A referida aventura teve pioneiros, Ricardo Rangel e Kok Nam, que entraram muito cedo numa imprensa colonial mais liberal que a de Lisboa e construíram os modelos da transição. Mais do que uma tradição portuguesa (o Século Ilustrado?), terá contado o exemplo empolgante dos fotógrafos do magazine Drum, da África do Sul. A aventura teve depois uma sede e uma escola, a Associação Moçambicana de Fotografia e o Centro de Formação Fotográfica, no qual se fizeram dezenas de fotógrafos mais ou menos perseverantes. Teve um estilo testemunhal e militante, para responder às urgências do socialismo, da guerra, das fomes e da reconstrução. Os tempos mudaram.
A sua fotografia – em especial a forma de a mostrar como trabalho de artista - tornou-se mais autobiográfica e até intimista, sempre sem pretender ser auto-referencial e narcísica. Essa é a outra luta que importava travar nas novas condições de crescimento do país, uma batalha já mais individualista para abrir espaços conviviais. "As Linhas da Minha Mão", em 2006, por ocasião do 3º Photofesta, afirmava a dimensão pessoal de uma galeria de retratos e de lugares – encontros com pessoas, paisagens, cidades e árvores ao longo da história recente de Moçambique.
Os seus "Anjos Urbanos" são as crianças: os três e depois quatro filhos do fotógrafo e os filhos dos outros, as crianças da rua. Há diferenças de cor e de condição social que se não escondem, pelo contrário, e que tornam mais incisivo ou mais pungente o testemunho sobre as insuportáveis desigualdades. As imagens de José Cabral são simples e belas, ternas e terríveis, mas sempre sem os cálculos de acaso, artifício ou projecto que são tantas vezes a fórmula fácil da arte fotográfica. São ao mesmo tempo directas e carregadas de emoção, sem se distanciarem da vida à procura de metáforas.
Há uma história pessoal e há muitas histórias colectivas nestas imagens de Moçambique. Uma delas associa o general Mouzinho de Albuquerque, o vencedor de Gungunhana em 1895, ao bisneto do coronel José Cabral, que tinha continuado os seus planos de vias férreas e lhe ergueu a estátua, entretanto apeada. É só uma fotografia de família, uma criança que brinca…
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