A origem e as primeiras dificuldades do Museu de Arte Popular, segundo Vera Marques ALVES, em «CAMPONESES ESTETAS» NO ESTADO NOVO: Arte Popular e Nação na Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional [Em linha]. Lisboa, Portugal : ISCTE. Tese de doutoramento. [Consult. em 31 Maio de 2009] Disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/1349 >.
Cap. 1 - 1.2.4. Caminhos da política folclorista na década de 40
Inauguração do Museu com Oliveira Salazar, António Ferro (ao centro) e ?, 1948
Número de Inventário 3106NPB - Negativo a preto e branco. Proprietário:Museu de Arte Popular. Copyright:© IMC / MC - http://www.matrizpix.imc-ip.pt/matrizpix/
Nesse sentido, o director do SNI falava de um museu vivo que contribuísse para a vitalidade do artesanato português, lançando ideias como a da realização de um mercado de artesanato junto ao museu < o que viria a ser o Mercado da Primavera, depois do 25 de Abril o Mercado do Povo, desactivado em 1991: aqui >, através das quais se daria continuidade ao espírito que estivera associado ao Centro Regional da Exposição do Mundo Português. (…)
Com a saída de António Ferro do SNI, <ainda em 1948> podemos dizer que a política folclorista deste organismo do Estado Novo decaiu. Os grandes eventos em torno da arte popular, quer dentro quer fora de portas, desaparecem. O Museu de Arte Popular persiste, mas sempre padecendo de uma certa letargia. O que a documentação nos mostra é que, enquanto director da instituição, Francisco Lage pouco mais fez do que gerir os pedidos de visitas graciosas feitos por escolas e outras instituições.
Apenas a partir de finais de 1957, já com Manuel de Melo Correia como director - (nota: Melo Correia assume a direcção do Museu de Arte Popular na sequência da morte de Lage, ocorrida a 11 de Julho de 1957.) -, se começa a tentar promover as qualidades propriamente museológicas da instituição.
(...) já num documento de 1958, referindo-se ao historial da instituição, a então conservadora Madalena Cagigal e Silva escrevia: «Pretendeu-se de início estabelecer um museu poético, vibrante da vida do povo, mas hoje há tendência para o organizar como museu científico, embora sem sacrifício das suas anteriores características.» Foram, contudo, desenvolvimentos tímidos e incipientes e o museu acabou por nunca se impor no panorama da museologia etnográfica portuguesa.
O Museu de Arte Popular não se transformou nesse museu de cariz científico, mas, simultaneamente, ainda que ficando preso à sua marca inicial, jamais usufruiria do dinamismo que caracterizara as iniciativas em torno da arte popular na época de Ferro. Na verdade, entrará em franca decadência, o que se reflecte na degradação das estruturas do próprio edifício, cujos tectos, por volta de 1960, começam a ruir, destruindo alguns dos objectos da colecção.
Fala-se então de um museu condenado, em virtude de um plano de urbanização da Praça do Império que previa a sua demolição.
Um artigo jornalístico anódino de 1958 é o testemunho claro do falhanço do projecto de Ferro no que diz respeito ao Museu de Arte Popular: em vez de um museu vivo, «de coisas que se colheram como flores que existem ainda viçosas, fragrantes, por todo o país» (Ferro 1948), a peça falava de um sítio onde se iria matar saudades de uma arte popular já morta, um espaço que nos levava para uma realidade passada e distante, longe do «mundo exterior, barulhento e desconforme» (...).
in «CAMPONESES ESTETAS» NO ESTADO NOVO: Arte Popular e Nação na Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional, Vera Marques Alves -ISCTE Departamento de Antropologia Lisboa, 2007
ver tb De António Ferro a Jorge Dias
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SUMÁRIO
Introdução
Capítulo 1 – Panorama da actividade folclorista do SPN/SNI
1.1. Iniciativas folcloristas, pacificação das «classes trabalhadoras» e a retórica da proximidade ao povo
1.2. Para além do enquadramento ideológico das camadas populares: o levantamento das iniciativas folcloristas do SPN/SNI
1.2.1. Admirando o vira e o malhão, «sob um agradável toldo»: primeiros passos da campanha etnográfica do SPN/SNI.
1.2.2. O Concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal e as exposições internacionais: a arte popular entre o país e o mundo
1.2.3. A «apoteose do folclore nacional»: o Centro Regional, Vida e Arte do Povo Português e o Verde Gaio.
1.2.4. Caminhos da política folclorista na década de 40
1.2.5. Anos 50: o tempo da apatia
1.3. O popular entre as classes médias e no estrangeiro: contextos de recepção das práticas etnográficas do SPN/SNI
1.4. Conclusão: arte popular e nação
Capítulo 2 – A arte popular como instrumento de celebração de Portugal entre os portugueses
2.1. «Portugal de facto está ali»: a arte popular, testemunho da vitalidade da nação
2.2. Um povo e uma nação atemporais.
2.3. O espectáculo da vida campesina no Concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal
2.4. Da «doçura bucólica do Minho» à «graça florida dos Algarves»: a celebração do Portugal das províncias através da arte popular
2.5. Redução do popular ao rural e idealização do camponês
Capítulo 3 – A selecção dos materiais da cultura popular, I: autenticidade e bom gosto
3.1. Em torno da genuinidade da cultura popular: o SNI e os seus críticos.
3.2. «Uma mulher do povo de toda a confiança»: defesa da tradição e controlo da criatividade popular
3.3. Gostos e poder em disputa: antecedentes da política dirigida aos ranchos folclóricos.
3.4. Os concursos de grupos folclóricos de 1947 e os seus «benéficos efeitos seleccionadores».
3.5. A encenação da cultura popular em três pequenas exposições
3.6. Francisco Lage, Sales Viana e outros: o popular nas mãos dos estetas.
3.7. Critérios etnográficos versus critérios estéticos: o caso do Museu de Arte Popular.
3.8. Selecção dos materiais da cultura popular: primeiras conclusões.
Capítulo 4 – A selecção dos materiais da cultura popular, II: um país de «camponeses estetas».
4.1. Processos de construção da imagem do povo português
4.1.1. «Enviar por caminho-de-ferro a grande velocidade».
4.1.2. Miniaturas e ornamentos: o retrato amorável da nação
4.1.3. O camponês esteta
4.2. O SPN/SNI e a etnografia portuguesa: raízes e percursos da celebração da arte popular portuguesa
4.2.1. Genealogia do estudo da arte rústica em Portugal.
4.2.2. Vergílio Correia e a Terra Portuguesa.
4.2.3. O Museu Etnológico e Luís Chaves.
4.2.4. Variações a Norte: Cláudio Basto e Emanuel Ribeiro
4.2.5. Novamente Luís Chaves: etnografia e exaltação nacionalista.
4.3. Modalidades de um encontro.
4.3.1. «A melhor descrição de Portugal terá de ser a etnográfica»: Chaves nos caminhos da acção folclorista do Secretariado
4.3.2. Uma comunidade sem cátedra e a vulgarização da arte popular.
4.4. Conclusão
Capítulo 5 – O quadro internacional da política folclorista do SPN/SNI
5.1. A nação enquanto alteridade nacional
5.1.1. Nações e «camponeses» nas exposições universais
5.1.2. Arte popular e folclore na primeira metade de Novecentos: um idioma de afirmação nacional generalizado
5.2. «O mundo não nos conhece»: o nacionalismo cosmopolita de António Ferro
5.2.1. Em Bucareste e Barcelona.
5.2.2. A nação vergiliana e o país de poetas: do Congresso Internacional da Crítica de 1931 às exposições de arte popular promovidas pelo SPN no estrangeiro
5.2.3. «Ser diferente na nossa época é a única forma de ser livre»: lirismo e imortalidade da nação.
5.3. Uma nação muito antiga e muito moderna.
Capítulo 6 – Política do gosto e nacionalização das classes médias.
6.1. Modernizar e aportuguesar a nação.
6.2. O projecto de transformação da fisionomia de Portugal sob a acção do SPN/SNI.
6.3. Campanhas do bom gosto: das ruas das cidades aos interiores domésticos
6.4. Arte popular e educação estética
6.5. Nacionalização das classes médias.
6.6. Nação e casa
6.7. Classes médias, nação e Estado Novo.
Conclusão
Bibliografia e fontes.
Anexos
Índice de Anexos
Anexo 1 – Discurso de António Ferro na inauguração da Exposição de Arte Popular (1936)
Anexo 2 – «Defendamos o Nosso Folclore!», por António Ferro (1937)
Anexo 3 – Discurso de António Ferro na inauguração do Centro Regional da Exposição do Mundo Português (1940).
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