Vai-se tornando evidente que é o carácter não autoritário do modelo de avaliação dos professores que perturba a lógica da corporação e incomoda a estratégia sindical e/ou partidária. A possibilidade das escolas regularem os seus próprios processos e critérios de avaliação, tal como as condições asseguradas para a auto-avaliação e a autodefinição de objectivos dos professores esbarram com os costumes interiorizados da hierarquia imposta e com as facilidades do centralismo. Mais trabalho seguramente, mas menos dependência burocrática, mais responsabilidade. Quem conhece os mecanismos de avaliação impostos sem apelo nas empresas e em diferentes ramos da função pública, percebe que estamos noutro universo, onde a auto-organização e a autodisciplina são condições avançadas para mudar as relações de trabalho e para a criação de uma diferente sociedade (mas sem cair nas armadilhas dos ilusionismos autogestionários).
Conheço demasiados professores que andam ou andaram toda a vida pelas escolas em part-time, enquanto se ocupavam de outras actividades a tempo inteiro, para desconfiar desta contestação unitária. Muitos diferentes interesses se foram amalgamando para tentar bloquear a mudança - muitos oportunismos e tacticismos partidários se lhe foram colando para tirar algum proveito da confusão. E poucas vezes um ministro - uma ministra, Maria de Lurdes Rodrigues - teve uma presença pública tão dialogante e uma ambição política tão estruturada, coerente, determinada e convincente. Conviria prestar-lhe todo o apoio enquanto é tempo, para não lamentarmos depois a sua e a nossa derrota. Apesar de o seu discurso político não se alargar para além da sua área de competência, é um dos rostos mais marcantes do Governo e das suas reformas.
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Concordo consigo e parabéns pela coragem
Posted by: C.M. | 11/14/2008 at 22:42
O seu ponto de vista na análise da actual polémica na educação é, no mínimo, curiosa. Então os professores estão descontentes porque o modelo de avaliação não os obriga a nada, não é autoritário!... E os professores não conseguem prosseguir a sua actividade sem serem mandados e controlados! Deveras curioso! Para quem não está inserido na profissão, não convivendo diáriamente com esta legislação e os seus múltiplos despachos que tentam emendar e alterar pontos anteriores, e o que era assim afinal não precisa de ser, o que era fundamental afinal nem é, e incongruências semelhantes, resultando num amontoado de pontos sem nexo (Ou seja, burocracia desnecessária) até poderia fantasiar que isto é tudo falta de um modelo autoritário! Mas o preocupante é que tudo isto revela uma desconcertante irresponsabilidade, até porque a autoridade do modelo está bem presente nas entrelinhas, para lá de constituir a verdadeira marca do discurso oficial dos diálogos (!) da ministra. Um discurso que se defende na pura repetição de chavões numa linguagem de alarmante desejo de afirmação de autoridade (é preciso mudar, é preciso mudança, é preciso um modelo, este é o modelo, este é o modelo de avaliação, o modelo é este, etc.ou seja, é este modelo porque é este o modelo...) Até porque se não fosse essa constante inflexibilidade talvez não se chegasse a esta radicalização de posições. Portanto talvez não seja um problema de (falta) de autoridade.
Seria desejável que quando se opina com tantas certezas se tivesse verdadeiro conhecimento das situações e do que realmente está em causa, onde o modelo de avaliação é apenas o topo do "iceberg" do estatuto da carreira. Utilizar comparações com os sistemas das empresas ou outros organismos administrativos, é não conhecer o que é uma escola, que não é uma empresa e nem os professores anseiam por ocupar cargos directivos ou administrativos de repartições. A função de Todos os professores é antes de tudo leccionar, é isso que dá sentido à sua profissão.
Os alegados "costumes interiorizados", ou os "Muitos diferentes interesses se foram amalgamando para tentar bloquear a mudança - muitos oportunismos e tacticismos partidários" são sempre as razões invocadas para justificar qualquer oposição ou descontentamento, e simultâneamente, para culpabilizar os pretensos (professores) agitadores, que, coitados, são manipulados pela máquina sindical, (mais uma vez, os professores, coitados, não têm vontade nem opinião próprias).
Falar com tanta autoridade daquilo que não é a nossa área pode transformar-se numa mera crónica de forte sabor demagógico.
Toda a gente deve aprender.
Posted by: maria joão | 11/14/2008 at 23:57
Também dá que pensar no estado da educação, e é assustador, quando surgem notícias como a referida no seu post anterior: "O Magalhães em Veneza?"...
Posted by: maria joão | 11/15/2008 at 00:04
Quanto ao Magalhães na Bienal de Veneza, convém explicar que não se trata de uma notícia, mas de uma anedota, uma provocação, uma charada, como lhe quiser chamar. A seu tempo se verá. Mas acho que também não entendeu a nota que comentou.
Espero que haja autoridade no ME e que ela se exerça, o que não quer dizer que o modelo da avaliação possa ser classificado como autoritário. E claro que é preciso fazer comparações com sistemas de outras profissões, porque todas as corporações (professores ou camionistas, por exemplo, para referir outras agressivas vindas para a rua) se atribuem qualidades únicas e direitos excepcionais. Cabe ao Governo a responsabilidade de saber dialogar sem ficar refém de interesses sectoriais. E obrigado pelas oportunidades de esclarecer o que fica obscuro.
Posted by: ap | 11/15/2008 at 00:27
Maria João:
Vá às manifestações todas, ocupe com elas o seu tempo, não faça é mais desenhos por favor!
C.M.
Posted by: C.M. | 11/15/2008 at 01:12
Olhe que eu entendi a mensagem do seu post... O problema é mesmo a autoridade do ME, nas suas diversas manifestações. Discurso, modelo, são faces da mesma moeda. O modelo em si não o é porque não tem qualquer sentido, e não porque "perturba a lógica da corporação e incomoda a estratégia sindical e/ou partidária".As "corporações", agressivas ou não, têm características específicas que devem ser salvaguardadas. Quanto ao Magalhães, já estou mais descansada. Obrigado.
Posted by: maria joão | 11/15/2008 at 01:39
Provavelmente a opinião mais sincera, apartidária e desinteressada que pude ler ao longo destes últimos meses em todo o universo opinativo português.
Nota-se o partidarismo e o interesse de algumas pessoas que pretendem falar por todos os professores quando sempre que se fala de avaliação de professores, há um infeliz comentário em relação ao Magalhães (um dos projectos mais importantes que um governo português teve a felicidade de conceber). Aliás, sempre que se opina sobre a questão dos professores aparece um professor muito chateado para contra-opinar (é da ocupação excessiva), ainda por cima em blogs que muitas vezes falam de assuntos nos quais são, digamos, "leigos" e que representam apenas opiniões independentes.
Não vou dizer o que penso mesmo do assunto mas basta-me referir que se a função do professor é educar, os incidentes com os alunos são uma amostra da educação que toda uma geração de portugueses está a ter. O exemplo vem sempre de cima...
Muito interessante o teu blog de resto Alexandre, ainda bem que cusquei os links da Rosa.
Posted by: menosketiago | 11/15/2008 at 22:46
Caro "C.M.", olhe que até há quem diga o contrário, veja bem ! Parece incrível mas é verdade. Ainda bem que não gostamos todos de amarelo! Não vou alongar o meu comentário a alguém que desconheço, nem é o local adequado,e de quem, portanto, nem tenho motivos para ter a sua opinião em consideração. Os meus cumprimentos.
Posted by: maria joão | 11/16/2008 at 00:28
Compreender o actual modelo de avaliação implica ler o decreto regulamentar. Então se verá que, para além da retórica e das boas intenções nele contidas, se trata de um modelo frágil, tecnicamente deficiente, repleto de contradições, sobre o qual nem os próprios técnicos do ME se entendem. Para quem julgue que a contestação dos professores não passa de uma resistência corporativa, basta que faça uma simulação de alguns dos passos do processo e se coloque a si mesmo no papel de avaliador (ou de avaliado). Certamente quem o fizer compreenderá bem as razões dos professores.
Sou professor avaliador na minha escola, e sou também um dos muitos que deseja a avaliação e acredita que ela é indispensável. No entanto tenho procurado explorar os diversos passos de aplicação do modelo e a cada passo esbarro em aspectos de complexidade desnecessária ou de utilidade duvidosa.
Relativamente às virtudes da adaptação de critérios a cada projecto de escola, estaria de acordo caso fosse possível que em escolas diferentes se garantisse a equidade de resultados para avaliados com níveis de desempenho semelhantes.
Posted by: Roteia. | 11/22/2008 at 02:31
Todos os decretos têm problemas, já se sabe. Mas noto que põe alguma coisa (boas intenções - só?) no prato positivo. E julgo que desde o início se admitiram instâncias de negociação e processos locais para resolver dificuldades - haja boa-fé e participação. Além de resistência corporativa (não só, mas também), temos o muro do aparelhismo sindical (contra tudo, sempre, de recuo em recuo) e pesadas implicações partidárias, desde aquele lider cuja arrogância assassina deixa a milhas tudo o que conhecemos nos anteriores dirigentes PCs (grande líder para levar o partido à sua insignificância futura).
O que pesa para quem está de fora é a aliança de oportunismos e comportamentos medíocres: da oposição política, dos comentadores, dos professores que aceitam tais maiorias. Obrigado pela vontade de dialogar.
Posted by: ap | 11/22/2008 at 09:43
Os sindicatos, refiro-me sobretudo à FENPROF, têm prejudicado o processo. Aceitaram as propostas do ME sem ouvir os professores. Depois, quando viram a contestação e as dúvidas colocadas pela generalidade dos docentes foram a reboque tirar partido do descontentamento. Os sindicatos não têm sido protagonistas desta história de contestação, ainda que dê jeito ao Ministério (politicamente falando) "valorizar" a intervenção contraditória e nefasta dos sindicatos. E os media também lhes atribuíram uma relevância desproporcionada. Infelizmente é este o sindicalismo que temos e é com ele que o ME negoceia.
Mas também é verdade que logo na sequência da publicação do decreto, em Fevereiro, vários orgãos da generalidade escolas (Assembleias de Escola, Conselhos Pedagógicos, Conselhos Executivos, Departamentos Curriculares) manifestaram por escrito ao ME a sua apreensão relativamente a numerosos aspectos do decreto. Nenhuma resposta nos chegou por parte da Ministra ou dos seus Secretários de Estado, nenhuma disponibilidade para ouvir quem está no terreno a tentar cumprir a lei. Se fizéssemos um levantamento das tentativas frustradas para levar por diante o processo de avaliação, talvez a opinião pública tivesse maior consideração pelas posições dos professores. Agora talvez seja tarde demais para que o ME possa remediar os seus erros.
Posted by: Roteia. | 11/23/2008 at 20:40
Tive ontem duas experiências públicas de conversa de surdos: cada discurso para seu lado; a impossibilidade do diálogo, quanto mais de plataforma comum - é um habitual estado de coisas, hoje e aqui. Também não compreendo as suas alegações. Vão ficando de fora questões essenciais: a ideologia da reforma, em geral e desta em particular; as carreiras profissionais em part-time comparativamente bem remuneradas; as trincheiras corporativas e a instrumentalização partidária, com a desvergonha abismal da direita; a excepcionalidade desta avaliação face aos autoritarismos habituais e aos processos sumários nas empresas e no Estado. Diz-me que faltaram respostas práticas do ME, mas nós fomos vendo uma ministra com uma interminável capacidade de explicar, e até de ceder e se auto-criticar (!?) nos debates públicos e entrevistas - foram sempre falando em arrogância. Vimos a instrumentalização de alegações sobre a burocracia dos processos de avaliação quando a guerra era/é? contra as quotas e o estatuto, depois de outras guerras perdidas - e também é uma guerra insidiosa da direita ultraliberal contra a escola pública; vimos actuações grosseiras de manifestantes nas ruas, que julgávamos docentes e decentes. A opinião pública foi, de facto, perdendo a consideração pelas posições dos professores (aceitando o perigo dessa generalização abstractizante que está na origem de todos bloqueios) - e a opinião publicada já foi mudando de orientação. Não espero uma paz podre, porque tenho uma grande admiração pela dedicação e determinação política de M.L.R.
Posted by: ap | 11/23/2008 at 23:01
Boa tarde e parabéns pelo blog, que acabo de conhecer. Concordo com a sua opinião. embora não conheça o modelo de avaliação dos professores, parece-me muito acertado tudo o que disse. para terminar, acreditarei completamente neste "movimentos unitários" quando as suas precoupações se centrarem nos alunos.
Posted by: popelina | 11/25/2008 at 14:18