Paseo del Arte», atribuída por concurso a Álvaro Siza e Juan Miguel Hernández, de Léon.
Entretanto, já um novo pólo se acrescenta ao triângulo Thyssen-Prado-Reina Sofia com o futuro centro social e cultural da Fundação la Caixa. A sede do Caixa Forum, que sucede ao seu homónimo de Barcelona, foi projectada pelos suíços Herzog y de Meuron (os arquitectos da Tate Modern, que estão também a construir o Museu-Centro Óscar Domínguez em Santa Cruz de Tenerife) e as obras iniciaram-se em 2003. Vai erguer-se em vidro sobre a antiga Estação Eléctrica de Mediodía, mantendo na parte inferior a estrutura da central, exemplo da arquitectura industrial de finais do séc. XIX, enquanto se abre à sua volta uma praça pública alargada até ao Passeio do Prado, em frente ao Jardim Botânico. Substituirá com vantagem a actual sala de exposições da Calle Serrano, onde se poderão ver, a 23 de Setembro, «Prerrafaelitas: la Visión de la Naturaleza», numa co-produção Tate Britain e Altes Nationalgalerie de Berlim; e em Fevereiro, por ocasião da Arco, as vídeo-instalações The Passions de Bill Viola, vindas do J. Paul Gety Museum.
Inaugurado em 8 de Junho, o renovado Museu Thyssen prolongou-se por dois prédios dos anos 20 e 30 cujas traseiras davam para o jardim do antigo Palácio de Villahermosa, somando mais 8 mil metros quadrados de área aos anteriores 16 mil, com um investimento total de 38 milhões de euros. Uma intervenção cirúrgica de articulação com o primeiro edifício, que fora adaptado por Rafael Moneo, agora realizada pelos arquitectos Manuel Baquero, Robert Brufau e o Estudio BOPBAA de Joseph Bohigas e Francesc Plá, acrescentou 16 novas salas de exposição permanente, no prolongamento dos pisos anteriores (com as paredes do mesmo cor-de-rosa manchado que a baronesa exigiu). Ao mesmo tempo ampliaram-se as duas galerias de exposições temporárias e as áreas de conferências e serviços, permitindo a abertura de uma biblioteca e de novos restaurantes, um parcialmente enterrado no jardim, outro no cimo do edifício.
Com a instalação da Colecção Carmen Thyssen-Bornemisza, juntaram-se 220 obras (de um acervo de mais de 300) às cerca de 700 que constavam da montagem permanente. O respectivo itinerário (que se pode seguir em www.museothyssen.org) inicia-se no segundo piso do museu e desenrola-se, em sentido descendente, em paralelo com os núcleos do edifício anterior, numa montagem separada das duas colecções, embora esteja prevista a sua futura fusão.
A colecção da baronesa nasceu em 1987, a seguir à assinatura do protocolo que previa a cedência a Espanha, por dez anos, de 775 quadros da Colecção Thyssen, antes instalados na Vila Favorita, na Suíça. O museu veio a inaugurar-se em 1992 e logo no ano seguinte o Estado adquiriu as obras por 43 mil milhões de pesetas, passando-os para a propriedade da Fundação Colecção Thyssen-Bornemisza. Entretanto, o casal continuou a comprar a bom ritmo, reunindo outras obras de tão grande importância como a Eclusa de Constable ou Idas e Vindas, Martinica de Gauguin, em princípio destinadas à sua residência particular mas que acabaram por ser emprestadas ao museu. Ao organizarem-se, com grandes pugnas jurídicas, as partilhas entre os herdeiros do barão Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza (que veio a falecer em 2002), Carmen Cervera ficou titular de uma segunda colecção já significativa, que prosseguia a orientação da anterior, ao mesmo tempo que ela própria abria uma segunda linha de aquisições dedicada à pintura espanhola posterior a Goya.
«A Grande Portuguesa» de Robert Delaunay, de 191
Em 1996, o museu apresentou parte da Colecção Carmen sob o título «De Canaletto a Kandinsky», que reiterava o interesse principal pela paisagem e a abrangência histórica como linhas de continuidade do novo acervo. Uma série de 28 exposições, até 2004, mostrou depois em várias cidades espanholas, e também em Xangai e Pequim, Roma, Nova Iorque, Lugano, Tóquio, Cidade do México, Bruxelas, Bona, etc. (Portugal não faz parte do mapa), outras selecções temáticas. Em 1999, um acordo entre a baronesa e o ministério da Cultura previu o depósito gratuito da colecção no museu por um prazo de 11 anos (prolongado até 2013) e pôs-se em marcha o projecto de ampliação. À frente do museu, desde sempre, está o conservador-chefe Tomás Llorens (também fundador do IVAM de Valência), que é certamente a figura mais séria e competente do universo museológico espanhol.
As novas salas começam com pintura italiana, flamenga e holandesa do séc. XVII, e uma grande galeria de «vistas» e paisagens, de Canaletto a Van Gogh. A pintura norte-americana do séc. XIX é outro núcleo importante, continuando o percurso com a paisagem naturalista e impressionista, Gauguin e o pós-impressionismo, o expressionismo alemão, o fauvismo e as primeiras vanguardas, cubismo e orfismo (os períodos mais recentes estão integrados na colecção geral). Às obras maiores de grandes mestres (do Jardim do Éden de Jan Brueghel o Velho a Renoir e Degas), a montagem acrescenta autores menos conhecidos e produções mais medianas, num panorama propício a descobertas e a um sereno convívio com a história. Sorolla e Darío de Regoyos são os únicos espanhóis incluídos, enquanto Portuguesa (A Grande Portuguesa), de 1916, é certamente a peça mais marcante da estadia de Robert Delaunay no Minho (esteve à venda por 160 mil contos na Arco de 98, mas nenhuma entidade portuguesa assumiu as suas responsabilidades).
Entretanto, a vertente espanhola da Colecção Carmen esteve presente na reabertura do museu com a exposição «La Pintura Catalana del Naturalismo al Noucentismo», e prossegue agora numa mostra de pintura andaluza (até 5 de Setembro). Esta é um amplo panorama de uma produção local e de uma época, de 1840 ao início do séc. XX, em grande medida desconhecidas, depois da Andaluzia ter sido um dos focos mais importantes do romantismo espanhol, concluindo-se com o original regionalismo simbolista de Julio Romero de Torres e o primeiro vanguardismo de Moreno Villa.
Joaquim Mir, «O Abismo, Maiorca», c. 1901-1904
A mostra catalã revelou um acervo notável, com obras-chave de artistas que integram um dos grandes capítulos da arte da passagem do séc. XIX para o XX, como O Pavão Branco de Anglada Camarasa (pintor de grande êxito parisiense que foi professor de Amadeo Souza-Cardoso), A Catedral dos Pobres de Joaquim Mir (e também O Abismo, que integra o seu ciclo de pinturas de Maiorca) ou Mediterrâneo de Joaquim Sunyer, para além de outras pinturas de Isidre Nonell, Ramon Casas, Santiago Rusiñol e Joaquín Torres-García. Este núcleo da colecção está destinado ao futuro Museu Carmen Cervera Thyssen-Bornemisza em Sant Feliu de Guíxol, Girona, Costa Brava, onde há várias décadas a baronesa tem uma casa. O edifício de um antigo hospital deverá estar pronto em 2006 para acolher em permanência 120 obras de um fundo de 350 pinturas.
Por último, anuncie-se que o Museu de Madrid vai inaugurar no fim de Setembro «Gauguin y los Orígenes del Simbolismo», uma mostra de grande dimensão que se alargará também ao edifício próximo da Fundação Caja Madrid. O calendário prosseguirá com «Die Brücke», em Fevereiro, assinalando o centenário da associação de pintores pioneiros do expressionismo alemão; depois virão «Camille Corot (1796-1875). La Memoria entre el Plein-air y el Salon» e um encontro de dois famosos pintores da viragem dos séculos XIX-XX, Sargent e Sorolla. Toda uma exemplar revisão da história.
Comments
You can follow this conversation by subscribing to the comment feed for this post.