Um dos principais argumentos de defesa do Museu de Arte Popular é a importância das pinturas murais instaladas no edifício - não as que decoraram o pavilhão da Exposição do Mundo Português em 1940, que eram um programa efémero e não subsistem, mas as realizadas expressamente para o MAP e muito bem integradas no projecto museográfico.
Essas pinturas têm sido divulgadas e brevemente comentadas em notícias individuais que aqui se sumariam:
4 de Paulo Ferreira na Sala da Estremadura: Lisboa; Terra Saloia; Ribatejo; Nazaré
1 grande painel "Minho, Caixa de Brinquedos de Portugal", de Tomás de Mello (Tom) e Manuel Lapa
e de Carlos Botelho, duas pinturas das Beiras
Estrela Faria, Alentejo
e a Sala de Trás-os-Montes com uma pintura mural de Eduardo Anahory e outra de Tom e Manuel Lapa, mais as muitas vistas do Douro a partir de desenhos do séc. XIX, sem atribuição de autoria,
e a seguir o Algarve, outra vez de Thomaz de Mello (a grafia sempre variou...) e Manuel Lapa (e vão dez)
e por fim o vestíbulo, a publicar.
Estado actual com as obras de requalificação de fundações e coberturas. Foto de http://museuartepopular.blogspot.com
Estas obras, individualmente e o seu conjunto, não parece terem sido detidamente estudadas e valorizadas como merecem, no contexto de uma história de arte que em grande parte foi também oposição política, até 1974, como se compreende, e que quase sempre conviveu mal e sem independência crítica com as obras simbólicas e a iconografia própria (ou associada) do regime de Salazar (há excepções, como os paínéis das Gares, o Areeiro...). A história da arte pensada como história de rupturas e não de objectos* ajuda a ignorância, tal como a atracção pelas classificações e etiquetas que se substituem à relação com as obras, além de que há uma enorme dificuldade de olhar e mais ainda de ver: lê-se e não se olha, ou olha-se mas não se sabe ou quer ver. Não sei se haverá remédio, porque os professores de hoje já aprenderam assim, e não podem ensinar outra coisa.
Como as Gares do Almada são de anos próximos (e de maior investimento e, em geral, de maior qualidade, mesmo se é prudente não exagerá-la) - o ciclo de dois trípticos e duas composições isoladas na Gare de Alcântara, de 1943-45, e o da Rocha com dois trípticos mais "modernos" (neo-cubistas e em diálogo com os neo-realistas: era o pós-guerra e os seus novos horizontes ideológicos), de 1946-49 - pode-se pensar num roteiro que inclua os edifícios das Gares e o MAP, pela margem ribeirinha (e haverá mais decorações pintadas noutros edifícios monumentais da área - associações navais de Belém a explorar, por exemplo).
Vários titulares de cargos públicos culturais (ministros, secretários "de Estado", directores) até pensaram em assasar o edifício (ignorando as pinturas ou desprezando-as, ou talvez transferindo-as de lugar, se possível) - o último foi o Carrilho quando queria dar a casa ou só o seu terreno já limpo para instalar a Colecção Berardo. Outros, como a Drª Isabel, tentaram dar-lhe outros destinos (ignorando ou desvalorizando as pinturas murais), e aceitaram propostas de adaptação que ocultavam as pinturas para sobre elas colocar paredes de exposição e ecrãns. Seria um crime contra a cidade e a história da arte - mais grave por ser cometido por um responsável pela cultura, levianamente considerado sem consulta a especialistas (se os há...) - mas seria também uma violação criminosa das disposições que protegem o património.
Apesar de ter sido arquivada com revogação a abertura de um processo de classificação do edifício do MAP (mas foi agora pedida a reabertura...), este considera-se incluído na Zona Especial de Protecção (ZEP) do conjunto monumental dos Jerónimos, e como tal protegido. A protecção inclui as pinturas e as decorações esculpidas, os frisos (?) e baixos-relevos e esculturas. Fica para já ao superior critério do Igespar (do seu director Elísio Sumaviele - amigo e companheiro de outros episódios - e dos seus técnicos e conselhos) avaliar se os projectos desenhados e concebidos por aquelas qualificadas empresas acima referidas respeitam ou violam a imprescindível conservação.
De facto - e de direito - as pinturas estão protegidas. Com o projecto lingual das empresas Frente Tejo e ARX - YDreams, ficariam salvaguardadas, diz-se, mas ocultadas, para se instalar um corredor de projecções e animações multimediáticas e mais ou menos interactivas. Claro que isso era colocar a conservação das pinturas em risco: emparedadas, não seriam objecto de tratamento, que algumas necessitam, nem de vigilância regular, e acabariam por deteriorar-se irreversivelmente.
Por outro lado, para se ser sério (e em questões de cultura convém ser intelectualmente sério no sentido de honesto, porque as Produções Fictícias e os Gato Fedorento tb são cultura; e até são arte, tb), salvaguardar o património deve ser interpretado como assegurar a sua visibilidade e exposição pública em permanência - excepto em casos em que tal desiderato prejudique de facto a sua correcta conservação (as provas fotográficas, os desenhos, por exemplo, não devem ficar expostos por longos períodos). Essa é uma das batalhas a travar, e parece ser uma batalha ganha, pq mantenho a confiança nas qualidades intelectuais e nos princípios democráticos dos actuais governantes, mesmo se às vezes se "precipitam".
* 1947-48 são anos de afirmação neo-realista e de contra-afirmação surrealista, o que mobilizou as atenções e cumplicidades dos historiadores de arte - que paradoxalmente se interessam mais por novidades e modas do que por continuidades e permanências (fazem uma história jornalística). O 2º modernismo das Gares e do MAP, e das pousadas, etc, o estilo do SNI, o modernismo elegantemente inspirado no folclórico (e menos na grandiloquência da história pátria...) estava então em pujante e final afirmação. Esses anos e já 1949 são muito marcados pelas questões da integração das artes, a grande decoração (a arte pública) e as artes decorativas (escrevi umas coisas a respeito desses anos, do ponto de vista do interesse pela tapeçaria). Em 1949, a EGAP dá grande relevo às artes decorativas ao mesmo tempo que o SNI organiza o seu 1º e único Salão de Artes Decorativas.
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