Não são os trabalhos escolares (académicos) de Heimo Zobernig que me interessam, mas as duas galerias laterais do CAM onde ele dispôs muitas obras das suas colecções, portuguesa e britânica, e mais algumas (9?) vindas da Tate, GB. A paródia do modernismo que ele próprio pratica, e que me parece ter um reduzido interesse, espelha-se numa montagem bem acumulada, numa sequenciação imaginativa que percorrre a cronologia (e os artistas "residentes") com razoável liberdade (*a sequência é estritamente cronológica, a selecção das obras é que é muito livre* nota de 8 de Março) e, em geral, numa escolha de obras com várias surpresas, muito desprendida das censuras e das limitações de gosto que presidem às habituais selecções museológicas dos estilos modernos. Para além das visitas ao CAM (e dois meses de estudo da colecção, diz-se) teve certamente a colaboração, a diversos títulos, de Jorge Molder e de Jurgen Bock, este apontado como "curador".
Por exemplo, a aproximação desta gravura abaixo da autoria de um artista ignorado a uma tela de Amadeo ("entrada"), também de cerca de 1917, cria uma curiosa pista de especulações (o tempo era de guerra e a quinta de Manhufe um bom refúgio - o trabalho, a arte e a ociosidade dos ricos - a máquina e o pincel, trabalho manual - a mudança dos tempos, o trabalho da mulher, a representação "tradicional" e a pintura moderna, etc):
Archibald Standish Hartrick 1864-1950
from "The Great War: Britain's Efforts and Ideals" (série) : Women's Work: On Munitions - Heavy Work (Drilling and Casting), circa 1917 - Lithograph, 46,1 x 35,7 cm
Desde o hall do museu encontramos peças que escapam às visões antológicas do moderno e às respectivas concepções normativas sobre a suposta rejeição progressiva (progressista?) do tema, da vontade de representação e da intencionalidade funcional (e/ou ficcional) - a sacrossanta autonomia, o plano do suporte, a autodefinição sucessiva da arte e a sua redução à... "essência". Aqui já adiante, a referência à literatura (ao teatro, exactamente) coincide com uma construção cenográfica do quadro e com uma minúcia descritiva que foram sendo condenadas como antigas pela chamada pintura moderna - e que reaparecem constantemente como o retorno do recalcado.
Possivelmente, H.Z. pratica uma crítica das concepções do modernismo tardio seguindo duas vias: a caricatura das abstrações geométricas, do monócromo e do minimalismo presente na sua escassa produção própria (e do vanguardismo utopista e filosófico-religioso em geral) e, em paralelo, a recuperação idiossincrática de obras, de artistas e de estratégias museográficas desvalorizadas pelos cânones modernistas. Seria um bom programa se não se usasse tanto espaço e tempo na demonstração, e se a crítica estética e institucional subjacente não fosse ocultada pelos destinatários, o inner circle que alimenta o "artista".
Henry Wallis 1830-1916
"The Room in Which Shakespeare Was Born" 1853
Oil on board: 29,2 x 41,9 cm - Colecção Tate
Trata-se nestes dois casos da inclusão (perturbadora das normas) de trabalhos de artistas desconhecidos ou sem especial notoriedade, tal como acontece com várias outras peças da enorme e fascinante colecção britânica do CAM.
E em especial com a obra de maior dimensão entre as que estão expostas, que nos traz um pintor que fica sempre de fora das antologias (terá sido exposto alguma vez depois de ter ganho um prémio significativo em Londres? - parece-me que não chegou a entrar em "Linhas de Sombra", 1999, apesar de tal ser referido numa inf. acessível na Artfacts.net) O tríptico encontra-se bem rodeado por um retrato de Alberto Lacerda por Rui Filipe (1962) e uma construção metálica abstracta de Anthony Hill (1961-62).
(... esta é uma péssima reprodução, mas é a que o CAM tem em rede).
esta é um pouco melhor e está bem orientada (pelo menos, o tríptico tem este alinhamento na exp., e espero que esteja certo)
Frank Bowling (n. 1936) parece aqui muito próximo das construções espaciais de Francis Bacon - e tornou-se pouco depois um pintor abstracto. Nasceu na Guiana, é preto (foi há poucos anos o primeiro artista preto eleito para a Royal Academy) e foi colega de Kitaj e Hockney; é um artista (segregado?) com uma longa carreira, tb nos Estados Unidos, e igualmente com obra de crítico e ensaísta
- ver http://frankbowling.com/ e tb um interessante texto na página da Tate, onde só tem 3 obras: http://www.tate.org.uk/...text
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Além do já referido Kokoschka, há tb surpresas interessantes quanto à colecção portuguesa, em especial a presença de António Soares e, por exemplo, de Jaime Azinheira...
A ver entretanto em filme a anterior intervenção de HZ na Tate St Ives:
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