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Simoneta sai do IPM
Expresso de 22-06-96 1º caderno
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Expresso Actual 12/10/2002
"Mudança em tempo de crise"
Museus vão ter novo director mas menos dinheiro. Raquel Henriques da Silva deixa hoje a direcção do Instituto Português de Museus
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Simoneta sai do IPM
Expresso de 22-06-96 1º caderno
Simoneta Luz
Afonso abandonou esta semana a presidência do Instituto Português de
Museus (IPM) e optou por manter o lugar de comissária do Pavilhão de
Portugal na Expo'98, antecipando-se assim à entrada em vigor, amanhã,
da lei das incompatibilidades. O ministro da Cultura procurou
contrariar a demissão e foram, entretanto, consideradas as
possibilidades de contornar o efeito da lei, mediante o exercício não
remunerado daquele comissariado, como, aliás, já sucedera por ocasião
da Capital Cultural. Mas Simoneta manteve-se inflexível e formalizou a
decisão na terça-feira, precisamente no dia em que fez 50 anos.
Segundo
a presidente do IPM declarou ao EXPRESSO, «a decisão foi difícil, mas
as pessoas têm de ter a coragem de se renovar, têm de assumir projectos
fortes, e o desafio da EXPO'98 é muito interessante». Por outro lado,
acrescentou que «não queria que se torneasse a lei» a seu respeito:
«sou sempre muito cumpridora e não quis ficar a ser uma excepção, que
me deixaria numa posição difícil».
Entretanto, um porta-voz do
Ministério admitiu que o nome do novo responsável pelos museus deverá
vir do interior do próprio Instituto, mas só na próxima terça-feira,
depois de regressar de Cabo Verde, Manuel Maria Carrilho se ocupará da
substituição, que deverá ser rápida. O mesmo informador negou a
existência de conflitos com a gestão do IPM, admitindo apenas
«dificuldades pontuais» no terreno financeiro, devidas ao regime de
duodécimos a que obrigou a aprovação tardia do Orçamento e também ao
«aumento muito ligeiro» das verbas atribuidas aos museus.
Por seu turno, Simoneta Luz Afonso não comenta informações colhidas no IPM sobre repetidos focos de tensão com o Ministério, a propósito de restrições da competência do seu instituto nas áreas da arte contemporânea, da fotografia, da conservação e restauro e do inventário do património móvel, já anunciadas em alguns casos ou só insinuadas. A transferência dos museus de arqueologia do IPM para o futuro instituto do sector, o IPA, também chegou a ser equacionada, embora sem seguimento, e tal orientação viria pôr fortemente em causa o projecto da Rede Nacional de Museus, que constituiu uma das linhas de força da acção da ex-presidente. Entretanto, a instalação da nova sede do IPM em Belém, em paralelo com a transferência do Museu dos Coches, parece ter caído no esquecimento. Por outro lado, as obras recentes de renovação de numerosos museus implicam reforços substanciais dos orçamentos de funcionamento que, não tendo sido contempladas este ano, ameaçam criar situações de estrangulamento financeiro já a curto prazo.
«Não
estou em conflito com ninguém e, aliás, é muito raro ter conflitos,
apesar da fama de ter mau génio» é a resposta formal da ex-responsável
pelos museus, seguida por algumas outras frases igualmente sibilinas —
«a interpretação é livre» ou «eu não quero ser incómoda» —,
distribuidas num discurso mais interessado em sublinhar o seu interesse
pelo «grande desafio» que é o Pavilhão de Portugal: «conceber o
pavilhão é como começar a escrever um livro e era muito complicado
entregar o projecto a outra pessoa».
Quanto à situação do IPM,
Simoneta considera que deixa «o Instituto em velocidade de cruzeiro: as
estruturas dos museus estão montadas, há muita gente a trabalhar, com
experiência de investigar e de fazer exposições, o público habituou-se
a frequentá-los, ganhou-se reconhecimento internacional e conseguiu-se
envolver o tecido social e empresarial nas nossas iniciativas, como
aconteceu durante a recente 'Semana dos Museus'». «Nada está pronto e
há muito que fazer, mas os museus têm capacidade para dar o salto
qualitativo que ainda é necessário», acrescentou.
Nomeada no final de 1991, na sequência do êxito alcançado pelas exposições da Europália, Simoneta encontrou os museus nacionais, até então integrados no antigo IPPC, numa situação de quase paralisia, frequentemente encerrados por greves do pessoal e por interrupção dos fornecimentos de água e luz. Entretanto, o IPM tornou-se nos últimos quatro anos o único domínio cultural tutelado pelo Estado a merecer uma apreciação consensualmente positiva, situação que não terá facilitado a transição para o novo Governo.
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Expresso Actual 12/10/2002
"Mudança em tempo de crise"
Museus vão ter novo director mas menos dinheiro. Raquel Henriques da Silva deixa hoje a direcção do Instituto Português de Museus
Raquel Henriques da Silva considera «gravíssimo» o corte de seis por cento no orçamento de funcionamento dos 29 museus dependentes do Instituto Português de Museus (IPM), previsto no Orçamento de Estado. Diz que se «está a cortar onde não há rigorosamente mais nada para cortar, recuando para níveis de 1998, apesar de se terem ampliado as áreas de vários museus, de aumentarem as despesas de electricidade, comunicações e segurança, das elevações dos escalões salariais por antiguidade.»
Assegura que «os museus não vão encaixar os cortes» e refere-se à penúria orçamental como uma «situação alarmante», uma «catástrofe anunciada», «uma vergonha».
Não são estas, no entanto, as razões que a levam a recusar insistente o convite do ministro da Cultura para permanecer à frente do Instituto. Há mais de um ano que tinha decidido regressar à Universidade Nova e à carreira académica, quase interrompida durante dez anos, desde que em 1992 se dedicou à refundação (e depois direcção) do Museu do Chiado. Permaneceu cinco anos como directora do IPM, onde trabalhou com quatro ministros, e considera encerrado «um ciclo de vida pessoal».
Lamenta a coincidência da sua saída com «a apresentação de um orçamento gravoso» para o IPM, que imporá «uma vida árdua» à equipa seguinte, onde a continuidade das linhas de orientação fica assegurada pela substituição pelo anterior subdirector, Manuel Bairrão Oleiro. Mas lembra que as suas críticas à insuficiência dos orçamentos não são de agora. Já em Julho do ano passado, na reabertura do Museu Soares do Reis, o primeiro-ministro de então não gostou de ouvir uma dura chamada de atenção para as carências dos museus.
Outras oportunidades para alertar a tutela não foram perdidas, como sucedeu no Dia dos Museus, a 18 de Maio, quando se referiu a uma «situação calamitosa» onde há riscos de se «ultrapassarem os limites mínimos de segurança», apesar de prosseguir um intenso esforço de modernização de edifícios e equipamentos, com apoios comunitários. O último Verão passou-o «a travar o fecho dos museus», proposto por quase metade dos directores, face à dificuldade de assegurar os mínimos indispensáveis em matéria de vigilância e à acumulação de facturas por pagar, enviadas para o IPM à espera de um reforço do orçamento para o corrente ano. Absolutamente indispensável, sob pena de paralisação das actividades e do fecho de portas, já a partir de Abril de 2003. Sintomático é o caso há pouco ocorrido com o Museu de Etnologia, encerrado quase dois meses quando o ar condicionado parou pela falta de meios para a assistência atempada.
Raquel H. Silva insiste que «é impossível cortar no orçamento de funcionamento» e diz que «tem de se gastar mais dinheiro para, pura e simplesmente, manter os museus abertos». Mas também diz que a contenção orçamental «não será totalmente impeditiva da acção» e, adoptando uma perspectiva optimista, considera que vai ser necessário (e possível) «fazer uma gestão mais rigorosa» e «aguçar o engenho», à procura de outras fontes de financiamento e de parcerias com outros agentes, autárquicos ou particulares. É preciso, diz, «que os serviços não entrem em depressão».
Entretanto, a diminuição mais importante das verbas do IPM ocorre no PIDDAC, envolvendo o financiamento nacional (menos um milhão de euros, agora 7,8 milhões) e o comunitário (de 16,09 para 9,1 milhões), a que corresponde uma quebra total de cerca de 24%. Para a directora do IPM, trata-se não de um «corte», mas de um abrandamento do investimento devido ao facto de as grandes obras previstas para os museus de Aveiro, Évora e Coimbra só começarem no final de 2003. Quanto a Aveiro, que tem um projecto de remodelação e recuperação patrimonial de Alcino Soutinho, vai ser lançado em Janeiro o concurso para a escolha do empreiteiro. Raul Hestnes Ferreira está a fazer o projecto final para Évora, depois da atribulada fase que envolveu três estudos prévios, pesquisas arqueológicas e difíceis opções quanto à museologização dos vestígios. Para o Machado de Castro, o projecto está a ser terminado por Gonçalo Byrne. «Sem qualquer dúvida, o ano de 2004 será totalmente diferente» quanto aos investimentos, diz Raquel H. Silva.
Em 2003 ficarão concluídas a renovação do Museu Grão Vasco e a última fase da do Museu Abade de Baçal, em Bragança, avançando-se no Museu de D. Diogo de Sousa, de Braga, com a respectiva museografia, enquanto o de Lamego entra em fase de projecto. A situação é pior na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde, já sem fundos comunitários, estão retidos os planos para os museus das Caldas (José Malhoa e Cerâmica) e se encaram apenas acções de requalificação faseada para o Traje. O Museu do Chiado não tem ampliação à vista, um desejado Museu da Música, a construir no Parque do Monteiro-Mor, é ainda uma miragem, mas no caso do Museu de Arqueologia prevê-se o prosseguimento dos projectos já em estudo.
Uma parte essencial da acção de Raquel H. Silva foi dedicado à concretização dos projectos de requalificação de museus, que herdou já anunciados, mas em estado de indefinição ou paralisia. Outra linha de trabalho, mais silenciosa, diz respeito à consolidação do próprio IPM, à revisão da sua lei orgânica e das carreiras da área da museologia, com vista à aprovação de novos quadros de técnicos e funcionários. O desenvolvimento do projecto Matriz (inventário e base de dados informática), a renovação e rejuvenescimento das direcções dos museus, a realização do «Inquérito aos Museus em Portugal», como base para a definição programática da Rede Portuguesa de Museus, são outros aspectos que mereceriam desenvolvimento, se a crise orçamental não fosse agora o centro das atenções. Deixa adiantada a elaboração da Lei-Quadro dos Museus, com inovações destinadas a alterar estruturalmente o mapa museológico do país.
Manuel Bairrão Oleiro entra em funções na segunda-feira e Raquel Henriques da Silva apresenta-se na Universidade Nova. Continuará ligada à área dos museus só no campo do ensino, com um projecto de reformulação do mestrado em Museografia e planos editoriais: uma história dos museus em Portugal e uma colecção de traduções de textos fundamentais sobre museologia.
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