As duas imagens usadas nos jornais para ilustrar as notícias sobre a criação do África.Cont, 1º no Público de dia 29 (uma "caixa" jornalística...) e depois no Diário de Notícias de dia 30 (tomando apenas o Público como fonte) podem ser objecto de reflexão.
1 - Still da Instalação de ISAAC JULIEN, no Público
"WESTERN UNION: Small Boats" | 5 projecções vídeo | Filme 35mm, cor, som surround, 18'| 2007
em exibição no Museu do Chiado até 1 de Fev.
No primeiro caso podemos considerar que em vez de encerrar a arte africana contemporânea num espaço próprio (um ghetto?) é preferível que ela circule em igualdade de circunstâncias com objectos de outras proveniências, nos mesmos lugares, centros ou museus.
É isso que sucede quando o Museu do Chiado exibe uma vídeo-instalação que tem por tema a emigração clandestina de origem africana. Isaac Julien nasceu em Londres em 1960 e é negro, o que se vê pela foto mas não é referido na biografia oficial, onde também não consta a origem (remota?) africana - "Julien's work examines themes of sexuality, beauty, identity and race. In particular he has encompassed issues of masculinity and homosexuality in relation to black male identity" (Tate, Turner Prize).
Aliás, o Publico ter-se-á enganado ao usar uma imagem de Isaac Julien, que não é um artista africano, nem mesmo da diáspora africana. É um artista britânico, ponto. Se se quiser, um artista preto e gay (Wikipedia: "Thematically, much of his work directly relates to experiences of black and gay identity (he is himself gay), including issues of class, sexuality, and artistic and cultural history"), mas isso não justificará que a sua obra venha a ser segregada num centro de arte de cariz específico.
MAS HÁ COMENTÁRIOS A FAZER: - como se ganha (O PÚBLICO) um exclusivo jornalístico (caixa) e/ou como ele é tratado: deixando de fora as circunstâncias processuais e festejando o assunto de modo leviano (1ª e última página)
No segundo caso, trata-se de um pintor de Moçambique, país onde nasceu e que representa como artista oficial. Sobre a obra de Malangatana, descoberto e incentivado por artistas portugueses durante o período colonial (Pancho Guedes, António Quadros, etc), construiu-se a defesa de um estilo moçambicano de pintura, com larga mas menor descendência. É um dos mais importantes e mais reconhecidos artistas africanos, mas não é certo que seja considerado um artista contemporâneo, ou que a sua obra seja considerada arte contemporânea.
Como se sabe, não é uma questão de cronologia mas de integração num sistema classificativo e de legitimação crítica - mais prosaicamente, de se ser ou não comercializado por galerias etiquetadas como de arte contemporânea. O que é ou não arte contemporânea depende de um sistema de cooptação, que em relação a África é marcadamente selectivo e muito polémico. A oposição pode ser polarizada por exposições recentes como "Looking Both Ways - Art of the Contemporary African Diaspora", com artistas das diásporas africanas formados em escolas ocidentais (trazida à Gulbenkian em 2004, por intermédio de José António B. Fernandes Dias), e "100 % Africa", que apresentou obras da colecção de Jean Pigozzi no Guggenheim-Bilbau, em 2006 - ver http://alexandrepomar.typepad.com. Esta 2ª exposição é muito mais interessante, mas é politicamente incorrecta, logo desde o título.
O DN ter-se-á enganado ao ilustrar a notícia do centro de arte africana contemporânea com uma obra de Malangatana.
E Sócrates e Costa não imaginam o vespeiro em se metem.
É verdade que o conceito e quem define o que é arte contemporânea em África é polémico mas não o será relativamente a outros continentes Ásia, Australia ou mesmo a todos eles?
Não penso que será por isso que devemos negar ao público a possibilidade de um olhar sobre estas obras sejam elas europeias, americanas, autralianas, africanas ou com um origem no continente asiático.
Quanto á questão que coloca relativa ao Isaac Julien é importante mas não deixa de ser revelador do que em Portugal se considera: que qualquer cidadão de raça negra não é considerado português, penso que daí a escolha deste artista. O que levanta questões importantes se em Portugal todos os que não são de raça branca são considerados africanos então provavelmente essa identidade fará parte deles, a nossa identidade é formada também pela maneira como somos olhados.
Mas para mim mais importante é deixar a pergunta: porque é que havendo vários artistas de raça negra e com origem e antepassados africanos, estes não têm representavidade a nível do Ministério da Cultura nem das instituições oficiais portuguesas, sendo eles portugueses?
É que no caso do Reino Unido existem vários artistas tal como Isaac Julien que têm apoio do Estado britânico e o representam, como se explica que isso não aconteça com os artistas portugueses de raça negra ( e suas variações cromáticas inventadas pela colonização) portugueses? Como explicar a sua falta de visibilidade no contexto das artes portuguesas? Serão os artistas negros portugueses todos muito pouco talentosos, será todos o seu trabalho de má qualidade?
Fica a pergunta.
Posted by: Artista black invísivel | 08/06/2009 at 00:10