alguma informação disponível, com uma citação de Jorge Dias a respeito do Museu e da moderna economia (já em 1964...)
in «CAMPONESES ESTETAS» NO ESTADO NOVO: Arte Popular e Nação na Política
Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional, Vera Marques Alves
-ISCTE Departamento de Antropologia Lisboa, 2007
pág. 61-63 - Capítulo 1 – Panorama da actividade folclorista do SPN/SNI
1.3. O popular entre as classes médias e no estrangeiro: contextos de recepção das práticas etnográficas do SPN/SNI
"É… evidente que, ao conceber esta parte da Exposição do Mundo Português, Ferro foi directamente influenciado quer pelo Pueblo Español da exposição de Barcelona de 1929 (que visitara enquanto jornalista), quer pela secção francesa da Exposição Internacional de Paris de 1937, de onde retira a expressão Centro Regional (…), eventos que, por sua vez, glosam o tema da aldeia rural presente nas exposições internacionais desde pelo menos 1900. Estes são, desde logo, factos que, no seu conjunto, mostram ser precipitado atribuir em exclusivo à ideologia conservadora e ruralizante do Estado Novo a concepção de uma exposição etnográfica que mostraria a arquitectura característica de cada província.
É clara a sintonia entre a visão salazarista do país e as evocações campestres que esta iniciativa proporcionava, mas a marca do regime na Exposição estaria sobretudo na avassaladora evocação da história pátria que a dominou e correspondente peso da imagética passadística. Por isso Augusto de Castro acentuava, no prefácio ao Catálogo Oficial da Exposição:
«Pela primeira vez se realiza uma grande Exposição de História. Até hoje só se efectuaram certames internacionais ou nacionais, de carácter industrial, comercial ou colonial. A Exposição do Mundo Português é o primeiro certame que tem a expressão dum grande documentário de civilização. Será uma exposição de "espírito" – o padrão comemorativo de expansão de oito séculos portugueses».
É interessante observar, igualmente, que enquanto a arte popular ocupou um lugar central nas representações de Portugal em Paris e Nova Iorque, remetendo as evocações históricas para segundo plano, o Centro Regional, muito elogiado pelos críticos ( ver Cap. 2), foi relegado para um espaço menos central na Exposição do Mundo Português. Este aspecto raramente é observado, mas a leitura das páginas de O Diabo ilumina-o de forma clara, ao chamar a atenção para a «área reduzida» que coube à secção da etnografia portuguesa, e referindo ainda o facto de a mesma ter sido implantada num «local afastado do Centro da Exposição». «Daqui», acrescentava o jornal, «um menor interesse da parte do público, uma menor atenção dos visitantes à riqueza do conteúdo desta secção (…)».
Em relação a este terceiro ponto, deve dizer-se que António Ferro comparava muitas vezes o relativo insucesso das suas iniciativas etnográficas intramuros com o grande êxito que tinham obtido fora de fronteiras. Sobre o Verde Gaio, as queixas de Ferro eram pungentes (…). O próprio concurso de ranchos folclóricos organizado em 1947 foi, segundo o director do SNI, alvo do «desconhecimento e indiferença de todos» (…), e o Museu de Arte Popular, reclamado incessantemente pelo SPN/SNI e pelos etnógrafos portugueses pelo menos desde meados dos anos 30, abre a custo apenas em 1948, pouco antes da saída do seu mentor para Berna. (ver abaixo nota 120)
Há mesmo dúvidas sobre a natureza do seu impacte nacional: a julgar pelas palavras de Manuel de Melo Correia, nomeado director do Museu de Arte Popular depois da morte de Lage, dez anos passados sobre a sua abertura o museu era ainda pouco frequentado por visitantes nacionais. Aliás, será como instituição orientada para o turista estrangeiro que este museu irá afirmar-se. Neste sentido, Jorge Dias viria a notar que os
«…bons museus [etnográficos] serão focos de atracção desses mesmos turistas que correm mundo, desejosos de ver novas formas de viver. Mesmo hoje já não é fácil a quem viaja ver muitos aspectos da cultura tradicional ainda viva (…). Um museu mostra tudo o que o turista deseja ver e explica-lhe o que ele não pode compreender, quando por acaso depara com certos objectos ou tradições no seu caminho. Como a moderna economia nos obriga a atrair o turista, o museu, ao mesmo tempo que serve os interesses superiores da cultura nacional e regional é um motivo poderoso de interesse turístico. O Museu de Arte Popular criado em Lisboa pelo S.N.I. é a prova evidente de que esse aspecto foi há muito compreendido pelos dirigentes do Secretariado» ( Dias, Jorge, 1964, Museu Nacional e Museus Regionais de Etnografia,
conferência proferida na Câmara Municipal de Barcelos em 19 de Setembro
de 1964, col. Cadernos de Etnografia, n.º 1, Barcelos, Museu Regional
de Cerâmica. )
NOTA 120: É interessante notar que, em Novembro de 1951, quase dois anos e meio após a sua inauguração, o museu ainda não estava electrificado, estando o horário de abertura condicionado às horas de luz natural (…). O museu só terá tido electricidade em finais de 1952, princípios de 1953 (...) Trata-se de um claro sinal de fraco investimento financeiro no Museu de Arte Popular por parte do governo. Contudo, só um estudo comparativo nos permitiria aferir o significado desta situação, pois desconhecemos se outras instituições museológicas do país deparavam com dificuldades semelhantes. "
todo o texto anterior é uma transcrição da tese de doutoramento de Vera Marques Alves