EXPRESSO Cartaz de 9/2/2002
"Paulo Nozolino em Paris"
Retrospectiva pessoal do fotógrafo português condensada em apenas 38 imagens
«Nada». Assim mesmo, em português. Este o título que Paulo Nozolino atribuiu à exposição que a Maison Européenne de la Photographie (MEP), da Câmara de Paris, inaugurou a 22 de Janeiro, na sua Galeria Contemporânea. É toda uma retrospectiva pessoal deliberadamente condensada num percurso de apenas 38 imagens, com datas de 1977 a 2000, que são tanto um auto-retrato íntimo como um diagnóstico do estado do mundo. Negro, necessariamente. Nozolino refere-se à selecção das imagens como «uma narrativa», «uma frase» onde se pergunta «quem somos?, em que estado é que estamos?», e também a considera como o fechar de um ciclo de vida, quando está de regresso a Portugal, fixado no Porto, ao cabo de 13 anos com base em Paris.
As paredes foram pintadas de cinzento muito escuro e as fotografias, de um preto e branco inconfundível, em contrastes extremos, ou de um negro profundo que se abre numa gama infinda de cinzentos subexpostos, são apresentadas em três diferentes formatos (de 40 x 50 a 120 x 180 cm), sempre fechadas em caixilhos negros. Isoladas sob a luz dos «spots» dirigidos, nas duas pequenas salas recortadas de acesso à galeria, e depois alinhadas em sequências e blocos.
A abrir, três imagens e um texto: um auto-retrato de 1979, um olho apenas, em trânsito entre traços luminosos e reflexos incertos; um charco com uma garrafa de vodka caída na noite de Badajoz; uma criança sobre o ventre da mãe. São imagens íntimas, tal como as palavras juntas:
«Estive sempre à beira de nada. A impressão de viver num não-tempo. Cada pequena felicidade apanhada tornava-se passado e cada sonho de futuro parecia-me já uma recordação. Só o mar e a voz de Leonard Cohen fazem parte do presente. O resto não era mais que projecções, e disso aprendi a desconfiar. A fotografia permitiu-me viajar e ver a diferença entre o possível e o impossível. Podia guardar sem possuir, lembrar-me sem medo de esquecer, sobreviver em vez de viver. Sobretudo saber que tudo tem uma história, cada história duas versões, cada versão o seu passado. (…)»
Depois, a silhueta escura de um pavão entre pombas brancas (Lisboa, 1995), vestígio obscuro de um paraíso perdido, e três das suas mais antigas imagens publicadas. Ainda um retrato, a avó, e um breve poema traduzido de António Osório, «Ofício», com que o fotógrafo se identifica: «Armazenar sofrimento/ distribuí-lo depois/ límpido».
Na galeria ampla, a seguir, Nozolino expõe seis fotografias de Fim (Macau, 1999; Fundação Oriente/Culturgest, 2001) e um tríptico de Penumbra (ed. Scalo, Zurique, 1999; exposição no CCB). Itinerários da Ásia ao mundo Árabe, por um mundo irredutivelmente dividido por tensões entre diferentes concepções de vida. Antes que um vasto mosaico de dez fotografias empilhadas duas a duas nos confronte com os terríveis retratos da Europa actual do álbum Solo, editado em 98, na sequência do Grande Prémio do Museu de Vevey, na Suíça, de 95. Memórias de Auschwitz, os labirintos de Berlim, a morte em Sarajevo (Tuga, Encontros de Coimbra, 97), a droga em Lisboa (Coimbra, 98), em imagens duras de viagens por espaços de crueldade e solidão. Sempre cicatrizes expostas, a busca do absoluto, a redenção impossível.
Ainda um tríptico fotografado na região de Mulhouse, Alsácia, em resultado de uma encomenda de dois anos, e que aí foi exposta em Dezembro-Janeiro, ao lado do trabalho de Stéphane Duroy, que, por sinal, tem também uma retrospectiva na MEP. Fragmentos de um quotidiano provincial observado sem complacência, desamparados e acusadores sempre («Dois fotógrafos contra o não-dito», titulou no «Le Monde» Michel Guerrin). E mais seis imagens ainda, com o vazio urbano reflectido numa montra fútil de Viena a encerrar a última parede, escassamente preenchida. Era preciso «deixar respirar» a exposição, e a concisão é outra das armas de Paulo Nozolino.
Em Paris, «Nada» prossegue até 7 de Abril. «Zona de Silêncio», uma escolha das fotografias da residência em Mulhouse vão ser expostas no Porto, na Galeria Quadrado Azul, a partir de 2 de Março.
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