14-05-2006
Quadros de vida
Gustav Rau reuniu um museu onde o gosto pela arte se associa a um profundo humanismo
São Miguel», de Fra Angelico, 1424-25, têmpera sobre madeira (33,5 x 14 cm)
Seis séculos de pintura fazem escala em Lisboa, sumariados em 95 obras reunidas por um filantropo alemão que aplicou a herança na manutenção dum hospital no Congo e na criação dum museu pessoal doado à Unicef. Seis séculos que são percorridos desde Fra Angelico até Bonnard, como refere o título, mas prosseguindo, de facto, até ao mais discreto Giorgio Morandi, a terminar o fio cronológico em data incerta, entre 1945 e 55, por uma exemplar natureza morta com garrafa e dois copos - assim se tornando evidente que o séc. XX mais vanguardista não seduzia o dr. Gustav Rau. Não estão presentes Picasso e Matisse, e outros nomes maiores de diferentes épocas, mas o itinerário do visitante vai percorrer, entre dezenas de «high-lights», um São Domingos em Oração de El Greco, uma Praça de São Marcos de Canaletto, O Mar em Estaque de Cézanne, Mulher com Uma Rosa de Renoir e seis paisagens de Monet, da floresta de Fontainebleau à neve da Noruega, passando por Amesterdão e pelos rochedos de Belle- Île-en-Mer. O acontecimento não tem precedentes entre nós e vai agitar o Museu de Arte Antiga a partir de dia 19, graças ao patrocínio mecenático do banco Millennium bcp.
Por uma vez participamos nas itinerâncias internacionais que movimentam multidões - e neste caso foram mais de 300 mil visitantes em seis meses na estreia parisiense, com que reabriu no ano 2000 o Museu do Luxemburgo, do Senado francês, seguindo-se uma digressão intercontinental por Roterdão, Colónia, Munique, Bérgamo na Itália, Bogotá na Colômbia, Daytona e Portland nos Estados Unidos. São raríssimas, por outro lado, as colecções particulares ainda não depositadas em museus cujas obras se distribuem por um tão alargado horizonte histórico e por uma tal diversidade de origens ou escolas nacionais, sem se restringirem a um ou alguns temas específicos.
A diversidade enciclopédica da Colecção Rau, representada só por pintura, poderia ser uma sucessão aleatória de obras que em muitos casos merecem a designação de obras-primas. Mas existem, ou parecem reconhecer-se pelo folhear do catálogo, algumas linhas de força que identificam a escolha orientada por uma particular coerência de sensibilidade e interesses, ou mesmo por uma apreciação pragmática da arte, na qual a ética, o conhecimento e a estética têm por dimensões comuns a verdade, a beleza e o interesse humano das obras. Mais do que uma ilustração de escolas e estilos históricos, que também é, pode adivinhar-se no olhar deste coleccionador atípico uma relação de proximidade mais emocional que teórica com a arte, entendida esta como necessidade vital e manifestação da vi
- «Retrato de Jovem Mulher», de Bernardini Luini, discípulo de Leonardo Da Vinci, c. 1525, óleo sobre madeira (35 x 27,3 cm) FOTOS COLECÇÃO DR. RAU, COLÓNIA; © PETER SCHÄLCHLI, ZURIQUE / SVO ART, VERSALHES, 2006
É uma pista que pode seguir-se através da presença forte dos realistas influenciados por Caravaggio, desde a poderosa rudeza do jovem Guido Reni em David Decapitando Golias até às ficções moralizadoras dos menos conhecidos Caracciolo, napolitano, e Ter Brugghen, de Utrecht. Esse caminho prossegue com os «pintores da realidade» e retratos de gente do povo, já na sucessão de Rembrandt, como a velha criada Madalena pintada por um desconhecido italiano e a aparente espontaneidade fotográfica de A Cozinheira do holandês Gerard Dou, que parece ter sido a primeira obra adquirida pelo dr. Rau, em 1958.
E é esse mesmo sentido de «regresso à natureza» e proximidade da vida que orienta o grande interesse do coleccionador pelo retrato intimista e verdadeiro, o mais possível à margem das poses de aparato e artifício (mesmo na elegante mundanidade de Nicolas de Largillière). Ou pelas figuras de fantasia em que se insinua o gosto realista da observação dos modelo, e onde está muito presente a impressão de semelhança e de naturalidade que sublinha em francês a expressão «sur le vif» e indicam o «likeness» ou «likelife» ingleses.
A admirável galeria de rostos de várias épocas e lugares começa, à maneira de Leonardo, com o Retrato de Jovem Mulher da autoria do seu discípulo Bernardino Luini, passando-se, a dois séculos de distância, ao muito belo retrato juvenil da própria mulher de Jean-Baptiste Greuze e a uma alegoria de Giandomenico Tiepolo, filho do Giambattista, já pintado com a espontaneidade de observação e a pincelada rápida que será elogiada no século XIX. Continua-se com a subtil modernidade radical de A Argelina de Camille Corot, melancólica leitora interrompida pela meditação contemplativa, depois com o perfeito exemplo do «tipo Renoir» definido pela sua Mulher com Rosa, e logo o Retrato de Jeanne, a filha de Pissarro, em mais um registo de intimidade familiar - e estes prosseguem com a curiosíssima cena doméstica e de estúdio de Félix Vallotton, neste caso com o genro pintor, já de 1900, e por fim com a filha de Van Dongen, num moderado expressionismo.
«Retrato de François-Henri, Duque d’Harcourt», de Jean-Honoré Fragonard, c. 1769 (81,5 x 65 cm), uma das obras preferidas de Gustav Rau
Além do retrato que envolve a proximidade familiar dos modelos, com a sua particular afectividade, destacam-se pela expressão de uma sensibilidade que nunca é sentimentalista as figuras das crianças (em especial o realismo grave e sonhador da menina inglesa de Joshua Reynolds), as maternidades da norte-americana Mary Cassatt e do já simbolista Maurice Denis, as obras de mulheres pintoras: a criança de Judith Leyder (discípula de Frans Hals), a bela Alegoria da Música de Elisabetta Sirani (Bolonha, século XVII), o retrato de Elisabeth-Louise Vigée-Le Brun (século XVIII), até às meninas e cães de Marie Laurencin, já de 1940.
É uma galeria impressionante que tem paralelo na sequência das figuras masculinas, onde a idealização dos personagens ou a afirmação do seu poder é sempre menos presente do que a solidez vivida e a densidade física dos corpos retratados. Entre eles destacam-se a franqueza psicológica do dr. Boüin pintado por Philippe de Champaigne, a imanência muito humana do rosto do velho São Jerónimo de Ribera, tal como a da figura rotunda do burguês desconhecido de Gerard Ter Borch, a firmeza realista de Anton Graff, a vitalidade da atitude do modelo e a vivacidade da pincelada de Fragonard, no que parece ter sido o quadro preferido do dr. Rau.
E por aí se chegará ao início do século XX e aos casos muito particulares de dois auto-retratos contemporâneos, o precioso pastel de Edgar Degas, observando-se a envelhecer e como que antecipando a cegueira próxima, e o de Edouard Vuillard, onde o olhar penetrante é situado num espaço abstracto e vibrante de pintura. Por sinal, também eram ambos, à época, interessados fotógrafos.
«Retrato de Jovem Mulher», de Jean-Baptiste Greuze, 1760 (47 x 38,9 cm)
Na montagem a praticar no Museu de Arte Antiga, não se segue a ordenação por escolas nacionais usada no catálogo (acompanhada por bem informadas fichas de cada obra), optando-se por uma sequência de base cronológica e por núcleos dedicados ao retrato e à paisagem, os géneros esmagadoramente presentes na colecção.
Em duas alas paralelas, de dimensões desiguais, ver-se-á mais folgadamente o período até finais do século XVIII, e o regresso faz-se por uma notável concentração de obras do século XIX e inícios do XX, com um fortíssimo conjunto de impressionistas, seus antecessores e alguns movimentos e figuras de afirmação posterior (simbolistas e «nabis», «fauves» e expressionistas). À entrada organiza-se um núcleo de tema religioso, começando com os fundos de ouro da tradição gótica, duas pequenas tábuas de altar pintadas por Fra Angelico, um Tríptico da Virgem de Taddeo di Bartolo, pintor de Siena, uma Pieta de Vittore Crivelli (irmão de Carlo), uma tardia Santa Verónica de Bruxelas, a miniatural Judite de Lucas Cranach o Velho e El Greco.
Mais adiante a paisagem dos séculos XVII e XVIII tem um espaço amplo, com a tempestade quase monócroma de Jan van Goyen, Ruysdael, o Brasil de Frans Post (Olinda, 1662), Canaletto e uma também luminosa vista de Bellotto da laguna veneziana, uma sequência francesa com a amável pastoral de Boucher, até ao sublime romântico das Cascatas de Tivoli de Von Rhoden, já do século XIX. Uma pintura e um destino turístico de que se pode encontrar um interessante contraponto na muito pequena Praia de Trouville de Eugène Boudin (1868), com os seus veraneantes frente ao mar, já numa observação da vida moderna e das sensações de cor e luz diante do motivo que é muito pré-impressionista.
«São Domingos em Oração», de El Greco, numa versão de 1600-1614 (75 x 58 cm)
O fascinante Corot já referido e uma voluptuosa Bacante de Courbet, que pertenceu à colecção especializada de Alexandre Dumas, fazem também parte da aproximação à «revolução impressionista», que é por si mesma uma exposição dentro da exposição. Com Frédéric Bazille e um grande nu masculino de 1868, transferido do ateliê académico para a natureza, com os seis Monet de diferentes épocas, os quatro Pissarro (destaque para a Vista do Eremitério, Pontoise, sólida paisagem de 1867, dum pré-impressionismo relacionável com a complexidade construtiva do Cézanne único, de 1876), os três Sisley, os Telhados com Neve de Caillebotte, etc., etc.
E logo o pontilhismo de Signac, de gosto simbolista, em O Mar. Saint-Briac, 1890; o original luminismo do Terraço Florido do valenciano Joaquín Sorolla, de 1902; o exemplar núcleo «fauve» com Vlamink, Dufy, Derain e Marquet; as especulações espaciais de Bonnard ampliando harmonias da cor e a sensualidade do olhar.
Paul Cézanne, «O Mar em Estaque», 1876
Félix Valloton, «Max Rodrigues-Henriques no Atelier do Seu Sogro», 1900
Camille Pissarro, «Retrato de Jeanne», a filha do pintor, 1898
Édouard Vuillard, «Auto-retrato», 1906
Uma das seis obras expostas de Claude Monet, «As Pirâmides de Port-Coton. Belle-Île-en-Mer», 1886
Odilon Redon, «O Carro de Apolo», c. 1914. O núcleo de pinturas dos impressionistas é um dos mais importantes conjuntos da colecção de Gustav Rau e prolonga-se com a presença de alguns artistas ligados a movimentos posteriores, como os simbolistas (Redon), os «Nabis» (Valloton e Vuillard), os «Fauves» e os expressionistas
Grandes Mestres da Pintura. De Fra Angelico a Bonnard. Colecção Rau / Museu Nacional de Arte Antiga, de dia 19 até 17 de Setembro
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2 - "O bom doutor"
Gustav Rau já tinha mais de 40 anos quando decidiu mudar de vida e trocou pela medicina e a acção humanitária em África o império industrial da família - fábricas de componentes de automóvel para a Mercedes-Benz e de têxteis que herdou do pai, as sopas Maggi vindas de um tio. Ao mesmo tempo, juntando também desígnios filantrópicos à paixão pela arte, dedicou-se a reunir uma das últimas grandes colecções privadas não orientadas para uma só área ou período de tempo. Estava-se no início dos anos 70.
Filho único e celibatário sem descendência, o doutor Rau construiu um hospital pediátrico num interior longínquo do antigo Congo belga e dirigiu-o durante mais de uma década, chegando a distribuir gratuitamente medicamentos e alimentação a mais de 8.000 crianças por dia. Regressou à Europa em meados dos anos 90, abalado por graves problemas de saúde e pela crise do vizinho Ruanda. Poucos meses antes de morrer (em Janeiro de 2002) doou a colecção de arte à Unicef, ao cabo de dois anos de batalhas jurídicas internacionais para defender o seu poder de decisão sobre as fundações humanitárias que criara.
Nascido em 1922, em Stuttgart, numa família de ricos industriais, Rau começou por estudar ciências económicas, mas interrompeu o curso em 1942 para ingressar no exército alemão. Conseguiu ficar em funções administrativas e de intérprete, num posto muito subalterno, e entregou-se aos ingleses em 1944. Libertado em 1947, retomou os estudos e começou a trabalhar nas empresas do pai.
A gestão industrial nunca lhe agradou. Resolveu então tornar-se médico e concluiu o novo curso em Munique, em 1969, já com 47 anos, seguindo ainda especializações em medicina tropical, pediatria e ginecologia. Após a morte do pai, logo um ano depois, vendeu todas as empresas por 400 milhões de marcos (110 milhões de dólares, à época) e instituiu duas fundações de direito suíço com o seu nome, uma médico e outra de arte. Partiu para a Nigéria e acabou por se fixar no Congo (que era já o corrupto e empobrecido Zaire de Mobutu), onde se dedicou a construir a partir de 1977 um hospital pediátrico, em Ciriri, perto de Bukavu, na fronteira do Ruanda, inaugurado em 1983.
Várias vezes por ano, o dr. Rau deixava a vida espartana que seguia em África, viajando até às capitais europeias, a Londres em especial, para fazer compras nos grandes leilões da Sotheby’s e da Christie’s (preferia as vendas públicas às galerias, depois de ter sofrido alguns revezes). Para as aquisições, guiava-se exclusivamente pelo gosto pessoal, perseguindo obras por que se apaixonava à primeira vista, com uma preferência marcada pelo retrato. Era um comprador discreto, que cedia anonimamente as obras para exposições, fugindo da projecção pública e dos meios mundanos. Quando morreu foi considerado o segundo maior coleccionador privado depois do barão Thyssen-Bornemisza, deixando um acervo então avaliado muito por baixo em 600 milhões de dólares.
Nos anos 80 tinha decidido instalar a colecção em Marselha, onde chegou a construir um museu, mas decidiu abandonar o projecto em 1992 quando o êxodo dos refugiados ruandeses exigiu maior concentração de meios financeiros na assistência humanitária. Oferecido à cidade, o edifício acolhe agora o Museu de Arte Contemporânea local. O acervo permanecia ainda totalmente ignorado, embora o seu catálogo exaustivo começasse então a ser preparado sob a direcção de Michel Laclotte, antigo director do Louvre.
Sediada no cantão de Zurique, em caixas-fortes da zona franca de Embrach, a colecção - que no final somava perto de 800 obras de arte (423 pinturas, 238 esculturas, 91 outras peças) - fora destinada em 1986 a uma nova Fundação de ajuda ao Terceiro Mundo, criada com o seu nome. Mas os últimos anos de vida do dr. Rau foram amargurados por conflitos com colaboradores, ao mesmo tempo que o hábito da automedicação lhe terá provocado comportamentos públicos suspeitos de desequilíbrio mental, o que deu origem a conflitos legais no Mónaco, onde vivia, e posteriores batalhas jurídicas na Suíça, Liechtenstein e Alemanha.
Em 1999, as autoridades federais suíças consideraram-no mentalmente incapaz de gerir os seus bens, mas a sentença veio a ser contrariada no ano seguinte por um tribunal de Baden-Baden, na Alemanha, que teve primazia no plano do direito internacional. A sorte da colecção atribuída em Setembro de 2001 à Unicef terá chegado a pôr em causa, por pressão alemã, as relações da Suíça com a União Europeia, e várias pistas nebulosas nunca foram totalmente esclarecidas. Entretanto, uma selecção de pouco mais de obras tinha já saído da Suíça para uma digressão no Japão, e não regressou. Seguiu-se a sua apresentação no Museu do Luxemburgo, pertencente ao Senado francês, e o início da itinerância mundial, cujos rendimentos são canalizados para fins humanitários.
Durante 25 anos, o acervo deverá ficar sediado naquele Museu de Paris, e começará depois a ser lentamente dispersado para angariação de fundos, cumprindo-se assim as últimas disposições filantrópicas do dr. Rau.
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1 - A : 07-01-2006, notícia prévia
"De Fra Angelico a Bonnard"
O Museu de Arte Antiga vai expor em Maio 95 pinturas da Colecção Rau
foto: «Janela Aberta em Uriage» (1918), de Pierre Bonnard, obras emblemáticas da colecção reunida pelo dr. Gustav Rau e doada à Unicef
O Museu Nacional de Arte Antiga vai apresentar a partir de 18 de Maio uma excepcional colecção privada de pintura internacional, que, depois de ter sido vista em Paris no ano 2000, no Museu du Luxembourg, tem vindo a efectuar uma larga digressão mundial. Intitulada «Grandes Mestres da Pintura Europeia: de Fra Angélico a Bonnard», a mostra da Colecção Rau inclui-se já no âmbito da programação tornada possível pelo apoio mecenático concedido ao MNAA pelo banco Millennium bcp, que ascende a 500 mil euros anuais até 2008. Das 95 obras da exposição, perto de metade distribui-se num arco cronológico que vai do Renascimento ao século XVIII, organizado por grandes escolas nacionais. As restantes incluem todos os nomes principais do impressionismo e ilustram outros movimentos do fim do século XIX e inícios do século XX, como o simbolismo e o fauvismo.
Para além de ser um pequeno museu assumidamente ecléctico, onde as obras-primas inquestionáveis são acompanhadas por muitas peças raras e de grande qualidade de artistas menos conhecidos, o acervo é marcado pelo gosto pessoal do coleccionador, no qual se poderá reconhecer o sentido humanista que imprimiu à sua vida. Gustav Rau, nascido em Estugarda em 1922 e falecido em 2002, começou por se ocupar das indústrias de componentes de automóveis que fizeram a fortuna da família. Já passados os 40 anos mudou de vida, formou-se em medicina (1967), vendeu as empresas que herdou e criou uma fundação dedicada a causas humanitárias, fundando em 1977 um hospital pediátrico no Zaire (República Democrática do Congo) que dirigiu por mais de vinte anos. Também pelo final dos anos 60 começou a reunir a colecção de arte, continuando a fazer por ano três viagens à Europa para acompanhar os grandes leilões. Ainda em vida doou as suas obras à Unicef, que as começará a dispersar dentro de 20 anos. Do fundo antigo da colecção destacam-se, depois de dois pequenos painéis de Fra Angelico, um retrato de Bernardino Luini, seguidor de Leonardo da Vinci, um David Decapitando Golias de Guido Reni, acompanhado por várias outras telas de artistas influenciados por Caravaggio, e um magnífico São Domingos em Oração de El Greco, para além de Canaletto, Bellotto e Tiepolo.
Um importante núcleo flamengo e holandês inclui excelentes obras de Ter Brugghen, Jan van Goyen, Salomon van Ruisdael, Gerard Dou e Jan Siberechts, enquanto nas pinturas francesas e inglesas se destacam as figuras femininas, dominando, como sucede em muitas outras obras da colecção, em retratos e paisagens, a proximidade do real e da vida, ou o sentido de naturalidade, que os autores ingleses referem como «life-like» ou «likeness». O núcleo impressionista e de artistas implicados nas rupturas do século XIX começa com uma obra belíssima de Corot, Mulher Argelina, dos últimos anos da sua carreira. O que Picasso lhe «deve» é bem visível nessa figura de mulher de rosto melancólico, onde o manto branco, a cara e as mãos e o fundo castanho se organizam cromaticamente numa reduzida gama de tons e volumes que se dirá de uma surpreendente modernidade.
Segue-se Courbet, com uma Bacante de forte erotismo, e uma magnífica Praia de Trouville, 1868, de Eugène Boudin, um «precursor» convidado a participar na primeira exposição impressionista. Vêm depois Basile, com um curioso quadro de 1868 de compromisso académico e já de original observação de efeitos de luz natural, e Cézanne, com uma vista de L’Estaque, de 1876, que corresponde à descoberta da luz do Sul e é um pequeno grande testemunho de desvio ou superação do impressionismo.
Um conjunto de retratos inclui um pastel de Manet, um impressionante auto-retrato tardio de Degas (1900), uma cabeça de mulher de Renoir que representa muito bem o «tipo» feminino que se associa à sua pintura, outro pastel de Toulouse-Lautrec e ainda uma delicada e emotiva maternidade de Mary Cassat. Auto-retrato de Degas (inícios do séc. XX) e, em baixo, retratos femininos de Bernardino Luini (à esquerda), à maneira de Leonardo (c. 1525), e de Renoir (c. 1875), à direita Monet surge com seis telas, de uma primeira estrada florestal de Barbizon (1865), ilustrando os inícios naturalistas, a uma paisagem de neve da Noruega (1895), passando por vistas de uma ponte reflectida no Sena e de inundações de Inverno, de Amesterdão e, em especial, dos rochedos de Belle-Isle-en-Mer. Pissarro está particularmente bem representado, com uma excelente Vista de L’Hermitage, de 1867, e um retrato da filha, de 1893; tal como Sisley, com três paisagens, sem faltar Caillebotte, com telhados nevados de Paris. Já em capítulos pós-impressionistas, uma vista de mar de Signac, de 1890, é um excelente exemplo de pontilhismo, já de gosto simbólico. A secção seguinte (simbolismo e Nabis) inclui Odilon Redon, Serusier, Valloton (um retrato e interior de ateliê de rigoroso realismo), Maurice Denis e, em especial, Bonnard e Vuillard, este com um notável auto-retrato de 1906. Por fim, o fauvismo surge representado por Derain e Vlaminck, em obras de 1907, a que se juntam Marquet, Dufy e Van Dongen. Depois de um «clown» de August Macke (1910), que sinaliza a corrente expressionista, surgem ainda uma pequena pintura tardia de Maria Laurencin e, no fim do catálogo, uma natureza morta de Morandi. Será um acontecimento sem paralelo na vida recente dos museus nacionais, capaz de atrair multidões de visitantes, e certamente a exposição do ano.
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