Shoji Ueda (1913-2000) é talvez o mais singular dos fotógrafos japoneses e aquele cuja carreira, sempre discreta, atravessou um horizonte temporal mais longo e diversificado, desde a «fotografia artística» de inspiração pictorialista, que no Japão se prolongou pelos anos 30, até ao fim da década de 90. A 2ª Guerra Mundial, ou Guerra do Pacífico (1941-45), foi só um intervalo na sua obra, quando escasseava o material fotográfico e era recrutado por duas vezes para o Exército, só por brevíssimos períodos devido a debilidade física.
Logo que o conflito termina, Ueda regressa aos seus cenários de areia e às composições encenadas com figuras, imobilizadas como objectos, desenvolvendo o seu «Teatro das Dunas» com um humor e uma serenidade totalmente à margem do fotojornalismo documental que orientava então a fotografia japonesa. Hiroshi Hamaya (1915-1999) era um exacto contemporâneo dedicado ao documentário humanista e membro da Magnum, enquanto a ocupação norte-americana e as marcas deixadas por Hiroxima e Nagazaki iam servindo de desafio para a renovação radical que a agência Vivo e a revista «Provoke» protagonizaram, com Tomatsu, Eikoh Hosoe e Daido Moryama. Mas é também no pós-guerra, isolado na sua região de Tottori, que começa a trajectória profissional heterodoxa de Ueda, como que indiferente às mudanças de tempos e centrada na intimidade de um universo imóvel.
ARQUIVO
EXPRESSO Actual de 27-08-2005
O Japão por perto
O fotógrafo Shoji Ueda numa retrospectiva em digressão por Espanha
Depois, têm-se perdido outras oportunidades, como a de trazer à Europa a grande retrospectiva norte-americana de Shomei Tomatsu, considerado o fundador da fotografia japonesa moderna, ou mesmo só de fazer passar a fronteira a antologia de Shoji Ueda que a Fundação la Caixa apresentou em Junho-Julho em Madrid e pôs em circulação, em colaboração com o Museu de l’Élysée, de Lausanne. Está até Outubro em Palma de Maiorca e em Janeiro-Fevereiro transfere-se para Málaga (onde se poderá aproveitar para visitar o simpático Museu Picasso) - encontra-se ainda por confirmar uma anterior passagem por Córdova. Seguirá depois para a Suíça e por Roterdão e Paris numa digressão de dois anos. O desinteresse das instituições é tanto mais estranho quanto os comissários Gabriel Bauret e William Ewing, o director daquele museu, tiveram já diversas colaborações com os Encontros de Coimbra e com a Culturgest.
Shoji Ueda (1913-2000)
é talvez o mais singular dos fotógrafos japoneses e aquele cuja
carreira, sempre discreta, atravessou um horizonte temporal mais longo
e diversificado, desde a «fotografia artística» de inspiração
pictorialista, que no Japão se prolongou pelos anos 30, até ao fim da
década de 90. A 2ª Guerra Mundial, ou Guerra do Pacífico (1941-45), foi
só um intervalo na sua obra, quando escasseava o material fotográfico e
era recrutado por duas vezes para o Exército, só por brevíssimos
períodos devido a debilidade física.
Logo que o conflito termina,
Ueda regressa aos seus cenários de areia e às composições encenadas com
figuras, imobilizadas como objectos, desenvolvendo o seu «Teatro das
Dunas» com um humor e uma serenidade totalmente à margem do
fotojornalismo documental que orientava então a fotografia japonesa. Hiroshi Hamaya (1915-1999)
era um exacto contemporâneo dedicado ao documentário humanista e membro
da Magnum, enquanto a ocupação norte-americana e as marcas deixadas por
Hiroxima e Nagazaki iam servindo de desafio para a renovação radical
que a agência Vivo e a revista «Provoke» protagonizaram, com Tomatsu, Eikoh Hosoe e Daido Moryama.
Mas é também no pós-guerra, isolado na sua região de Tottori, que
começa a trajectória profissional heterodoxa de Ueda, como que
indiferente às mudanças de tempos e centrada na intimidade de um
universo imóvel.
Edward Steichen, que o descobriu por altura da digressão de «The Family of Man», incluiu-o numa mostra do MoMA, em 1960. Quando as suas exposições e publicações se sucediam no Japão, redescobrindo-se o seu percurso solitário, Arles mostrou-o pela primeira vez em 1978 (voltou em 87) e o Photo Fest de Houston homenageou-o em 88. Em 1995 inaugurou-se o Museu da Fotografia Shoji Ueda em Houki-cho, nas imediações das dunas de Tottori e do Monte Daisen, com as 12 mil imagens que doou e um notável projecto premiado do arquitecto Shin Takamatsu - um dos seus quatro corpos é ocupado por uma câmara escura gigante que projecta a imagem invertida do monte sagrado. Daí procedem todas as fotografias desta primeira grande retrospectiva fora do Japão, e quase todas são provas de época com uma fabulosa qualidade de impressão a preto e branco.
As primeiras fotografias expostas, feitas a partir dos 16 anos, alternam os pigmentos a óleo pictorialistas com as experiências do fotograma, da solarização, do contraluz forte e das perspectivas picadas ou dos pontos de vista rasantes ao chão, circulando entre o gosto dominante nos concursos e a informação internacional de vanguarda (a exposição «Film und Foto» chegou em 1931 ao Japão). Aos 19 anos (1932), depois de uma breve formação em Tóquio, logo que acabou os estudos secundários, abriu o seu primeiro estúdio (e loja) de fotografia, permanecendo quase sempre na sua região de Tottori, em ligação com círculos de amadores. Aliás, Ueda continuou depois a definir-se como «um fotógrafo rural amador», lembrando o universo dos clubes e salões da «fotografia artística» em que se integrou muito cedo. Numa entrevista confessou a admiração por Jacques-Henri Lartigue, o mestre a quem elogiou a ilimitada curiosidade.
A informação surrealista, que teve largo curso no Japão, está presente numa natureza morta de 1937 que junta um manequim e um guarda-chuva a chapéus voadores; mais tarde é óbvia a relação com as paisagens de objectos de Tanguy (Pequenos Náufragos, 1950) e também com Magritte, através dos retratos com acessórios imprevistos e dos jogos espaciais de escalas e perspectivas irrealistas, servindo-se do cenário abstracto e sem profundidade das dunas, de uma luminosidade pura e transparente. Otto Steinert incluiu-o na versão japonesa da «Fotografia Subjectiva», em 1956, e as paisagens de neve e as superfícies de águas, ou as posteriores «Visões da Paisagem», de 1970-80, possuem o sentido apurado da pesquisa formal da abstracção norte-americana (Siskind, Callaham), mas o seu grafismo tem a nudez poética e a subtileza interior da sensibilidade japonesa mais antibarroca. O provinciano da remota região de Izumo, na costa interior do Mar do Japão, nascido em Saikaminato, é um fotógrafo bem informado, que deixou os processos pré-modernistas sem nunca se prender a correntes vanguardistas, tão inclassificável como os seus temas, colhidos no quotidiano e nas imediações da sua casa.
Seis núcleos traçam a continuidade da sua obra em sequência cronológica: as primeiras fotografias (1929-1940), onde já surgem as encenações de figuras nos espaços desérticos da praia; o mais famoso «Teatro das Dunas» (1945-51), com retratos e auto-retratos com adereços; «Da natureza morta à paisagem», anos 50; o «Calendário das Crianças» através da variação das estações do ano, de 1955-1970; «Paisagens e Memórias», 1970-85, com as séries «Visões da Paisagem», 1970-80; «Pequena Biografia», 1974-85; «Recordações sem Som», com imagens de uma viagem pela Europa, de 1972-73. Por fim, o humor do «Regresso às Dunas», 1980-99, com o trabalho de encomenda «Moda nas Dunas», e as últimas imagens, as «Ondas Negras» em homenagem ao monge budista chinês Ganjin, descendo a noite sobre o mar.
FOTOS SHOJI UEDA OFFICE, TOKIO: «Quatro Raparigas em Pose», 1939, «Lago», 1959
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