As pinturas murais do Museu de Arte Popular datam de 1947/48 e da criação do Museu sob a orientação do arquitecto Jorge Segurado, do pintor, decorador e fotógrafo Thomaz de Mello (Tom) e de António Ferro; não vêm da Exposição do Mundo Português em 1940 e do Pavilhão da Vida Popular. O lapso é frequente e também o terei reproduzido em nota anterior.
A comparação da grande e qualificada reportagem fotográfica incluída no álbum "MUNDO PORTUGUÊS. Imagens de uma Exposição Histórica. 1940", Edições SNI, 1956, com as ilustrações do nº 35 de "PANORAMA. Revista Portuguesa de Arte e Turismo", de 1948, também editada pelo SNI, que acompanharam a notícia crítica (muito crítica mesmo) do etnólogo e historiador Luís Chaves, não deixa margem para dúvidas quanto às diferenças existentes entre o edifício e o seu interior em 1940 e 1948.
pintura alusiva a Lisboa da autoria de Paolo Ferreira. Foto de Maria Luísa Abreu Nunes
Esse é mais argumento - e de primeira importância patrimonial e histórica - para se exigir a salvaguarda integral do edifício do Museu de Arte Popular com todas as suas intervenções decorativas pintadas e esculpidas, e igualmente com o programa museológico que lhe cabe desde 1948 - os quais são elementos inseparáveis de uma mesma unidade perfeita e raríssima. Trata-se, de facto, de um programa museal integral, de cunho modernista, muito mais qualificado do que se diz habitualmente, mesmo se desde o início foram formuladas reservas de ordem científica quanto à sua orientação museográfica, de ordem técnica, por vezes, e também de ordem táctica e de combate político.
Na realidade, não se tratou em 1948 de prolongar a exposição temporária apresentada em 1940 nos Pavilhões da "Vida Popular" (com aspas como se escreve no referido álbum), com o seu sentido mais propagandístico, conservador e folclorizante, e em especial com peças em muitos casos criadas para o efeito e de incerta procedência - ao lado de outras peças autênticas e também das que eram fabricadas por artesãos presentes no local. O confronto da documentação fotográfica revela que a arquitectura interior foi muito alterada e que se trata de um discurso expositivo e de um itinerário radicalmente diferentes, através de espaços, núcleos temáticos, soluções cenográficas, dispositivos de exposição e peças expostas totalmente novas.
pintura mural da sala do Alentejo, da autoria de Estrela Faria. Foto de Maria Luísa Abreu Nunes
O que alguns pretenderam destruir ou ocultar (com o chamado Museu Mar da Língua Portuguesa - Centro de Interpretação dos Descobrimentos, primeiro; depois com a recente ideia do Museu da Língua Portuguesa, "empurrado" pela alegada Sociedade Frente Tejo) não são os restos sobreviventes de uma exposição fascista (se o foi), mas um museu pensado no seu tempo de criação como moderno e com a qualidade muito rara de ter envolvido a colaboração decorativa e museográfica (os painéis murais não são meramente elementos decorativos) de um grupo significativo de artistas modernistas. Não serão essas obras as respectivas obras primas (se as têem), mas seria um crime absurdo a destruição, 60 anos depois, de um extenso e qualificado programa de pinturas murais bem características do nosso 2º Modernismo - e igualmente o seria a sua ocultação, protegendo as pinturas de modo mais ou menos seguro.
Segundo informações recolhidas no Igespar (ex IPPAR + DGEM), a salvaguarda do edifício do MAP incluindo os seus elementos decorativos está assegurada por ele se encontrar abrangido pela Zona de Protecção do Mosteiro de Santa Maria de Belém / Mosteiro dos Jerónimos. Tal consideração justificou que por Despacho de 28-11-2007 do Director do IGESPAR, I.P. se tenha revogado o Despacho de Abertura de um processo de classificação específico para o MAP com data 12-12-1991.
Sala das Beiras, com pinturas murais de Carlos Botelho e excelente mobiliário expositivo que será certamente de Thomaz de Mello (Tom). Foto Arquivo Fotográfico de Lisboa
O mesmo local durante a transferência das colecções para o Museu de Etnologia. Foto de Maria Luísa Abreu Nunes
Um Parecer emitido pelo IMC (já na situação criada pelo projecto da anterior ministra) referia que, estando o imóvel abrangido pela Zona Especial de Protecção do conjunto monumental de Belém, não seria necessária a sua classificação individual, devendo manter-se (apenas?) a "caixa" arquitectónica e as pinturas interiores. Consideramos hoje que as pinturas não têm só de ser mantidas mas têm de continuar (ou voltar a ser) expostas e que elas são parte de um programa museológico integrado e particularmente coerente, que não deve ser desfigurado no seu todo. A abertura de um novo Processo de Classificação deverá reforçar as garantias de salvaguarda.
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Nota Histórico-Artística incluida na ficha do MAP no site do Ippar
"Trata-se de um edifício situado junto ao rio que acolheu, aquando da grande Exposição do Mundo Português realizada em 1940, o Pavilhão da Vida Popular e onde, a partir de 1948 foi instalado, por decisão de António Ferro, o Museu de Arte Popular.
Projecto do Arquitecto António Maria Veloso Reis Camelo (projecto de 1938 e conclusão de obra 1940, apresenta volumetria que evidencia a existência de vários corpos de forma rectangular e quadrangular que se interligam no interior através de corredores onde podem ser observadas obras de pintura e escultura, integradas na arquitectura, de Tomás de Melo, Kradolfer, Carlos Botelho e Eduardo Anahory, entre outros.
O espaço museológico, onde se agrupam por regiões várias colecções de arte popular, é arquitectonicamente animado pela transparência de algumas das suas paredes, possibilitando a visão e o acesso ao meio envolvente."
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