Está na moda dizer mal do sistema da arte. Os exemplos abaixo são franceses, mas outros podiam vir do Guardian e doutras origens anglo-saxónicas (o Guardian escandalizava-se há dias com a facilidade com que se passa do museu à galeria ou à colecção privada, do comissariado à leiloeira, etc - como se não soubessemos disso em Lisboa há muito tempo, e com uma habilidade suplementar para acumular posições: director + artista; director público + consultor privado; assessor + comissário, etc, etc, para lá de uma muito vantajosa qualidade curricular, sempre premiada) que é a falta de qualificação e de competência).
Numa semana os críticos aplaudem as "revelações" do circuito artístico, na seguinte condenam as regras do sistema. É uma forma de fazer carreira na imprensa, onde convém ir mostrando "independência", em ziguezague, para manter abertas todas as portas.
Philippe Dagen no Le Monde escandaliza-se com a actualização de Dadá em versão "Adolf Chapman". Mas, que diabo..., é só um passo mais. Não há nada de novo numa cartilha tantas vezes usada, apenas a qualidade de conseguir mais um escândalo, o que vai sendo sempre um pouco mais difícil. Mas os jornais têm de fazer-se e o papel de virgem ofendida ainda paga. O que é chocante, afinal, é a cegueira (ou será má fé?) que faz agora tomar como critério de censura tudo o que noutros casos se elogiou.
A chamada crítica de arte (e Dagen entre os outros) tomou como qualidades estilísticas neo e pósvanguardistas a pobreza das ideias, a literalidade das formas, a ausência de invenção; agora choca-se com o ponto de chegada. Tudo o que escreve contra, palavra por palavra, foi dito antes a favor...
Analyse: L'art entre provocation et cynisme, par Philippe Dagen
LE MONDE | 31.10.08 |
(…)
Que l'art soit coûteux, c'est une longue tradition en Europe : mais l'art digne de ce nom, celui qui donne à sentir et à penser, Rembrandt ou Picasso, Titien ou Bacon. Or ces objets qui, depuis quelque temps, sont portés aux sommets de l'argent se caractérisent par la pauvreté d'idées, la littéralité des formes et l'absence de toute invention. Surtout ne pas transposer, surtout produire au premier degré, telles sont les règles. Elles empruntent aux principes d'Audimat que cultivent, avec le plus parfait mépris du consommateur, les industries de la télévision et de la publicité et leurs tacticiens. Le message est asséné, l'image s'impose par son évidence et les sujets évoqués sont primaires - le sexe, la mort - ou abjects - le nazisme. Les objets proposés sont des illustrations censées avoir un impact émotionnel intense. Et une valeur financière proportionnelle à cette accessibilité et à cet impact.
Jadis, Manet, Cézanne ou Matisse faisaient scandale malgré eux : non par désir de déplaire mais parce qu'ils ne pouvaient peindre autrement qu'ils le faisaient, sauf à se trahir. Duchamp, les dadaïstes et les surréalistes faisaient scandale délibérément : c'était l'une de leurs manières de protester contre toutes les institutions, contre l'ordre social et les traditions. Hirst, les frères Chapman et quelques autres - Tracey Emin, Maurizio Cattelan - font de la provocation leur procédé unique, du scandale un pur argument publicitaire. Bien loin de le contester, ils tirent le parti le plus avantageux du capitalisme. Non seulement ils n'ont aucune critique à formuler contre lui, mais ils flattent quelques-uns de ses milliardaires en les faisant passer pour des protecteurs des arts. Ils jouent du système de médiatisation et le plus que l'on puisse leur reconnaître est une intelligence cynique de la situation.
Non plus dans le genre de la provoc morbide, mais dans le style tendre et lénifiant, il faut en dire autant de Jeff Koons quand il agrandit des jouets et des bouées, suspend des coeurs mordorés à des rubans écarlates et fait preuve, dans les appartements du château de Versailles, de ses talents de décorateur. Une telle conception de l'activité artistique n'est pas neuve. Dans le dernier tiers du XIXe siècle, elle fit la fortune des plus pompiers des peintres. A l'instar de leurs successeurs actuels, ils fabriquaient des images et des statues qui frappaient par leurs dimensions considérables, leur perfection technique, leur absence absolue de nouveauté, leurs sujets connus de tous et leur cherté extravagante. On sait ce qu'il reste de ces fournisseurs des grands de ce temps-là, Gérôme, Meissonnier et leurs émules : à peine plus que les noms.
Ce jugement de l'histoire est rassurant, sans doute. Mais pour tous ceux qui se refusent à considérer l'art comme une branche spécialisée du luxe et du divertissement, c'est une faible consolation."
(negros e sublinhados são meus)
A ideia de existir "uma arte digna desse nome" (a arte que "faz sentir e pensar", ou outra qualquer), é uma posição metafísica inaceitável que identifica o conceito de arte com uma identidade predefinida e um juízo moral e/ou de qualidade. A arte "indigna" é igualmente arte. Por outro lado, o contra-senso é evidente, porque as obras do tal Adolf Chapman obviamente fizeram "sentir e pensar" o incomodado crítico.
Voltamos ao mesmo com a recusa de admitir a arte como "ramo especializado do luxo e do divertimento", o que nos faria recusar talvez mais de metade do que se admitiu sempre como arte (na pintura, na música, na arquitectura, etc), deixando outro tanto para o poder, a propaganda, a superstição, o rito. A ideia da arte pura e/ou da auto-crítica da arte diz respeito a um ínfimo segmento moderno, e teve por consequência o que o crítico lamenta.
As referências à evidência da imagem, ao impacto da ilustração, ao jogo com os sistemas de mediatização, à inteligência cínica, correspondem, em geral, a condições de eficácia das obras ou a regras necessárias de relação com outros regimes das imagens contemporâneas.
O texto serve de revelação de um "mal-estar" que faz hoje parte da imagem pública do crítico, condenado a procurar um ou outro caso extremo por indevidas razões morais ou politicas para não aparecer como um mero agente disponível para todo o elogio, destituído de quaisquer condições para exercer o juízo de ordem estética.
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André Rouillé
"Foire de foires, et crise de l’art" - 30 oct. 2008
editorial do site Paris-art
L’aspect le plus pervers de la marchandisation généralisée et de la spéculation à outrance de l’art, réside dans le formatage esthétique des œuvres, dans un processus souterrain d’uniformisation, c’est-à-dire de discipline qui atteint aussi directement que subrepticement à l’essence même de l’art.
L’art-marchandise (arrivé au degré de l’«art des affaires») s’avère en réalité être une aporie dans laquelle la logique de la marchandise joue contre l’art en émoussant ses capacités à faire rupture, à déborder les convenances esthétiques et de tous ordres.
Soumis à l’implacable logique de la marchandise, l’art doit être assez différent pour rester de l’art, et assez conforme pour ménager les clients potentiels. Au risque de perdre ses capacités au désordre créatif. Au risque de basculer dans la culture.
«Il y a la culture qui est de la règle, et il y a l'exception, qui est de l'art», note Jean-Luc Godard avant de souligner qu’«il est de la règle de vouloir la mort de l'exception» (JLG/JLG).
La prolifération des foires, des salles de vente, des spéculations à outrance et des collectionneurs-vedettes caractérisent le moment présent où la règle a raison de l’exception; où les œuvres ne sont plus faites pour le monde, pour en capter les résonances et les pulsations profondes, mais au contraire pour satisfaire les besoins financiers ou politiques des hommes; où le différent sombre dans la répétition et le même.
Avec le monde et pour de semblables raisons, l’art est crise, menacé par cette situation funeste où la demande prévaut sur l’offre, la consommation sur la production — les vendeurs et les acheteurs sur les artistes."
Aqui é Godard que cauciona a tal aristocrática distância entre a arte e a cultura (a excepção e a regra, senso comum, a banalidade). Não é a arte que é a excepção. O que é excepção é a excelência, a arte de qualidade, face à generalidade da arte - e é dessa generalidade, estabelecida por elites por vezes ou consumida pelas massas, que pode nascer ou não a excepção, como diferença ou singularidade ou raridade. Aliás, as mesmas obras podem "satisfazer as necessidades financeiras ou políticas dos homens" e fazer ecoar "as ressonâncias e as pulsações profundas".
A crise não é propícia à crítica do sistema, porque não é o sistema que está em causa mas sim a crítica.
Mas estas polémicas sempre têm o mérito de mostrar que em português basta ser obediente e obrigado. Não são precisos sobressaltos éticos.
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