"Tema: “Virtudes e limites do pós-colonialismo na arte contemporânea”
"Síntese: O pós-colonialismo tem vindo a construir-se como um dos eixos fundamentais em torno do qual se têm forjado discursos teóricos e práticas artísticas na contemporaneidade. Nas artes visuais, é indiscutível o papel que desempenhou, por exemplo, no desvelar de agendas ideológicas e na redescoberta e valorização de artistas não ocidentais. Assiste-se no entanto, hoje em dia, a uma certa cristalização do conceito, rapidamente apropriado pelo discurso politicamente correcto, e a uma consagração institucional que podem constituir entraves à independência da criatividade artística e ao próprio potencial crítico desta tradição intelectual. A presente mesa–redonda terá como objectivo proceder a uma reflexão e uma avaliação critica do pós-colonialismo na arte contemporânea. "
Passei a ter alergia as estes temas "pós", mas vi-me envolvido num colóquio com esse estranho título - obrigado.
Dois pontos positivos a assinalar no meio da trapalhada: a referência ao discurso politicamente correcto (a cartilha dos marxismos escolásticos?) e à consagração institucional - mas é um agente institucional que assim desarma a crítica dessa mesma consagração? Já os dircursos teóricos e as práticas artísticas que se forjam em torno de um eixo fundamental deixam uma dúvida irresolúvel sobre a natureza de um tal eixo - lembram-me as nuvens de açucar à volta do pauzinho.
O pós-colonialimo é uma "tradição intelectual"? Ou uma moda (que ainda nem vem na enciclopedia Universalis), uma burocracia escolar, um saber e poder académico? De qualquer modo, o pós-colonialismo - ou antes os "postcolonial studies", como dizem os franceses em inglês, distinguindo a história e o discurso ideológico sobre a história - é uma especialização curricular que degenerou e se tornou em mais uma manobra de intimidação, mais um instrumento de dominação das antigas metrópoles sobre os antigos territórios colonizados - aliás, não das antigas metrópoles mas em especial da actual sede imperial (anglófona) e que se exerce tanto sobre as ex-colónias como sobre as ex-metrópoles - nós, por exemplo.
É uma rede de poderes institucionais (uma rede burocrática e universitária) estruturada sobre um domínio auto-regulado de investigação transdisciplinar, o qual modela com o seu calão de iniciados as estruturas profissionais e políticas de mediação entre representações culturais, e administra as estruturas de produção e mediação cultural e artística. É um "filtro" que estabelece a cooptação de alguns dizeres regionais e/ou mestiços pelo espaço gestionário do imperialismo cultural.
Seria ocioso coloquiar sobre o que é arte contemporânea, o que é poscolonialismo, o que seriam as suas virtudes e os limites.
Mas talvez se possa interrogar o que é a persistente recusa do outro no tecido cultural português - o outro enquanto diferente e enquanto distante, no espaço e no tempo. A ausência da África, do passado colonial, do seu presente internacional (depois das independências). (Quanto ao brasileiro, ele não é visto como outro, mas como um mesmo mais ou menos desfocado, caricaturado ou mitificado.) Entretanto, as teorias poscoloniais servem elas mesmas, com o seu dialecto especializado e autoritário, para tornar mais espesso o véu que mantém a recusa do outro. São elas e o politicamente correcto que, por exemplo, impedem o Museu de Etnologia de existir no presente - e todas as colecções aparentadas de se abrirem ao público: outra via para esconder o outro. (Como eu gostei da Colecção Etnográfica do Museu Nacional da Dinamarca, o NationalMuseet.)
Talvez se possa interrogar, falando de arte contemporânea, sucessivos processos esboçados e interrompidos: a colecção da CGD e a abertura da programação da Culturgest a culturas extra-europeias; o projecto da Arte Lisboa de 2004; o programa Artafrica (2001-2004, Gulbenkian/Fac. de Letras, 2006...); a itinerância da exposição Réplica e Rebeldia; o projecto transgovernamental Africa.Cont ("Como te disse o Africa.Cont vai engolir tudo", escreveu-me a 12 de Junho um assessor.)
E além da paralisia corporativa do Museu de Etnologia haveria que lembrar os projectos "neo-coloniais" de um Museu dos Descobrimentos, o Museu do Mar e da Língua (no antigo MAP, da Exp. do Mundo Português), o falado "Museu do Multiculturalismo" (na Estação do Rossio, uma facilidade jornalística), a ideia de instalar o Africa.Cont no Pavilhão de Portugal, etc
Mais um EXCELENTE artigo.
E essa recusa do outro – quer sob a forma de um olhar desfocado (uma espécie de extensão ou um esgar etnocêntrico), quer na recusa da presença e do reconhecimento, quer talvez, na incapacidade de o identificar, não tem a ver com a pequenez e os limites da reflexão neste cantinho do Atlântico (valha-nos isso, o Atlântico)?.
Posted by: popelina | 11/28/2008 at 13:54
Cara Popelina
A recusa do outro tem um nome chama-se racismo, não pequenez, nem limites de reflexão.
Às vezes é preciso chamar os nomes às coisas....
Posted by: o outro | 02/07/2010 at 05:18