Expresso 27/1/2001
"Museu suspenso"
A colecção do Museu do Chiado ficará inacessível durante um ano
No Museu do Chiado encerrou há duas semanas a exposição Man Ray e já se anuncia para 2 de Fevereiro uma nova mostra temporária: «Live in your head. Conceito e experimentação na Grã-Bretanha. 1965-75» (traduzindo-se a primeira parte por «Vive na tua cabeça» ou «Viver na vossa cabeça»). Trata-se de uma revisão, e também reconstituição, de manifestações que se defenderam naqueles anos como renovadoras, apresentada na Whitechapel, instituição pública de Londres.
A mostra ocupará todo o espaço disponível do Museu, pelo que a colecção permanente continuará inacessível. A seguir, anuncia-se «Surrealismo em Portugal, 1934-1952», sob o duplo comissariado de Perfecto E. Quadrado e María Jesús Ávila, numa co-produção com o MEIAC de Badajoz, onde se poderá ver já de 9 de Março a 6 de Maio. Mais uma vez todo o espaço do museu será ocupado, pelo que só em Outubro, ao cabo de um ano de ausência, será remontada a colecção histórica.
Entre finais de Junho e de Setembro de 2000, grande parte das galerias tinham estado ocupadas com a retrospectiva de Vespeira e, antes disso, as mostras Cristino da Silva e «Olhares Modernistas» tinham exigido a desmontagem de todo o panorama cronológico cuja exibição foi atribuída ao Museu do Chiado, herdeiro do antigo e decadente Museu Nacional de Arte Contemporânea, que se reinaugurou por ocasião da capital cultural lisboeta de 1994. A retrospectiva de Joaquim Rodrigo, em 1999-2000, já tinha provocado uma interrupção do funcionamento do museu enquanto tal. Mas então o levantamento da colecção podia ainda ser entendido como um acto de alerta ou de pressão quanto à necessidade de se ampliarem as instalações do Museu do Chiado.
Agora, é ao longo de todo um ano lectivo que está inacessível aos interessados (estudantes, artistas, turistas, etc.) o acervo do único museu nacional que expõe (deveria expor) a arte portuguesa do século XIX, desde o romantismo, até mais de meados do século XX, incluindo a obra de Columbano, com que várias gerações de estudantes mantiveram algum convívio tido por estimulante. Admite-se que as receitas proporcionadas por certas mostras temporárias são compensadoras, mas esse é um argumento pouco credível.
Entretanto, o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, que encerrou em Novembro para expor o século XX brasileiro, não reabrirá antes de Maio. E o Museu Soares dos Reis, no Porto, depois de anos de obras e impasses de readaptação do edifício, só ficará acessível em Julho.
Está em questão saber-se, em Portugal, o que é um museu, para que serve e o que o distingue de uma galeria de exposições temporárias. Também convirá analisar se é credível defender políticas de aquisição intensificadas e aguardar doações de obras e espólios de artistas se a ideia de colecção não é consolidada pela sua acessibilidade permanente (renovável, eventualmente rotativa, etc.). E, se não é essencial mostrar e ampliar a colecção do Chiado, para quê prever a ampliação do edifício?
Entretanto, será oportuno perguntar como se coordenam as actividades dos diferentes organismos e as utilizações dos equipamentos do Estado, sabendo-se que o CCB se construiu para acolher projectos expositivos de várias procedências e que o Ministério possui a Galeria de Pintura do Rei D. Luís, no Palácio da Ajuda. A cooperação e co-produção entre instituições é habitual noutros países, em que os espaços não funcionam como quintas pessoais ou concessões a diferentes clientelas. Por exemplo, o Louvre faz as suas grandes exposições no Grand Palais - salvas as devidas proporções.
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