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É manifesta a proximidade (e tb a diferença relativa) entre a obra de José dos Santos e a de Franklim (Franklim Martins Ribeiro ou F. Vilas Boas, 1919-1968, Esposende) , que o Museu Nacional de Etnologia expôs em 1995, depois de ter sido pela 1ª vez apresentado por Ernesto de Sousa em
"Barristas e Imaginários: Quatro artistas populares do Norte" (Rosa Ramalho, Mistério, Franklin e o seu irmão Quintino), Liv. Divulgação, Lisboa, Maio-Junho 1964, num ciclo de Etnologia e Cultura Popular, realização das Associações de Estudantes (sic)
a que se seguiu "Quintino e Franklim Vilas Boas", Famalicão, Março-Abril 1968, integrada num "Ciclo de Arte Popular" promovido pela Secção de Artes Plásticas do Centro Académico de Famalicão <E.S.>
<sobre Franklim Vilas Boas ver Wikipedia> <ver tb As Idades da Madeira, IEFP 1997>

FRANKLIM, Museu de Etnologia - EXPRESSO, Cartaz de 06-01-1996
A produção de um escultor «ingénuo» revelado nos anos 60 por Ernesto de Sousa, num contexto cultural então marcado pela revalorização das figurações e das expressividades populares e marginais. A 30 anos de distância, quando já nenhuma possibilidade de mitificação envolve a criação popular, primordial, ingénua ou «bruta», essa mesma obra pode motivar outras interrogações decisivas sobre os sentidos das formas, sobre a necessidade de uma criação plástica irredutível à sua «tradução» conceptual. Alheia à vocação do Museu que a promove, por princípio distanciado da produção autoral e da relação estética para atender à norma e às linguagens simbólicas colectivas, esta exp. é acompanhada por um exemplar trabalho de investigação que o catálogo recolhe.
idem, 23-03-1996
A obra de um escultor popular, que se desvia da tradição colectiva para traduzir um imaginário próprio, povoado por seres de fantasia extraídos de raízes encontradas ou por entidades míticas reinventadas, é a oportunidade para interrogar a própria necessidade da criação, para lá (ou aquem) das regras de produção social ou culturalmente estabelecidas. A estranheza desta obra breve, descoberta em 1964 e encerrada em 1968, permanece actual, na sua «ingenuidade involuntária», como diz Ernesto de Sousa, num século que teve o «primitivo» como repetido pólo de procura. (ver artigo de JLPorfírio na Revista)

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Algumas outras exp. com catálogos:
Mistério, 4ª Feira Internacional de Artesanato, 5 a 14 de Julho de 1991, Instituto do Emprego e Formação Profissional.
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"Jaime e a sua Obra. Colecção Gérard A. Schreiner", Casa da Covilhã, Lisboa, Fevereiro 1993
JAIME, Casa da Covilhã, EXPRESSO Cartaz de 13-02-1993
Jaime (Fernandes) é um dos mais famosos exemplos nacionais da «Art brut», nascida da consideração como arte e consequente valorização das produções dos doentes mentais, no quadro de um interesse anterior pela arte dos povos «primitivos» que acompanhou a rejeição das tradições académicas. Nasceu em 1900, em Barco, Covilhã, e morreu em 1968, no Hospital Miguel Bombarda, depois de 30 anos de internamento por esquizofrenia. Começou a desenhar, a lápiz e esferográfica, já depois dos 60 anos, e os seus desenhos são quase sempre auto-retratos, ou imagens de animais onde igualmente está presente uma forte dimensão projectiva. Expõem-se — «é talvez abusivo expor Jaime» dizia João dos Santos, psicanalista, ao apresentá-lo na Gulbenkian em 1980 — vinte desenhos da colecção de Gérard Schreiner, galerista de Nova Iorque. Que o local de exposição seja uma antiga associação regionalista é mais um dos motivos de interesse desta iniciativa.
Ver tb: OUTSIDERS : AN EXHIBITION OF ART BRUT : THE GÉRARD A. SCHREINER AND JOHN L. NOTTER COLLECTION, Cardinal, Roger, introd.; Schreiner, Gérard A., comiss.; New York : Galerie Schreiner, 1988; 238 p. : il. color. ; 31 cm - Obra publicada por ocasião da exposição patente na Galerie Schreiner, de Abril a Julho de 1988 <Biblioteca Gulbenkian>
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António Peralta, Galerias Municipais de Arte Trem e Arco, Faro, Maio-Julho 1996 (textos de Carlos Barroco e José Luís Porfírio) / Galeria Novo Século, Lisboa, 1998
PERALTA, Novo Século, EXPRESSO Cartaz de 11-07-1998
António Peralta foi um marceneiro entalhador de Almoster que nos anos 70-80 trazia a Lisboa e vendia em lojas de ocasião ou bricabraque uns insólitos quadros-relevos. Carlos Barroco, coleccionador de brinquedos e curiosidades, descobriu-o e fez partilhar a descoberta, apresentando agora uma alargada série desses trabalhos, depois de uma primeira mostra que há um ano teve lugar nas galerias municipais de Faro, dirigidas por Manuel Baptista. Sempre inscritas em molduras trabalhadas, as obras de Peralta consistem em cenas domésticas que parece serem o comentário imaginativo de um quotidiano pessoal, ou composições de incerto sentido alegórico, sempre legendadas (o que em geral não torna mais viável a sua decifração). Usando pequenas figuras talhadas, placas de fórmica e fundos pintados, Peralta é um artista popular, ingénuo («naif») ou marginal, certamente associável à «arte bruta». Em projecto está o inventário desta obra dispersa por mãos conhecidas e também certamente por outras não localizadas, com vista a um registo e estudo desta produção original. (Até 20)

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"Encarnação Baptista, Desenhos e pinturas. Registos imprevistos para um traje imaginário", Museu Nacional do Traje, Julho-Outubro 1997
ENCARNAÇÃO BAPTISTA, Museu do Traje, EXPRESSO Cartaz de 5-08-97
É Lagoa Henriques quem apresenta esta artista popular, da Madeira, com mais de 70 anos, que dos motivos dos bordados passou ao desenho e à pintura, com singular originalidade «naive» ou ingénua — classificação que, aliás, o escultor não usa no texto que dá o título à exp., «Memórias transfiguradas. Registos imprevistos para um "traje" imaginário». A produção é recente mas muito extensa, disposta em séries de figuras sagradas, noivas, crucifixos, Meninos Jesus e Nossas Senhoras ou de «ressonâncias primitivas e transfiguradas», e sempre realizada com recurso aos meios sofisticados do pastel de óleo e guache sobre papéis de cor ou do óleo sobre tela. No entanto, é de uma prática extremamente primitiva da representação que se trata, em figuras rudemente estilizadas, frontais e em geral estáticas, à volta das quais se distribuem simetricamente formas vegetais e elementos decorativos (mas que só raramente se multiplicam para invadir toda a superfície, como sucede no horror ao vazio de alguma produção marginal). Nos seus trabalhos («o sortilégio mágico do "reaver da inocência"», se se quiser) é constante o uso de pontos brancos na marcação dos contornos sobre os fundos de cor, mas eles podem também preencher as formas e proliferar em vestes esvoaçantes ou halos/asas que envolvem misteriosamente algumas figuras. São as soluções gráficas usadas, de extrema concisão, e a inventividade do uso da cor, mais do que uma imaginação circunscrita a um formulário reduzido e repetido, sem teor narrativo, que fazem a curiosidade desta artista popular. (Até 6 Out.)

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Fernando Baraça ("Um barrista de cada vez"), Museu da Olaria , Barcelos, Jan.Fev. 1998 - é uma das muitas exp. levadas a cabo pelo Museu. Na mm série: Júlia Ramalho, 1997; Júlia e Emília Côta; Conceição Sapateiro; A família Baraça 1998; Mistério (filhos).
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"Vidas Ex-postas. Estórias bordadas por Maria Barraca", Museu da Guarda, 1999 / Museu do Traje, Lisboa, 2000
Maria Barraca, Museu do Traje, EXPRESSO Cartaz de 04-03-2000
Oriunda do Museu da Guarda, a exposição revela as «estórias bordadas» de uma mulher de Misarela, Vale do Mondego, nascida em 1933 - artista popular ou, melhor, integrável no conceito de «art brut», pelo carácter espontâneo e marginal de uma expressão que, nesta mostra, surge inteiramente identificada com a narração do martírio de Santa Bárbara, à qual se poderá atribuir igualmente carácter obsessivo e projectivo. A um primeiro caderno desenhado, de 1969, dedicado à lenda da Santa, segue-se mais tarde, e até ao presente, a transposição dos respectivos episódios para dezenas de pequenos panos bordados, integralmente recobertos como tapeçarias, em que utiliza linhas retiradas de peças de vestuário. O desenho infantilmente realista, a que se soma a narração escrita, mostra uma imaginação figurativa sempre contida, no limiar de outras profundidades psíquicas que não chegam a visitar-se. (Até Junho)

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E ainda, vinda do Brasil, uma colectiva
OS INUMERÁVEIS ESTADOS DO SER ( 40 anos de experiência em terapêutica ocupacional )
Fundação Gulbenkian, EXPRESSO, Cartaz de 17 - 12 - 1994
Uma extensa e muito interessante colecção de pinturas de esquizofrénicos, realizadas no quadro das práticas terapêuticas da psiquiatra brasileira Nise da Silveira e pertencentes ao Museu das Imagens do Inconsciente, do Rio de Janeiro, é exposta sob a dupla perspectiva da experiência psiquiátrica e da necessidade da arte, como expressões eventualmente paralelas de «regiões misteriosas que ficam do outro lado do mundo real» (N.S.). Acompanhando um muito reduzido número de doentes-artistas, revelados como artistas nas condições de internamento, não se pretende provar o carácter universal da criatividade, mas sublinham-se, em especial através de uma legendagem compreensiva, algumas componentes profundas da criação artística, como a irrupção do inconsciente, a profundidade dos mitos ou a oposição do caos e da ordem.
BIENAL DE VENEZA 1995 (art. "Veneza, Cem anos de guerrilha", EXPRESSO 17-06-95, extracto)
No pavilhão do Brasil,
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) é a revelação de um original criador «alienado», internado durante 50 anos numa colónia psiquiátrica. As peças bordadas que sintetizam memórias pessoais associam-se, como inventário do mundo e preparação meticulosa da morte, a outros objectos insólitos que são surpreendentemente próximos das montagens, acumulações e relicários da tradição erudita, mas que se vêem com um acréscimo de ingenuidade e aparente humor.
E aqui mesmo
http://alexandrepomar.typepad.com«Visões Paralelas — artistas modernos e arte marginal», de Maurice Tuchman e Carol S. Eliel"Visiones Paralelas / Parallel Visions", exp. do County Museum of Art. Los AngelesEXPRESSO/Revista de 06-Mar.-1993 (1 e 2)
...Aliás, esta e a anterior mostra do L.A. Museum («The Spiritual in Art») são um quase exacto contraponto a duas outras mega-exposições do MoMA:
«Primitivism in 20th Century: Affinity of the Tribal and the Modern», organizada em 1984 por William Rubin, e «
High & Low: Modern Art and Popular Culture», em 1990, dirigida por Kirk Varnadoe, ambos herdeiros do formalista Alfred Barr. (...)
mais um catálogo (sem texto a propósito - ver artigo de JLPorfírio)
Madrid, 27 Jan. a 2 Abril (Arco de 2006) Na Fundação «La Caixa»:
«Mundos Interiores al Descubierto», dedicada à análise dos possíveis paralelismos entre as obras de alguns modernos, como Egon Schiele, Klee, Max Ernst, Miró ou Tàpies, e artistas autodidactas, «outsiders», marginais ou doentes mentais, como Adol Wölfi, Henry Darger, Madge Gill e Sava Sekulic. Um tema que já fora abordado no Reina Sofia, em 1993, na exposição de Maurice Tuchman e Carol S. Eliel «Visiones Paralelas», vinda do Los Angeles County Museum of Art. A mostra actual (até 9 Abril) foi organizada por
Jon Thompson, da Goldsmith School, e irá depois para a Whitechapel de Londres e para Dublin.
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classificado em Museu de Arte Popular, embora me pareça essencial separar as noções de Arte Popular e de Outsider Art/Art Brut e outras - e a noção de autodidacta (self taught) não parece ajudar muito.
Mistério e Fernando Baraça / António Peralta / Franklim e José dos Santos / Encarnação Baptista e Maria Barraca / Jaime / vão ocupando posições diferentes no espaço geral da arte (sucessivas, talvez, num espectro que tenha por eixo a ideia problemática de normalidade) - e os dois primeiros, que se integram numa tradição artística específica (colectiva e local) fazem a passagem necessária para as práticas escolares (?) mesmo se não académicas ou eruditas.
Poderiamos pôr antes uma Louise Bourgeois, um Álvaro Lapa e um Clovis Trouille para alargar o leque e fazer mais justiça aos artistas populares.
Parece ser tudo uma questão de se ser mais ou menos idiossincrático, o que não resolve nada.