Não pensava precipitar-me a escrever sobre o África.Cont e o seu Encontro a decorrer 6ª e sáb. na Gulbenkian, num muito vago Auditório III. Um ano depois de prometido e anunciado com ilustração arquitectónica a condizer, estão ainda a perguntar o que deve ser a coisa e com a rectaguarda institucional por cumprir. Felizmente. O consórcio não tem parceiros, a fundação de fundações não tem fundadores - nem Berardo, nem Ellipse, nem Serralves, etc; a Gulbenkian amável mas sempre estatutariamente de fora; a crise económica mundial não ajuda e as empresas públicas já não se mobilizam com telefonemas imperiosos (sob escuta?). Angola ausente: se pode comprar Veneza ("Check List Luanda Pop"!!), para que há-de precisar de Lisboa? Nem Embaixadas, nem Bancos. Restam o MNE, a CML e o MC com magros orçamentos para cumprir os mínimos, e também se sabe que os titulares (os mesmos e os novos eleitos) hesitam, duvidam, adiam, consideram, reconsideram ou recusam (em voz baixa, claro). Estão aqui envolvidas questões graves, desígnios e compromissos de Estado, promessas diplomáticas feitas no Pavilhão de Portugal, um ano depois da cimeira UE-África. Mas é agora o momento definitivo de reponderar os custos de construção de um projecto urbanístico e arquitectónico de provável qualidade (embora sem o vantajoso concurso público), de reavaliar verbas de funcionamento regular futuro (disse-se 4,5/5 milhões de euros/ano?), de reexaminar o mérito conceptual de um projecto institucional solitariamente proposto. Declaração de interesses: admiro muito a firmeza política, a determinação, a obstinação mesmo, do primeiro-ministro, mas esta é uma situação em que é necessário recuar. A decisão entusiasmada que tomou um dia numa visita matutina ao cenário grandioso do Palácio Pombal e das Tercenas junto ao Tejo compreende-se, mas as razões do argumento não têm a grandeza do lugar. Bastará referir a crise, o défice...
Não era isto que eu queria dizer, por agora, evitando o papel de "crítico de estimação" que o Fernandes Dias me atribui, mas é desesperante que um ano depois se anuncie entre as mãos de quem abriu o encontro apenas um inventário de questões, mesmo se inteligentes, e não uma entidade em funcionamento no terreno: circulando entre a Cova da Moura e Dakar, entre Maputo e Bamako, entre Joanesburgo e a Baía, etc. Porque se está a perder tempo, definitivamente. Não será um museu (ao contrário do que repetem as notícias), mas também não é uma agência, nem um organismo da diplomacia e da cooperação portuguesa, embora se espere que cumpra uma agenda política - institucional mas independente... Não se dedicará só ou em especial ao espaço lusófono, nem apenas às artes visuais: a arte contemporânea como arte em geral. Teria um vasto centro simbólica e fisicamente monumental, patrimonial e contemporâneo, entre as Janelas Verdes e a 24 de Julho, mas seria também um pólo intermediático de descentralizações, trocas, redes, co-produções e itinerâncias entre o continente e a diáspora, os ex-impérios coloniais e os novos centros emergentes: o mundo todo. Tudo e nada. Aliás, de facto, não se discute aqui e agora o programa possível, mas muito em abstracto a ideia de África, que é plural, fragmentada e diaspórica, ou já uma África "posnacional" e não apenas poscolonial, procurando a próxima moda.
O Zulu do título é bem real. Veio do Brasil e trocou as voltas ao Encontro. Primeiro com um gesto radical e simples: o representante do movimento negro brasileiro e da instituição do Ministério da Cultura para a valorização da cidadania afro-brasileira, Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, negou-se a usar o inglês e quebrou por isso o protocolo: falou em português, que o Brasil defende como língua de trabalho nas organizações internacionais. Um gesto coerente e também exemplo de independência face a uma hegemonia anglo-saxónica que perpetua como língua de produção e domínio do conhecimento o poder autoritário de um centro já só imaginário. Depois, situou o papel de liderança que o Brasil tem vindo a construir em África no quadro diplomático da CPLP, como veículo determinante de novos relacionamentos intercontinentais, e já de um novo intercâmbio afrolatino. Trata-se de dar um sentido político à diplomacia, apoderando-se dos seus instrumentos e usando a sua hierarquia institucional, construindo projectos que não são apenas pontuais e ostentatórios. Trata-se igualmente de pôr em prática um entendimento aberto de cultura, onde à dimensão simbólica que se expressa na linguagem artística se associa o direito à cidadania (as políticas públicas de acesso à produção cultural) e a dimensão económica, considerando a importância do mercado dos produtos culturais. Zulu Araújo trouxe o vigor de um movimento social (afro-brasileiro) em que a cultura desempenha um papel de resistência e de afirmação, no contexto progressista do Brasil de Lula, a um programa marcado pela incerteza ou o epigonismo dos objectivos.
adenda (05/12): por coincidência, www.cenalusofona.pt/ Em Coimbra, de 3 a 6 de Dez.:
Encontro Internacional sobre Políticas de Intercâmbio
ENCONTRO
"Coimbra é uma lição de cultura no intercâmbio da lusofonia"
por PAULA CARMO - Hoje - http://dn.sapo.pt
Políticos e agentes culturais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) discutem relançamento do projecto Cena Lusófona