Ficámos a saber que ainda há um director municipal de cultura, mas não sabemos para que serve. (É uma herança da anterior vereação.)
http://www.rtve.es/noticias/20081114/los-manuscritos-recuerdos-pessoa-subasta-medio-una-polemica-puja-portugal/194196.shtml
http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?headline=98&visual=25&article=372865&rss=0
A ideia de que toda a papelada e a biblioteca do Pessoa devem estar na Biblioteca Nacional ou na Casa Fernando Pessoa e que essa é a condição essencial para que a obra se estude e divulgue é uma mistificação oferecida a quem se contenta com grandes títulos nos tablóides. Pelo contrário, esses monopólios estatais e a correspondente burocracia institucionalizada abafam a respectiva circulação. São muitas vezes para a memória dos autores o último e inabalável túmulo.
"Com a regularidade do costume, faço anos este ano no mesmo dia que no ano passado. (...)"
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Encarar o leilão de um espólio como um drama nacional é prova de um provincianismo pouco compatível com o autor em causa. Lembremo-nos do recente leilão da vastíssima biblioteca e da colecção de André Breton que teve em França o destino conveniente: a escolha pelo Estado de algumas peças de excepcional importância e a dispersão de tudo o resto: o regresso à vida graças à reentrada no mercado.
Pensemos como seria diferente o destino de um Amadeo de Souza-Cardoso se uma viúva ou outros herdeiros tivessem podido pôr em circulação (no mercado, claro) obras bastantes para que o pintor viesse a figurar em grandes colecções e museus internacionais. Encerrado o essencial e o acessório, mais os repetidos, em dois museus portugueses (e pouco mais) o pintor voltou a ser vítima de um destino injusto.
Em vez de o Estado central e local, Ministério e Câmara, actuarem no mercado - isto é, no leilão - com os instrumentos que a lei lhes confere, exercendo o direito de preferência que se encontra previsto e regulamentado, parece que se quiseram usar meios pouco sérios de intimidação. O director municipal levava os papéis mal preenchidos e tentou a arruaça, mas teve de sair. Outras pressões oficiais - ilegítimas e inaceitáveis - terão tentado pôr em causa as regras da actividade do sector. Mas o leilão acabou por ser um êxito.
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Ao contrário da opinião vulgar e do discurso oficial, que os jornais têm transmitido por ignorância e preguiça, é fundamental que os herdeiros que possuem espólios artísticos, fotográficos ou literários (muitas vezes sem os conservarem condignamente, sujeitos ao esquecimento e a degradações variadas ou ao risco de acabarem no lixo) os coloquem em circulação, em leilão quando tal for possível. E as instituições centrais não são sempre - não são quase nunca - os melhores destinos.
Veja-se, por exemplo, como o leilão das fotografias e outras obras de Victor Palla (por acaso, ou não, a cargo do mesmo leiloeiro) veio trazer novas perspectivas de abordagem da sua actividade como fotógrafo - imagine-se a ignorância em que continuariamos se o espólio tivesse sido destinado a qualquer buraco oficial. Há obras de outros autores conservadas na posse de familiares que viriam alterar a história conhecida se chegassem ao mercado, e há também colecções e fundos de obras armazenados em instituições públicas que se mantêm inertes e desconhecidos.
ADENDA:
A atentíssima imprensa e as diligentes autoridades não têm prestado atenção a um dos mais interessantes lotes postos à venda (e não vendidos, ao que parece): a correspondência trocada entre FP e João Gaspar Simões, o biógrafo e crítico e director da Presença, entre 1929 e 1932.
A metade do poeta (37 cartas) foi publicada em 1957 pela Europa-América, mas as 30 de JGS, a que FP responde, com que dialoga e que serviram de estímulo à relação com a Presença, mantiveram-se ao que julgo inéditas. São obviamente um documento de grande importância que importaria publicar (o Gaspar Simões não está na moda, mas esse não deve ser o critério decisivo). Parece um pouco estranho que às instituições públicas e aos actuais pessoanos diplomados importe mais a propriedade dos suportes do que o estudo, a edição e a divulgação dos conteúdos.
Ja' tinha ouvido falar da "polemica" e vi a reportagem no site da RTP.
Todos as partes tem razoes para agirem ou reagirem de uma determinada forma, mas o Alexandre tem razao quando refere que a clausura em instituicoes com vista a "proteger" a obra do autor tem tido resultados contrarios aos pretendidos.
A obra tera' de ser mantida de uma forma que proteja o trabalho do autor e nao que defenda os interesses dos interessados nessa obra.
A CML, neste caso, ou o Estado (se se considera que a obra tem interesse nacional) terao de encontrar mecanismos mais interessantes que permitam o estudo e a divulgacao do trabalho de Fernando Pessoa ou de outros autores, que igualmente importantes foram caindo no esquecimento.
E toda a questao gira 'a volta da manutencao da memoria da obra de Fernando Pessoa.
Interessara' que mais pessoas, e nomeadamente fora do Pais (e que nao sao poucas e vao sendo cada vez mais) se interessem pelo trabalho deste escritor, que embora Portugues, e' tambem do Mundo.
Porque 'a visao provinciana adicionaria ainda a visao pre-medieval de resolucao de problemas.
Pois a propria difusao do Cristianismo durante essa altura (se se pensar na importancia das Reliquias na criacao de Paroquias espalhadas pela Europa e depois tambem pelo Mundo - centradas sobretudo num artefacto).
Nao seria a centralizar toda esta informacao/artefactos que o Cristianismo se teria difundido, concerteza.
Mais que a negacao e' a legitima construcao de estruturas que liguem as obras umas 'as outras e que permitam troca de opinioes entre os varios estudiosos. E ai provavelmente estamos dentro do previsto, relativamente 'a "exportacao da Lingua Portuguesa". Quem sabe?
Posted by: Pedro dos Reis | 11/16/2008 at 22:49