Lá voltou a asneira de meter a língua no pavilhão da Exposição do Mundo Português. Mas vão-se trilhar.
"Governo confirma Museu da Língua Portuguesa em Belém" - Público, Última Hora:
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1379230
Se quiserem estudar um pouco o assunto (não é costume) pode-se ler:
Nº 35, ano V, 1948 (capa com pintura mural de Paulo Ferreira no Museu de Arte Popular), a revista do S.N.I.
E Luís Chaves, etnólogo e historiador, fazia aí mesmo, na revista do SNI, uma abordagem crítica da concepção do Museu de Arte Popular à data da sua inauguração.
Foto Mário Novais, 1940. O Pavilhão das Artes e Indústrias e Espelho de Água. Secção da Vida Popular. Exposição do Mundo Português.
Isto é um (notável) monumento do fascismo e como tal vai continuar mesmo que o desfigurem.
Em vez de se ocupar um edifício vazio - não faltam à beira rio -
destrói-se um testemunho histórico (incómodo, é certo) e um equipamento
museológico com óbvias potencialidades de atracção de público, o Museu de Arte Popular (de que se
anunciara a reabertura para 2006, depois de ter encerrado para obras
três anos antes).
O que atribui interesse ao edifício - a memória
arquitectónica e simbólica da Exposição do Mundo Português (foi o
Pavilhão da Vida Popular) - desaconselha que aí se situe um projecto
de museu da língua portuguesa desde logo contaminado pelas marcas
nacionalistas e colonialistas do regime anterior.
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Ver intervenção anterior sobre o mesmo assunto, de Abril de 2007, aqui: http://alexandrepomar.typepad.com
e também a OPINIÃO DE JOÃO LEAL E RAQUEL HENRIQUES DA SILVA em 2006:
"O Museu de Arte Popular é um testemunho raro de uma visão do mundo que é parte decisiva da
história recente de Portugal e da Europa. Toda a investigação
contemporânea sobre a "política de espírito" do Estado Novo tem paragem
obrigatória no MAP." http://www.e-cultura.pt
Público, a notícia de hoje:
Governo confirma Museu da Língua Portuguesa em Belém
07.05.2009 - 17h35 Sérgio C. Andrade
O Museu da Língua Portuguesa vai, afinal, ficar mesmo instalado no edifício que acolheu o Museu de Arte Popular, em Belém, e a sua instalação vai ficar a cargo da sociedade Frente Tejo, S.A.
A decisão foi hoje tomada em Conselho de Ministros, que a justifica dizendo que a intervenção visa “promover a requalificação do edifício do antigo Museu de Arte Popular, situado na Avenida de Brasília, reconvertendo aquele que foi originalmente o pavilhão da Vida Popular da Exposição do Mundo Português num inovador e contemporâneo espaço multimédia e centro privilegiado de promoção da língua portuguesa”.
A nova instituição, com a localização em Belém atrás referida, foi lançada pela anterior ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, em 2006, então com a designação de Museu do Mar e da Língua Portuguesa, num projecto assumidamente inspirado no museu congénere existente em S. Paulo.
O actual ministro José António Pinto Ribeiro, pouco tempo depois de tomar posse do cargo, confirmou a sua intenção de avançar com o projecto, mas, em Maio do ano passado, admitiu a mudança de localização. Uma hipótese que então colocou em cima da mesa foi a estação ferroviária do Rossio, no centro de Lisboa, invocando, precisamente, o caso do museu brasileiro, que está instalado na Estação da Luz, um interface de metro e comboio.
Mais tarde, Pinto Ribeiro viria a recuar para a primeira localização, que anunciou, por exemplo, na sua mais recente intervenção na Comissão Parlamentar de Cultura da Assembleia da República, no dia 8 de Abril, quando associou o Museu da Língua Portuguesa ao vasto plano de requalificação da zona de Belém, para onde está também projectado o novo Museu dos Coches, com projecto do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1379230
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E, além do controverso caso do Museu dos Conhes, também não é de esquecer o imbróglio do Africa.Cont, centro artístico africanista anunciado para a 24 de Julho. Ou antes, espera-se que esqueça...
"L’annonce de la création d’un Centre culturel d’art contemporain africain a soulevé un certain scepticisme à Lisbonne. L’influent critique d’art, Alexandre Pomar, a dénoncé la prétention à vouloir créer un «monstre» de toute pièce, à l’instar de l’Institut du Monde Arabe à Paris, mais sans ses moyens, ni ses capacités à créer l’événement. Une critique que rejette Fernandes Dias. «Nous ne sommes pas des naïfs, et j’ai parfaitement conscience des difficultés. Mais c’est parce que nous sommes Portugais, souvent critiqués pour notre apathie que je pense qu’il faut montrer une grande détermination. Les moyens existent, de même que la volonté de créer les synergies», affirme-t-il. Le Portugal a décidé de «repenser l’Afrique», de tisser de nouveaux liens avec l’Afrique. Cela traduit une certaine maturité, pense-t-on à Lisbonne. Mais ce nouveau partenariat est très récent, timide, et s’explique historiquement par le «retard» de la décolonisation portugaise qui a commencé vingt ans après celle des autres empires européens. Quoi qu’il en soit, Africa.Cont verra le jour en 2012. D’ici là, les instigateurs du projet promettent une programmation itinérante, éclectique et de qualité pour aiguiser l’appétit. Rfi.fr
http://www.lequotidien.sn
parece-me mais uma atabalhoada manipulação simbólica por parte dos governos que nos têm oprimido pela mediocridade desde há uns anos para cá. Se por um lado o bom tom obriga-os a afastarem-se do antigo regime, a própria tendência autoritária de tecnocratas de vistas curtas fá-los querer substituir símbolos passados que tiveram uma efectividade própria (concordo com a absoluta importância de se reconfigurarem leituras sobre esses testemunhos) por novas simbologias dubias de sentido, anacrónicas, desinteressantes e envergonhadamente submissas a um novo género de imperialismo em alguns aspectos mais miserável que o anterior. Se o imperialismo de quarenta corresponde a uma forma histórica que está encerrada no tempo e por isso poderá ser pensada sem riscos, o actual regime quer-se pôr também em bicos dos pés mas não vai para além das opções de marketing merceeiro (sem querer ofender os pequenos lojistas). Da arte popular das provincias para a cultura provinciana generalizada como encobrimento de novas formas de dominação.
Posted by: Gonçalo Pena | 05/08/2009 at 17:04
A "logica" da decisao tomada em Conselho de Ministros parece claramente basear-se numa questao utilitaria e de reabilitacao daquela zona (privilegiada) de Lisboa. Os interesses que deveriam ser salvaguardados: tanto a Arte Popular e o momento historico-politico do nosso Passado recente; e por outro lado, a Lingua Portuguesa, que e' um patrimonio nosso e de todos os Paises que a falam; foram completamente atropelados neste processo.
Sao o motivo, mas ao mesmo tempo um acessorio politico, que quer mostrar obra feita, mas nao sabe como o fazer.
Nao interessa apenas mostrar que se quer fazer alguma coisa na 'area da Cultura. Interessa, sim, que se pensem os problemas e se encontrem solucoes.
E os problemas tambem nao se resolvem com o refugio facil do papel da vitima.
Penso que a pressao para haver um Museu da Lingua vem do facto do Brasil se ter antecipado nesse aspecto e de se fazer ma' figura nas cimeiras da CPLP.
Se os mesmos politicos se congratulam pela classificacao da Unesco sobre as estruturas militares e coloniais que oprimiam os povos onde Portugal teve presenca, porque nao fazer alguma coisa por manter a memoria de uma manifestacao cultural criada num momento da vida portuguesa, sob um regime ditaturial?
Usar uma logica de substituicao, esperando que a memoria desse passado, se esvaia na presenca da Lingua Portuguesa, e' um atentado cultural e que dificilmente sera' recuperado.
Defender a Cultura que temos e' equivalente a comprar submarinos - e' um assunto de Defesa para qualquer Nacao, que se preze. Caso contrario limitaremos-nos a consumidores culturais, sem capacidade de accao no Mundo; de Cidadaos a Espectadores, do Mundo.
Como poderemos dar valor ao que existe agora, se nao tivermos um termo de comparacao com o passado? Ao podermos ter acesso aos artefactos dessa altura e 'as formas de socializacao ou estruturacao da sociedade desse outro tempo, talvez possamos entender melhor porque e' que se quis Democracia.
Posted by: Pedro dos Reis | 05/08/2009 at 20:25
Lá teremos mais uma inauguração de arromba e, passados um par de anos, um museu sem trocos para substituir lâmpadas. O que interessa é fazer, não importa o quê nem onde. E o espólio (excelente) do MAP, onde se expõe? Onde é estudado? onde serve a pesquisa de investigadores?
Posted by: Luisa | 05/09/2009 at 01:07
Olá Luisa. Neste caso do projecto da língua (com ou sem "Mar da Língua", como na versão de 2006), o museu seria virtual, multimédia e interactivo, como o de São Paulo na Estação da Luz: sem objectos, só lâmpadas. O espólio do MAP foi entretanto recolhido no Museu de Etnologia, que aliás chegou em tempos a ter a tutela daquele - mas de má vontade e sem consequências. Estará a ser ou já foi classificado. De 2006 a 2009 passaram 3 anos: agora estamos em eleições...
Posted by: ap | 05/09/2009 at 09:15
virtual? mais pensarão que 'poupam'...
Posted by: Luisa | 05/09/2009 at 11:40
É que já nem comento sequer a estupidez que é a "destruição" do MAP, uma das poucas memórias que sobrevivem da política cultural do Estado Novo, e que como tal deveria ser preservada e solidamente apoiada por uma correcta e isenta interpretação histórica e crítica da colecção, do período e das vontades que o construiram de maneira a, de uma vez por todas, se perderam os pruridos de falar sobre aquilo que na realidade, para o bem ou para o mal, foi meio século da nossa história.
Eu já só analiso isto segundo o espírito mercantilista segundo o qual se vê toda esta transformação da frente do Tejo/Belém e que arrasta os pobres dos museus portugueses atrás.
A cultura passou a ser vista segundo o ponto de vista do dinheiro que ela retorna à nação, e assim é vista esta reinvenção de Belém:
-ele há um espaço nobre da cidade que sobrevive sem contentores à frente do Tejo;
-uma linda vista do rio e do lado de lá com uma boa luz e um bom ar (embora as rajadas de vento de vez em quando sejam um pouco incomodativas);
-uns dois ou três monumentos dignos de cenário para a proverbial foto de grupo para melhor se recordar depois lá em Okinawa, Frankfurt ou Wiscosin;
-e uma concentração simpática de um conjunto diverso de acervos que quase cobrem todos os gostos: das pedras de Arqueologia às modernices das pinturas do comendador, passando pelos barcos da Marinha e pelos coches dos Coches, não esquecendo a CentralTejo para quem é tarado pela bricolage e a subida à Ajuda para ver como viviam os reis e as rainhas.
E entre as camionetas dos turistas a descarregá-los por ali em magotes ou os mais solitários que se metem à aventura, eles aparecem e gastam o bom do Euro, Llibra, Iéne ou Dólar entre as bilheteiras, as estupidamente compridas filas dos pastéis ou as manhosas lojas de souvenirs.
E daí o meu cada vez maior espanto com esta coisa do novo museu da língua no espaço do defunto MAP.
Quem é que são os parvos, quer no Ministério da Cultura propriamente dito, quer no da Economia (que actualmente manda em tudo, mesmo tudo) que ainda não se aperceberam que talvez os turistas (os tais do benvindo Iéne e Dólar) não se vão interessar muito por um bando de virtuais projectores interactivo-multimédiescos a debitar informação sobre uma língua que não é a deles mas que se passariam dos carretos a ver as tralhitas populares portuguesas, por muito que a verdadeira etnografia nos diga o quanto aquela visão é deturpada e manipulada, mas isso a eles não lhes interessa.
O que interessa é que depois da visita, a velhinha espanhola de leque em punho lá de Alicante iria comprar um lencinho de namorados; o jovem estudante polaco o galito de Barcelos para oferecer à mãe; e o americano gordo suado um tarro de cortiça para melhor guardar a bejeca. Não estou a ver nenhum destes (e são estes o grande volume do turismo) feliz e exultante a gastar o seu dinheirito no (já o estou a ver) magneto para o frigorífico com as "lágrimas de Portugal" do Pessoa; numa t-shirt estampada com a etimologia do termo bigode; ou numa reprodução da pala do Camões para o puto brincar no próximo hallowen.
Será assim tão difícil de ver?!
E depois, com o dinheiro que aí ganharem, façam lá o raio do Museu da Lingua Portuguesa noutro sítio qualquer e, tal como em São Paulo, despejem para o seu interior camionetas cheias de míudos das escolas que não pagam bilhetes e que bem precisam de ver/ler qualquer coisa sabendo que no final eles não irão gastar um cêntimo na loja porque precisam de os poupar para poder mandar mais sms aos amigos (talvez agora miraculosamente sem erros).
Posted by: carlos b | 05/09/2009 at 12:32