Alguns equívocos do África.cont - parte VII
Lamento considerar necessário colocar reservas de ordem política à acção na área cultural
de um governo e de um câmara com que me identifico e, nesta oportunidade, porque nem tudo corre mal, quero expressar a solidariedade e admiração que me merece
a intervenção governativa da ministra da educação
I - "Africa Cont" - 29 Nov.
II - "Ruinas" - 30 Nov.
III - "A África pode esperar" - 30
IV - "Quais Áfricas?" - 30
V - "A agenda África.Cont" - 1 Dez.
VI - "Back to Africa" - 3 Dez.
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"Artes: Governo vai criar centro de arte africana contemporânea em Lisboa que deverá abrir em 2012
Lisboa, 03 Dez (Lusa) - O Centro de Arte Africana Contemporânea África.cont, considerado um projecto de prioridade nacional pelo Governo, deverá abrir em 2012, em Lisboa, como um espaço multidisciplinar onde serão apresentadas várias formas de expressão cultural africana.
De acordo com José António Fernandes Dias, especialista em arte africana contemporânea convidado a criar o África.cont, o projecto deverá ser apresentado terça-feira, dia 09 de Dezembro, num jantar organizado pelo Governo, no Pavilhão de Portugal do Parque das Nações.
O primeiro-ministro, José Sócrates, "definiu este projecto como prioridade nacional por estar ligado a uma vontade política de deslocar as relações de diplomacia a outros países africanos que não apenas os PALOP" (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), explicou o responsável à Agência Lusa.
Nesse jantar estará não só o primeiro-ministro, mas também os ministros que tutelam as pastas envolvidas, nomeadamente os Negócios Estrangeiros, Cultura e Economia, além do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, embaixadores africanos e empresários, tendo ainda sido convidado o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan.
Ainda segundo Fernandes Dias, professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e consultor da Fundação Calouste Gulbenkian, "este centro será um dos instrumentos do alargamento das relações de Portugal com os países africanos".
Como o África.Cont não tem sede oficial prevista para antes de 2012, a coisa não tem importância e morrerá pelo caminho, e depressa (lembremo-nos do Museu Mar da Língua e do Hermitage, exemplos mais recentes - o que pensa disto o actual ministro da Cultura?).
Existe no entanto o risco bem real (e que já se pôde comprovar antes dos respectivos anúncios públicos - "Como te disse o Africa.Cont vai engolir tudo", escrevia-me a 12 de Junho um assessor) de que um tal projecto de centralização em Lisboa de uma representação artística africana contemporânea de elegante fachada pós-colonial absorva recursos substanciais que deveriam estar disponíveis, mais eficazmente, para acções concretas de cooperação, apoios a projectos em curso e respostas a necessidades localizadas, especialmente em direcção aos países lusófonos de África e à projecção internacional conjunta dessa possível dinâmica bilateral, bem como, associadamente, às comunidades estrangeiras residentes em Portugal.
Para entender o que está em jogo no projecto África.cont há que seguir várias pistas de diferente natureza. Através da tremida maioria lisboeta, da desorientação interna da Gulbenkian, dos interesses de e em Angola, do peso da construção civil, etc.
No que diz respeito à CML ter-se-á de observar o acordo de cooperação com os chamados Cidadãos por Lisboa, e como ele maneatou vereadoras que, se tivessem as mãos livres, viriam apelar ao habitual debate público dissuasor (prefiro os debates especializados). (Ver mais adiante)
Entretanto, a Fundação Gulbenkian aparece envolvida muito directamente através da administradora Teresa Gouveia (e do director do Serviço de Belas Artes, Manuel Costa Cabral), a partir do seu consultor José António Braga Fernandes Dias, que é também o autor do projecto África.Cont. Existe a possibilidade de este consultor - responsável pelo anterior programa Artafrica lançado pela Fundação em 2001 e depois transferido para a Faculdade de Letras de Lisboa (!), como uma mera base de dados depois de tanto terem passeado - esse consultor, dizia, ter sido o aconselhador único do seu próprio projecto, já que outro consultor e programador especializado na mesma área das relações interculturais, o anterior responsável pelo programa "O Estado do Mundo", em 2007, António Pinto Ribeiro, tornou conhecida uma posição desfavorável àquele projecto.
É através da Gulbenkian que deve começar a seguir-se a pista angolana. Espanta-me, de facto, que Angola, no que diz respeito a artes contemporâneas, venha a estar interessada em Lisboa depois de já ter chegado a Veneza ( http://www.luandapopfilm.com/index.cfm?id=1 ), mas para além do cheiro do petróleo, e dos sacos de petrodolares, existem ambições várias em Lisboa e interesses da construção civil. Parte do investimento neste sector está, como se sabe, na mão de angolanos e, mais concretamente, é fácil seguir alguns links entre "curadores", coleccionadores e empreiteiros. Nomeadamente entre a filha do Presidente (casada com Sindika Dokolo, o grande coleccionador ou investidor em arte) e Américo Amorim. O certo é que o acordo da Gulbenkian a respeito do África.Cont (uma empenhada e decisiva luz verde quanto ao projecto e a oferta do anteprojecto arquitectónico (aliás estudo prévio de viabilidade) feito por uma vedeta de origem africana) foi negociado lá dentro muito confidencialmente e mereceu grandes reservas de outros administradores.
Quanto ao sapo engolido pelas Cidadãs por Lisboa, comece-se pelo acordo que lhes deu entrada na maioria pessoal do Presidente António Costa:
"...9 de Setembro de 2008, foi assinado um acordo de cooperação entre o Presidente da CML e as Vereadoras da lista "Cidadãos por Lisboa". Nos termos deste acordo, Helena Roseta e Manuela Júdice aceitaram coordenar os seguintes projectos novos: o Programa Local de Habitação e o projecto "Lisboa encruzilhada de mundos". Este acordo não altera a maioria política do executivo, dado que os vereadores CPL mantêm total autonomia de voto. Os vereadores que não estão a tempo inteiro não recebem remuneração mensal, mas têm direito a uma senha de presença por cada reunião a que assistem e ao apoio de um gabinete, cujo limite de membros e vencimentos foi fixado por deliberação municipal. (...)"
Foi no quadro deste projecto "Lisboa encruzilhada de mundos" que apareceu depois imposto ou incluído... o África.Cont.
PROPOSTA 915/2008 - LISBOA ENCRUZILHADA DE MUNDOS
Apresentada: 30 de Setembro de 2008
Agendada: 61ª reunião, 22 de Outubro de 2008
Debatida e votada: Resultado da votação: Aprovada por maioria com 9 votos a favor (6PS, 2CPL e 1BE) 3 contra (3LCC) e 5 abstenções (3PSD e 2PCP)
Tenho a honra de propor que a Câmara delibere, o seguinte plano de trabalho, e aprove:
- Realização de três eventos culturais, um na área das Artes Plásticas, concretamente na Fotografia, outro na área da animação de rua e um terceiro transversal a várias artes. Estas manifestações seriam a realizar com o concurso dos serviços e empresas municipais competentes nas respectivas áreas. (...) Para além destes três eventos, prevê-se o lançamento do projecto de criação de um centro de cultura e arte africanas AFRICA.CONT. a realizar de parceria com outras entidades públicas e/ou privadas." Mas no final da própria proposta acrescentava-se: "O projecto AFRICA.CONT teria de ser realizado com recursos a angariar."
Na altura do acordo de 9 de Sertembro já ia de vento em popa a negociata África.Cont e o muito independente Sá Fernandes procurara um qualquer palácio para substituir o Pavilhão de Portugal, que tinha sido o primeiro local considerado (e depois o Palácio de Santa Catarina que fora destinado ao Mude...). Entretanto encontrou as ruínas das Tercenas que vão adiar quase tudo para 2012 (?).
Ver, aqui mesmo:
"Pós ou poeiras-oficiais (coloniais)" - preâmbulo, 22 Nov.
I - "Africa Cont" - 29 Nov.
II - "Ruínas" - 30 Nov.
III - "A África pode esperar" - 30
IV - "Quais Áfricas" - 30
V - "A agenda África.Cont" - 1 Dez.
VI - "Back to Africa" - 3 Dez.
Epígrafe estranha a deste post.
Retocar e retalhar agora um modelo de avaliação.
Estar disposta a substituí-lo já para o ano.
O que há aqui que cause a menor admiração?
A irresponsabilidade merece solidariedade?
Como é que se retalha e admite deitar fora uma coisa que é boa?
Eu não percebo, mas não quero polemizar sobre o assunto.
C. Vidal
Posted by: Carlos Vidal | 12/04/2008 at 18:20
Primeiro, tratou-se de afirmar um lugar político a partir do qual expresso opiniões políticas e de recusar que a crítica se confunda com a chicana politiqueira que preenche os telejornais. Segundo, não entendo o que quer dizer - censura uma posição dialogante e sempre aberta a negociações com princípios? defende o modelo na sua versão primeira? Não importa, não vale a pena polemizar aqui sobre o assunto. Terceiro: esbarrou na epígrafe?
Posted by: Alexandre Pomar | 12/04/2008 at 19:27
Caro Pomar
Com toda a consideração,
vamos a um breve comentário sobre a Ministra da Educação.
Creio sinceramente que aqui o populismo não é bom conselheiro. Não se pode acicatar o desdém sobre uma profissão para depois tentar-se reformar as modalidades em que ela se exerce. Eu presenciei, desde que esta ministra foi para o cargo, palavras inacreditáveis ditas sobre professores vindas de pessoas, algumas amigas minhas, que eu não esperava ouvir. Pessoas estimuladas pelo discurso em voga no governo.
Não me eram dirigidas tais palavras, porque onde lecciono o sistema de avaliação é apertadíssimo, e, além disso, as propostas de Maria de Lurdes Rodrigues não me dizem respeito.
Não se fazem reformas tentando primeiro uma adesão fácil das massas. É uma estratégia, mas é inviável. Porque supõe fazer reformas sobre humilhados. E isso é impossível. As pessoas, todas as pessoas têm integridade.
Portanto, o processo está inquinado desde o princípio. Dizia há pouco Adriano Moreira que há uma quebra de confiança irrecuperável entre as partes. Certo. Correctíssimo. Com a falta de educação e de respeito desta ministra não haverá qualquer reforma no ensino.
De resto, como o processo estava assente numa sentida humilhação, como sabe, qualquer que fosse o modelo de avaliação seria rejeitado. É sobretudo isto que move os professores, e não apenas a avaliação ou o modelo. Mas há algo aqui que é inconfessável. Ninguém o diz desta maneira. Mas, queira-se ou não, é desta maneira que as coisas são sentidas.
Todas as modificações ao modelo são a prova da sua incongruência.
Agora é tarde para Maria de Lurdes Rodrigues.
Quanto ao resto do post, e peço desculpa por o ter passado em claro, concordo inteiramente com a sua análise. Julgo que, como diz noutro post, é algo para esquecer; algo sem fundamento, nem político, nem científico.
Concordo com a sua ideia de uma agência agilizada de apoio a projectos já formulados e em vias de consolidação (exposições, ciclos temáticos, debates, etc).
Apesar de o conhecer bem, também já não suporto o jargão pós-colonial, que me parece uma forma acéfala de neocolonialismo, ou uma promoção de um politicamento correcto como a nova ideologia chique do capitalismo actual.
Cientificamente não prezo os conceitos desta onda, como o calão "hibridização", "negociação cultural", etc.
Creio que é mais interessante pensar-se que há história, realidades e conflitualidades. A arte lida com contradições e conflitos, não com "hibridações" moles e académicas. Além disso, tenho alergia à absolutização da ideia de "identidade".
Com toda a consideração. CV
Posted by: Carlos Vidal | 12/04/2008 at 22:54
Populismo ou adesão fácil das massas, desdém, humilhação... Não falamos da mesma pessoa. Noto também a fuga à análise quer do conteúdo ideológico dos processos de avaliação propostos (democraticamente impostos) quer das trincheiras corporativas de uma "classe" unida em torno da contraditória amálgama de frustrações e privilégios, que tem sido fácil instrumentalizar por quem faz a política do pior - mas a irresponsabilidade das oposições e a sua aliança objectiva vai pagar-se nas urnas e já se paga nas sondagens. A ideia falsa de que se trataria de uma profissão com responsabilidades e direitos especiais (militares, juízes, médicos, jornalistas, camionistas, agricultores, etc, etc, também são todos especiais aos seus próprios olhos) - são preconceitos antidemocráticos. A inaceitável separação entre avaliação e progressão nas carreiras... Também estou a assistir à distância, mas tentei ler e ver todas as entrevistas e debates - admirei sempre a firmeza e a capacidade de explicar e dialogar.
Felizmente estamos de acordo quanto a mais uma obra de fachada e à sua perversa fundamentação neocolonial.
Posted by: Alexandre Pomar | 12/05/2008 at 01:08
A frase "perdi os professores, ganhei a opinião pública" (ela foi dita, não sei se exactamente assim) é uma opção - que a rua adira às minhas medidas; depois, posso aplicá-las.
O problema não é ideológico, nem apenas político (contra interesses instalados, direitos adquiridos, facilitismo na progressão de carreiras...). Poderíamos discutir isto indefinidamente, sem acordo. O problema é o da predominância de uma "ciência" esquisita, a Pedagogia (coisa que o secretário Valter Lemos julga decisiva, pois é a sua especialização), um factor que o meu caro não viu ser o novo politicamente correcto no experimentalismo educativo, a predominância dessa "ciência" sobre o saber. Em circunstância alguma eu aceitaria esse predomínio da "ciência pedagógica" sobre o saber.
Nas Belas-Artes, aquando de uma reforma de cursos, fui dos que me bati (fiz coro com superiores hierárquicos) pelos saberes "inúteis", como os 2 anos 2 de Geometria Descritiva, uma coisa imóvel e "inútil". Por mim, sempre que eu possa fazer alguma coisa, não ganhará espaço o utilitarismo, o pragmatismo, o cientifismo burocrático-avaliativo de Valter Lemos, pelo menos se não o posso impedir que triunfe na minha escola, posso impedir que triunfe na minha casa, ou na minha mesa de trabalho.
Quanto ao pós-colonialismo como "ciência" e domínio de saberes e "cruzamentos", vejo-o até aparentado ao cientifismo pedagógico que acima assinalei. São duas coisas chiques pós-moderneiras (como diz um colega meu) que se vão impondo: o meu caro Pomar rejeita o chique "pós-colonial" (e bem), mas aceita o chique "pedagogico-científico" (mal, na minha opinião). Concordamos numa rejeição, não concordamos na outra rejeição. Eu rejeito o "pós-colonialismo" e a "nova ciência pedagógica" (feita de relatórios e mais relatórios e mais relatórios com muitas reuniões e planificações à mistura). O meu caro critica e bem o primeiro cliché, mas aceita o segundo. Para mim são dois clichés de fachada.
Conversa infinita mas, para já e na minha modesta opinião, proveitosa.
Posted by: Carlos Vidal | 12/05/2008 at 01:49
Terminemos: distingo totalmente o que é a opinião pública a que a ministra se dirige (projecto de razão democrática) e a rua (a que "descem" professores que pouco se reconhecem como tal).
Julgo que a Pedagogia que se propõe agora vem substituir Pedagogias que tiveram curso anterior, mais experimentalistas antes, e com deficientes provas dadas. Agradeço a colaboração
Posted by: Alexandre Pomar | 12/05/2008 at 02:54
Chego atrasado a este debate mas não resisto. Sobre o Africa Cont tem razão o Alexandre, sem dúvida. Já quanto à Ministra da Educação revejo-me nos comentários de Carlos Vidal. Gostaria aliás de acrescentar que, a meu ver, um dos principais problemas do actual estado do ensino básico e secundário em Portugal reside na formação ministrada pelas Escolas Superiores de Educação, que investem nas pedagogias em detrimento da especialização académica-científica, substituindo-se assim às verdadeiras práticas universitárias. Isto faz-me lembrar os conselhos de uma ilustre pedagoga de uma ESE, enviada há anos atrás à minha Escola pelo ME, que advogava que cada professor em todas as aulas devia preencher fichas individuais de avaliação de todos os alunos da turma. E justificava com a necessidade de os professores a qualquer momento poderem defender-se de eventuais queixas ou recursos dos pais dos alunos. Até parece mentira, mas é este tipo de mentalidade "avaliatória", doentia e desnecessariamente complexa, defendida por gente anda há muito desfasada das práticas docentes no terreno, que a Ministra pretende agora fazer passar como necessária para avaliar o desempenho dos professores.
Posted by: Roteia. | 12/24/2008 at 18:02
Obrigado pela intervenção sobre o tema; quanto ao resto, parece-me que "os professores" (estranho colectiva, estranha corporação) ainda não perceberam que se foram tornando algo/muito/demasiado insistentes, sem conseguirem convencer "os outros" de que uma amálgama de queixas e insatisfações é uma justa luta. A certa altura nota-se que está dum lado uma ordem democrática que importa defender e do outro uma "agitação" onde espanta que possa haver causas comuns - não há certamente. Esperemos que entendam que não "os" entendemos, e que já nem "os" ouvimos.
Posted by: Alexandre Pomar | 12/24/2008 at 18:46