Tive muito gosto em conversar sobre o futuro (e o presente) das colecções de arte, no momento em que a crise económica actual torna muito evidente (BPP e BPN) a ligação entre fraudes bancárias, bolhas especulativas e mercado de arte.
O nº 18 da revista, de Maio de 2009, já saiu e inclui a síntese de uma agradável conversa no restaurante do terraço do Tivoli, em que participei com Vera Cortês, Jean-François Chougnet e Pedro Lapa, além dos directores da revista e de Alexandra Cardoso, que desgravou e adaptou o melhor possível (claro que há sempre frases que gostariamos de ver transcritas ou de termos dito de um modo mais ponderado).
A minha posição de princípio é que não basta esperar que a crise passe e que a bolsa e as cotações da arte regressem aos anteriores valores, mais ou menos depressa ou devagar. Aliás, não devemos esperar ou desejar que tudo volte ao estado anterior, como se nada tivesse acontecido. Como a crise de 1929, que alterou o lugar reconhecido aos artistas na sociedade ( de elementos das margens, das elites ociosas e da boémia, à condição de trabalhadores, e por isso tiveram direito a políticas de apoio e encomendas ) e que validou o seu novo estatuto profissional através da prova da utilidade social da arte ( os programas de pinturas murais decorativas e mobilizadoras, a Farm Security Administration, etc), esta crise deve ter consequências.
Se a arte é apenas ou principalmente um dos domínios priviligiados da lavagem de dinheiro, do investimento especulativo e da fuga ao fisco, vamos ajudar a fazê-la desaparecer. Se se trata principalmente de engenharia social, promoção turística e reordenamento urbano, os critérios de apreciação não são os que até agora exercitámos. É preciso pensar que os produtos tóxicos da banca e da arte (e eles são tão próximos) podem ser agora denunciados e extirpados em conjunto.
Julgo que as artes do BPP e do BPN (as colecções que estavam no centro das atenções) não são menos podres e corruptas do que as suas práticas financeiras. E que não tem sentido salvar umas e condenar outras: elas são as duas faces da mesma moeda. As consequências da acção deste universo criminoso, e não só especulativo, devem ser pensadas quanto à sua extensão ao mundo da arte. Se tal não acontecer, a credibilidade do mundo da arte continuará de rastos e a falta de legitimidade sustentada das práticas "curatoriais", museológicas e críticas continuará a reduzir-se cada vez mais.
Antes a extinção que tais destinos.
Falou-se de outras coisas:
da colecção Berardo, que está muito bem no CCB;
das colecções particulares publicamente conhecidas e de outras colecções privadas e desconhecidas, em muitos casos mais poderosas;
do mimetismo colecionista (compram todas os mesmos nomes) e do amadorismo (atribuem-lhes pequenos meios e compram pequenas obras) das colecções das instituições de maior vulto (Gulbenkian, CGD, BES, etc);
do comprar jovem por ser mais barato (e pensar-se que pode ser um dia um bom negócio);
de preços de mercado, orçamentos de museus e políticas expositivas de artistas justamente desconhecidos, "fundos de gaveta" ou restos de atelier (lembrei Serralves e um artista como Mangelos, mas tem havido muitos mais);
da arte oficial de hoje que ocupa o lugar conjunto do academismo e da vanguarda, promovida por discursos críticos descredibilizados pela ausência de princípios estéticos e éticos, e pelos compromissos mercantis agenciados pelos mesmos;
da conveniência em fazer da crise uma situação de mudança.
Por acaso tb terei uma colaboração imprevista no próximo nº da L + Arte: uma opinião acerca de Serralves e dos seus aniversários (30 desde o anúncio do Museu; 20 desde a constituição da fundação; dez desde a inauguração do edifício projectado por A. Siza - nas muito difíceis convulsões culturais que foram de 1990 a 1995). Não é triunfalista nem reverente.
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