Quanto ao tal Heimo Zobernig, dois exemplos ((*ver nota final de 8 de Março*))
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em cima, uma tela verde (óleo) de 2000 instalada sobre tecido verde; em baixo, uma tela branca com lixo variado (fragmentos de cristal, etc), de 2008, sobre parede branca.
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Os comentaristas de serviço repetirão a publicidade incluída no desdobrável do CAM ("é um dos mais destacados artistas europeus da actualidade", como já se dizia na inf. da Tate St. Ives: "Heimo Zobernig (born 1958, Austria) is one of the most significant artists working in Europe today"), mas estas coisas não querem dizer nada e ninguém acredita, excepto uns quantos "mestrandos de estudos curatoriais". De facto, ele é um artista de pequena circulação fora dos circuitos institucionais, um típico beneficiário das encomendas de Documentas e afins. É um decorador de museus, mas a montagem das colecções que faz no CAM ultrapassa as questões logísticas e o tópico da irreverência: revela obras importantes e abre pistas para se rever a história (há uma lúcida autocrítica que atravessa subterraneamente o discurso expositivo). E cabe-lhe o mérito de ter trazido a Lisboa um quadro de Kokoschka (ver antes)
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A montagem da colecção ou colecções do CAM faz-se (*) com uma presença esmagadora do acervo britânico no piso superior (e mais algumas localizações insólitas/inesperadas no piso inferior, como as dos abstractos Scott, Patrick e William, de 1960 - a fazer a ponte cronológica para o andar acima), ao mesmo tempo que desaparecem do Museu, quase por completo, as décadas mais recentes (porque será?).
Algumas escolhas britânicas escapam abertamente à rotina - em especial a de Frank Bowling. Entretanto, a representação dos primeiros e segundos modernistas (anos 20 e 30) é particularmente extensa, com insistência nos retratos intimistas e mundanos. Mário Eloy e Lino António, Jorge Barradas, Ofélia Marques e Sarah Afonso, Stuart estão bem presentes. E Carlos Botelho e Fred Kradolfer. De Vieira e Arpad preferem-se também os pequenos retratos íntimos, as cenas domésticas.
António Soares, retrato de Maria de Mello Breyner, 1932. Com 9 obras expostas, grandes e menores retratos, desenhos e estudos, é um dos artistas mais representados - e ele é de facto um dos modernistas mais relevantes e um dos menos conhecidos e estudados.
Jorge Barradas, st, 1925: um pequeno interior doméstico teatralizado como um cenário, no hall de acesso, a pouca distância do quadro-quarto de Shakespeare.
Curiosas as pequenas cenas de atelier ou de ensino artístico: Magalhães Filho (aula na Esbal, 1936) e Peter Greenham (aula de modelo). E algumas diversões: Moore, a mão do artista, e o vienense Rudolf Hausner; Paula Rego na parede final, com a tela recente de Gillian Ayres (Madrid, 1992) e a Espanhola (87) de Victor Willing. A parede branca de Cabrita Reis já em trânsito para a nave central.E os dois Pessoas/Almadas simétricos, a brincar com o visitante.
Nota-se a ausência quase total da fotografia, com as excepções de Lemos (4 retratos à margem de surrealismos) e de um Victor Palla descoberto muito recentemente no leilão da P4 (retrato, c. 1954). Para além das fragilidades imensas da colecção neste domínio (mas podia trazer da Tate), é a mesma recusa do presente que se observa.
Também não é por acaso que H.Z. escolhe em especial as décadas de 20 e 30 e depois os anos 60 (a parte disponível dos anos 60) - décadas de abundância e diversão, de luxos e prazeres depois das guerras (e antes de outras crises). Não são os tempos e as obras de maior inquietação social e política, de maior intervenção artística, que mais interessam o "artista-curador". Enquanto humorista, o seu ponto de vista é mais conservador do que revolucionário - o que lhe interessa, de facto, parecem ser os bons velhos tempos
E é sempre uma selecção irreverente e com surpresas, divertidas umas e provocadoras outras. Quanto à apreciação da arte nacional, fica um comentário imprevisto: "Encontrei qualidade nos retratos, auto-retratos e cenas de cidade, não na arte abstracta do CAM", argumenta Zobernig" - segundo escreveu Paula Lobo do Diário de Notícias.
(*) A sequência das obras é sempre exactamente cronológica, coisa de que não me apercebi nas duas visitas... tenho de voltar a essa desatenção, mas esse rigor de datas torna a montagem ainda mais desafiadora ou interessante. (nota de 8 de Março)
Muito me surpreende que um artista "escolar (académico)" e um "curador" lhe tenham causado tantas surpresas e irreverências.
Posted by: Alberto | 02/27/2009 at 02:45
Obrigado pela sua ajuda à reflexão sobre as qualidades e os paradoxos da apresentação da colecção do CAM (e peças convidadas).
Posted by: ap | 02/27/2009 at 10:04
Correcção do autor na imagem reproduzida acima onde se vêem pinturas de Sá Nogueira, Anthony Green e Allen Jones, Dance with the Head and the Legs - e não Alan Davie, como está na legenda da imagem. Davie também lá está no piso 1 mas noutro local.
Posted by: Ana Vasconcelos | 04/09/2009 at 02:43
Obrigado, Ana. Pois é, o Davie está a abrir (muito bem) o piso de cima.
Posted by: ap | 04/09/2009 at 09:23