O chamado África.Cont já é notícia - duas páginas no Público de hoje. Irá ser oficializado no dia 9 por Sócrates e Costa. Para quem é indefectível votante em ambos (e mesmo apoiante indefectível de ambos, já agora e com gosto de o dizer), esta é uma desgraçada notícia. O tema já aqui tinha sido aflorado, e no passado sábado tive ocasião de o analisar resumidamente em dois acontecimentos públicos: o colóquio dito pós-colonial na Arte Lisboa (e aí foi o director Geral das Artes que começou por lhe fazer breve referência) e um forum sobre "Estratégias para a Cultura em Lisboa", no Palácio da Mitra, iniciativa da CML.
Depois do falhado Museu do Mar e da Língua em Belém e do chamado Museu do Multiculturalismo na Estação do Rossio (esse nome foi um lapso, ou uma ficção jornalística), voltamos a navegar por águas perigosas. Também houve o Hermitage em Lisboa, a mostrar que a tendência para a asneira cultural não tem faltado em anos recentes; o Museu dos Coches é igualmente uma história pouco clara, mas isso não interessa agora. Os exemplos anteriores mostram que os projectos também se abatem. É o que agora (me) interessa - mas sem aceitar a chicana partidária. Trata-se com o África.Cont de começar pelo telhado com um projecto errado: a intenção de colocar a arte contemporânea no comando de um programa de relacionamento intercultural, e de "regresso a África", é um logro de comissários artísticos e académicos que assustam os leigos com o papão e o calão das teorias do pós-colonialismo.
Trata-se de substituir acções culturais social e estrategicamente sustentadas, em direcção aos países africanos em geral (não só lusófonos, e essa é uma orientação certa) e em direcção às comunidades africanas residentes, projectando Portugal no quadro do diálogo Norte-Sul e reequacionando o passado histórico do país, e em especial o passado imperial, por mais um equipamento pesado de representação. Uma espécie de Instituto do Mundo Árabe (em Paris), sem existirem os meios franceses, sem contar com a cumplicidade dos países africanos, e sem uma experiência anterior bem sucedida e acumulada de convivência com as culturas de África e das suas (e nossas) diásporas. Em vez de criar uma Agência leve e de tomar decisões de apoio a projectos já em curso em vários sectores e de resposta a necessidades localizadas, coordenando acções e avaliando experiências, projecta-se um monstro.
( http://jornal.publico.clix.pt - pp. 10-11, só para Assinantes ) ou: http://ultimahora.publico.clix.pt
Tive antes oportunidades informais de discutir o projecto no Palácio da Ajuda e nos Paços do Concelho (com titulares e/ou assessores), em Serralves e no Museu Berardo/CCB (com directores e/ou outros responsáveis), noutros lugares e com outros interlocutores (e também com o próprio autor do projecto, o antropólogo e professor José António Braga Fernandes Dias, de quem um dia elogiei uma grande exposição sobre a Amazónia, no Porto, em 1994: http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2007/07/1994-memria-da-.html ). Por toda a parte encontrei uma surpresa inquieta, uma clara discordância, uma firme oposição argumentada, as quais foram e estão a ser, no entanto, silenciadas por uma dinâmica política que cilindrou as opiniões (e pareceres?) desfavoráveis. Não poderei referir essas conversas privadas, mas testemunho o desconforto e o desacordo generalizados (com a excepção solitária e óbvia do respectivo "criador").
Tratava-se, diziam, de uma decisão ao mais alto nível (Sócrates e Costa), a ser paga pelo MNE de Luís Amado (a reorientação do Instituto Camões passa também por aqui), pela Economia e o Turismo de Manuel Pinho, pela CML e outros parceiros institucionais e empresariais (com colecções de arte ou com interesses em África) intimados a associar-se. A Cultura, sem meios e sem voz (e com museus falidos e fechados - o de Etnologia, por sinal, e por onde haveria que começar...) era atrelada sem apelo. Tudo isto se passa num contexto em que, por exemplo, os compromissos com o Museu de Serralves para 2008 estão por satisfazer, ou quando as despesas do Allgarve não foram pagas a algumas câmaras. Numa fuga para a frente inadmissível.
Por outro lado, trata-se, a partir de agora, de ganhar as eleições, em Lisboa e no país (e têm a obrigação disso). No entanto, , em 2009, em vez de obra feita (era o Pavilhão de Portugal a sede desejada, mas ficou pelo caminho, depois terão sido a Gare Marítima de Alcântara e o Palácio de Santa Catarina - insuficientemente faraónicos), haverá apenas planos e burocracias. Haverá uns cavalheiros a passear por África (já agora, também por Veneza, Nova Iorque, etc - já passearam muito, aliás) e uns programas artísticos de "ponta" que apenas interessarão a uma elite subsidio-dependente próxima do poder. Os "blacks" em África (as diásporas são outras coisas) não terão nada a ver com estas animações ditas culturais. Tudo isto é má política. A discutir.
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Estou inteiramente de acordo. Acrescentaria em parceria com esses países. O meu comentário do outro dia desapareceu, não faz mal, mas gostaria de saber se recebeu. Cumprimentos. Popelina/Cristina
Posted by: popelina | 11/30/2008 at 13:21
caro Alexandre,
E quem lhe disse que o este novo centro contemporâneo terá de convidar blacks.
Com todo o branqueamento que já há muito o país faz e o caracter inovador do projecto pode até ser que tenha só non blacks. Convidam-se esses da ponta para fazerem umas coisas e obrigam-se uns outros quantos que restarem dessa ponta a irem fazer umas coisas a África e a dialogarem, dialogarem muito...e depois exibem-se as coisas destas pontas todas.
Nem é preciso mesmo blacks nenhuns. Nada me surprenderia neste país tão multicultural, ponte de diálogo.
E já agora um conselho para esse novo centro já não se usa multicultural nem intercultural mas sim transcultural!
Gostaria também de saber a que acções culturais social e estrategiacamente sustentadas se refere da parte do Ministério das Cultura em relação a África?
E quais as razões para não existir uma experiência anterior bem sucedida e acumulada de convivência com as culturas de África e das suas (e nossas) diásporas?
Talvez tenha razão, talvez o Ministério da Cultura, o Instituto do Camões, a Camara de Lisboa e de outras cidades, os agentes culturais devessem reflectir sobre esta última questão, pois muitos falam sobre multiculturalismo e nem Saiid leram coitados...
Nos próprios encontros da Cultura ou apresentações como estas lançam-se estas palavras e olha-se para a plateia e onde e como está esse diálogo?
Está branco branco de susto! branco de ausência e falam falam falam sobre nós....
Posted by: Amado Monstro | 08/06/2009 at 02:46