"ARQUIVO UNIVERSAL, O documento e a utopia fotográfica", no CCB a partir de dia 10.
Uma grande exposição, em termos de número de fotografias, com um importante panorama histórico da fotografia documental e com alguma retórica ideológica esquerdista a complicar (mais uma deficiente tradução da informação castelhana, aqui um pouco revista).
E perdeu-se a oportunidade de acrescentar uma parte portuguesa com algum sentido, abrindo mais algumas portas ignoradas...
Comissário: Jorge Ribalta
Co-produção: Museu Colecção Berardo e MACBA - Museu d’Art Contemporani de Barcelona
9 de Março – 3 de Maio
"Desde que John Grierson, fundador do movimento documental britânico no final dos anos 1920, definiu o documental como o «tratamento criativo da actualidade», este género tornou-se a essência dos discursos sobre o realismo na fotografia e no cinema. Não obstante, os conceitos de documento e documentário adquiriram diferentes significados no decorrer do século XX. A complexidade das suas definições deve-se ao facto de que estes conceitos se inscrevem na filosofia do Positivismo, que une o conhecimento científico ocidental, e estão imbricados em campos discursivos e artísticos tão diferentes como as ciências sociais e naturais, o direito e a historiografia. <em castelhano entede-se melhor: "los conceptos de documento y documental pertenecen a diferentes campos
discursivos. Estos conceptos, efectivamente, aparecen no solo en el
campo artístico, sino en las ciencias sociales y naturales, en el
derecho y la historiografía. El término documento se inscribe en la
filosofía del positivismo, que subyace al saber científico occidental,
pero que, como género fotográfico y cinematográfico, adquiere
significados cambiantes a lo largo del siglo xx.">
"As Políticas da Vítima", o ponto de partida desta exposição, explicam o aparecimento do género documental na fotografia e no cinema, ligado à representação das classes trabalhadoras. Podemos considerar a obra de Lewis Hine para o National Child Labor Committee, implementado em 1907 nos Estados Unidos, como a precursora de um tipo de documentário artístico-político de carácter reformista, que emerge como uma forma de acusação. Neste sentido, o género é constituído historicamente de modo a representar os desfavorecidos, instaurando assim uma «tradição da vítima».
A sua maior difusão far-se-á nas revistas ilustradas que proliferaram durante os anos 1930 e que constituíram o discurso do espaço fotográfico público por excelência até aos anos 1950. As imagens de Hine estabelecem as bases do documentário reformista promovido pelo estado, que culminou, em 1935, com o grande projecto Farm Security Administration, sobre os efeitos da depressão económica no mundo agrícola do sudeste dos Estados Unidos. Este projecto, no qual participaram fotógrafos como Walker Evans, Dorothea Lange, Ben Shahn, Arthur Rothstein y Russell Lee, tornou-se a maior construção visual das políticas do New Deal.
Em oposição ao documentário reformista, surgiu na segunda metade dos anos 1920 um movimento documentário fotográfico ligado ao movimento internacional de trabalhadores que nasceu da 3ª Internacional Comunista. Este teve origem nos paradigmas fotográficos e debates sobre o realismo, reportagem e factografia na cena soviética, em que participavam fotógrafos e críticos como Alexander Rodchenko, Sergei Tretiakov y Boris Kushner. Fundado sobre premissas revolucionárias, este movimento promovia o uso da imagem e da auto-representação dos trabalhadores como uma forma de emancipação e apropriação dos meios de (re)produção. Aqui incentivava-se a documentação do dia-a-dia dos trabalhadores e da vida nas fábricas. Um dos seus exemplos mais paradigmáticos é a clássica reportagem de Arkady Shaikhet y Max Alpert, «Um dia na vida de uma família da classe trabalhadora em Moscovo» (1931).
Numa segunda parte, em "Espaços fotográficos públicos", traça-se o percurso das exposições desenhadas a partir de uma concepção «expandida» de espaço, fundamentada no uso da fotografia. As exposições fotográficas planeadas por El Lissitsky, entre 1928 e 1930, estabeleceram um novo modelo, com origem nas rupturas epistemológicas e nas ideias de uma «nova visão» da era da revolução soviética. Este paradigma estender-se-ia pela Europa ocidental através dos desenhadores e arquitectos da Bauhaus e seria absorvido pela estética totalitarista dos novos regimes fascistas em Itália e na Alemanha nos anos 1930 <e em Portugal também>. A sua chegada aos Estados Unidos, pela mão de Herbert Bayer , no contexto propagandístico da 2ª Guerra Mundial e da Guerra Fria, reflectir-se-á em várias exposições no MoMA, em Nova Iorque, culminando com "The Family of Man", em 1955 <ora cá está a guerrilha - ou cartilha - de um certo pós-modernismo de fachada esquerdista contra a fotografia e o MoMA>. É, portanto, descrita a trajectória de um espaço fotográfico-arquitectónico utópico que envolve um novo tipo de espectador, da Rússia revolucionária à América da Guerra Fria.
Na terceira parte, a exposição explora a noção da fotografia como um instrumento para as ciências sociais e para a criação de arquivos de imagens em projectos históricos. Da Mission Héliographique francesa (1851), à missão da DATAR dos anos 1980, estas campanhas ou missões fotográficas conjecturam uma formalização <em castelhano: supõem uma formalização - sempre é melhor...> daquilo que podemos considerar como o projecto ou a utopia da fotografia na cultura moderna: a conversão da variedade infinita do mundo numa ordem racional através do arquivo. Com o arquivo é possível constituir uma colecção de imagens organizadas e universalmente acessíveis. Para o conseguir, esta secção explora diversos casos específicos.
O primeiro deles trata da indissociável relação entre antropologia e documentário, que se reflecte nos livros pioneiros de Margaret Mead y Gregory Bateson, no projecto britânico Mass Observation, nas imagens rurais das Misiones Pedagógicas e nas personagens-tipo de Ortiz-Echagüe, em Espanha. O trabalho de fotógrafos portugueses como Sena da Silva, Castello- Lopes, Palla e Costa Martins visualiza o fenómeno do aparecimento de uma classe popular desenraizada e vitimizada na grande cidade. <!!!! É o que se chama uma solução de facilidade - pegou-se no que estava mais à mão, o mesmo de sempre, e acrescenta-se um comentário inapropriado. Por que não Maria Lamas, as campanhas da equipa de Jorge Dias, o inquérito à Arquitectura Popular? Algum Orlando Ribeiro e antes a Central Tejo de Kurt Pinto...>>
O segundo caso relaciona as missões fotográficas com o inventário patrimonial, a paisagem e a contribuição para os discursos sobre o estado-nação, acima de tudo em França e nos Estados Unidos. Entre outras obras, incluem-se aqui algumas das mais clássicas campanhas fotográficas do século XIX, como as da Mission Héliographique, do Fortieth Parallel <o Paralelo 40> no oeste americano e as viagens de Frith, Du Camp e Salzmann ao Médio Oriente.
Um terceiro caso de estudo centra-se na origem e desenvolvimento da ideia de património urbano e na sua memória histórica, com base nas obras de Marville e Atget sobre a cidade de Paris na segunda metade do século XiX, e também na representação da cidade nos anos 1930 do século XX, como em Changing New York, de Berenice Abbott.
Em 1970, a crítica da fotografia como uma linguagem universal marca um ponto de viragem, representado na exposição "New Topographics – Photographs of a Man-Altered Landscape", de 1975.< Para não falar da exp. "New Documents", em 1967, apresentada por John Szarkowski, no MoMA, claro...>
O fim desta utopia é marcado pelos debates sobre o documento no início do Pósmodernismo, que nos mostra – em obras de Martha Rosler o Allan Sekula – como o valor testemunhal da imagem documental já não é produzido espontaneamente e terá que ser redefinido através do texto." <Esse episódio ideológico posmodernista já passou à (pequena) história e o documentário fotográfico afinal continuou vivo e renovado, activo e eficaz, mas no MACBA pós-Borja-Villel sobrevive a moda universitária de finais de 1970. É pena esta conclusão do percurso. Um David Goldblatt e, já muito em breve, um Guy Tillim, mostrados em Serralves, servem para desmontar este fim infeliz.>
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