Jornal de campanha 1. Por coincidência, parece que começa hoje a campanha eleitoral. A 1ª de 3. É a altura certa para começar a analisar como se repercutem as estratégias eleitorais e eleitoralistas nas políticas culturais e como se deve (como devo ou devemos, ver-se-á) responder em termos eleitorais ao que se afigura serem orientações erradas das forças partidárias concorrentes. Da minha, em especial.
Os casos centrados em propostas de novos museus são muitos e graves - e obviamente que se associam ao critério eventualmente legítimo de querer mostrar trabalho feito ou anunciar planos para o futuro. Aceitando o princípio de que a política se faz (se tem de fazer) assim, há que considerar que também está na nossa mão (individualmente ou em grupo) fazer pagar o voto que nos pedem. É uma questão de trocas.
Existem, entretanto, limiares de razoabilidade, de verdade, de correcção de propósitos e fundamentações a respeitar, quando se faz o eleitoralismo necessário para ganhar eleições. E mesmo por parte dos nossos amigos - ou em primeiro lugar por esses mesmos: a exigência deve ser maior. No caso da política de museus, estamos em plena situação de delírio imaginativo e de acumulação de erros estratégicos, no ímpeto de estratégias eleitoralistas (eleiçoeiras?) que não olham a argumentos, valores e competências.
Propaganda da Frente Tejo. Dinheiro do Casino contra os Museus
Aliás, é fácil ver que o delírio (ou será já demência?) vem muito de trás, e que apenas se agravou na preparação do calendário eleitoral. Temos agora os casos do Museu dos Coches, do de Arqueologia (com cedências absurdas ao Museu de Marinha a troco da Cordoaria - que por sua vez é um disparate grave em termos de respeito pelas características patrimoniais do edifício) e do Museu de Arte Popular, de que me tenho ocupado com mais insistência. Por parte da CML existe o caso leviano do Museu do Design e da Moda (MUDE) - Ex-Colecção Francisco Capelo e, já em parte fora da lógica de museu, o caso inquietante do gheto africanista de luxo chamado Africa.cont, à 24 de Julho. É demasiada fachada para quem fez muito pouco, se interessou muito pouco pelos museus e pela cultura em geral, durante 4 anos e durante 2 anos, quanto à CML de António Costa.
De facto, já tivemos antes o disparate de querer criar uma antena ou extensão do Hermitage em Lisboa, fruto de um passeio entusiástico a São Petersburgo, trocando os vermelhos bolchevistas pelos dourados dos czares, em conversão de novo-rico, e a precipitação de imitar o Museu da Língua na Estação da Luz em São Paulo num antigo local representativo da aliança íntima entre modernismo e folclorismo/etnografia, vestígio da Exposição do Mundo Português que por desorientação ministerial se recordaria no nome "Museu Mar da Língua". A falta de ponderação vem de longe, portanto. Para alguns, a atribuição (longamente esperada por cerca de uma década) do Centro de Exposição do CCB à Colecção Berardo, que foi directamente decidida por José Sócrates, seria mais outro erro do actual Governo; eu defendi essa solução insistentemente e considero que o seu bom fundamento está provado (em grande parte graças a Jean-François Chougnet, o seu director). É hoje o inquestionável pólo principal do circuito dos museus e das exposições em Lisboa, e criou na área da arte moderna e contemporânea uma situação por um lado inédita e por concorrencial face os critériosa seguidos por Serralves. Mas o protocolo assinado entre as partes foi uma surpresa para os advogados do comendador, que esperavam ter de ir à luta e ceder aqui e alí mas viram o negociador do Governo assinar de cruz...
Quanto ao Museu dos Coches, a argumentação de Raquel Henriques da Silva (não por acaso ex-directora do Instituto Português de Museus até 2002) - no programa Câmara Clara de 24 de Maio, em diálogo com José Miguel Júdice (ex-presidente da Sociedade Frente Tejo) - foi plenamente elucidativa de que esta é uma batalha errada em que o actual Governo se envolveu desajeitadamente, sem ter sido nunca uma batalha do actual ministro da Cultura, que começou por se distanciar do caso, atribuindo responsabilidades a interesses do Turismo e da Economia.
Para já, estão perdidos para o Governo os dois objectivos que justificavam e enquadravam o projecto do novo Museu dos Coches: o anterior (e actual) edifício já não está destinado a ser explorado como um picadeiro e a inauguração do novo edifício já não poderá acontecer por ocasião do centenário da República. Para já, aí já falharam. Porque não parar então para tentar responder à contra-argumentação dos especialistas em museologia (e dos próprios técnicos do Instituto dos Museus e da Conservação, forçosamente discretos) a respeito das erradas opções sobre o Museu dos Coches e das poucas qualidades do projecto arquitectónico? Está-se a tempo de mudar de agulha quanto ao destino do Museu e de rever o seu projecto, se já for impossível substituí-lo por um melhor projecto, talvez até do mm arquitecto.
Outras perguntas: havendo conhecidos defensores da proposta do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (que até diligenciaram um abaixo-assinado de apoio), porque se recusaram todos a comparecer no programa da RTP2, obrigando a avançar o referido J. M. Júdice, pouco ou nada informado sobre a difícil actualidade do dito projecto? Porque é que as autoridades competentes não disponibilizaram imagens do projecto arquitectónico e não deixaram filmar a maquete ou os estudos preparatórios (é a informação de que disponho). De facto, as deficiências do projecto aceite para o Museu dos Coches são gritantes - e estão agora a tentar corrigi-las rapidamente e na medida do possível em conversações entre técnicos do IMC e projectistas.
E por agora basta. Tratar-se-á aqui, a seguir, de analisar os casos referidos, de acompanhar as lutas em que estão envolvidos responsáveis e técnicos de museologia, historiadores e frequentadores de museus, e de ir tirando conclusões políticas. Para já, o horizonte, para alguém que ao longo dos últimos anos (18? ou 34? anos) foi sempre participando como activista ou agente e tb como jornalista (sem prescindir nunca enquanto tal do direito à intervenção partidária, pública ou confidencial) nos confrontos eleitorais - e em especial no debate dos programas para a cultura - é o de vir a dizer publicamente "Eu não voto neles".
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