"Algarve - Colorido rodapé numa terra de lendas". As legendas são de António Ferro e figuram no fim do pequeno volume da série "Política do Espírito" onde se publicou o seu discurso da cerimónia inaugural, a 15 de Julho de 1948. O discurso é já um testamento político-cultural, onde Ferro torna claro o peso da oposição que enfrenta e onde tenta estabelecer a linha de coerência que, do seu ponto de vista, une o seu inicial vanguardismo estético à defesa sistemática da arte popular, das "raízes", como "fonte de inspiração para os nossos artistas" e "escola de bom gosto". Uma guerra que vai de 1935 em Genebra, na Assembleia da Sociedade das Nações, até ao MAP, passando por 1937 em Paris, 39 em Nova Iorque e S. Francisco (datas que comprovam uma actualidade cosmopolita), 40 em Lisboa (o Centro Regional da Exp. do Mundo Português, com as aldeias de que lamenta a demolição)*
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O "rodapé" vai de Sagres ao Guadiana, na decoração mural pintada por Thomaz de Mello (Tom) e Manuel Lapa, que "resume os elementos mais típicos da paisagem e da vida algarvia". Não é, não parece ser, um dos mais felizes núcleos picturais do edifício, o que não quer dizer que se possa admitir ("superiormente", diz-se) a sua ocultação - e neste caso o património está a precisar de ser restaurado...
Fotos www.matrizpix.imc-ip.pt, IMC, Fotógrafo José Pessoa, 2008
O itinerário ou guia do Museu editado em 1948 (e reeditado em 1963 num volume trilingue ilustrado por fotografias - enquanto os do ano inaugural, nas várias línguas separadamente, incluiam desenhos) referem os nomes na sequência indicada, mas a revista Panorama nº 35 publica dois estudos para as mesmas pinturas com a ordem inversa, o que parecerá mais certo.
Tom dirige o programa decorativo e assina grande parte das obras em parceria com Manuel Lapa. A diversidade estilística muito evidente no trabalho da dupla - a começar pela capacidade sintética e emblemática do painel minhoto, continuada pela composição alegórica dedicada ao Douro - é um dos dados intrigantes na abordagem desta galeria única. A comparação dos estudos referidos e da obra final com a pintura dedicada ao Minho é muito elucidativa. Enquanto nos desenhos as figuras se distribuem dentro do friso pictural segundo regras de profundidade espacial (sobrepondo-se e ocultando-se parcialmente), na pintura mural concluída a quatro mãos tendem a recortar-se com autonomia sobre um fundo liso (que nunca o chega a ser), enquanto na pintura do Minho as figuras isolam-se e preenchem por contiguidade um espaço contínuo e "abstracto", como sucede nos lenços bordados, levando a estratégia decorativa a uma radicalidade brincada ao mesmo tempo popular ou ingénua e mais moderna ou vanguardista.
A sala do Algarve fica entre o átrio central (a entrada no Pavilhão de 1940) e a sequência final Beiras e Ribatejo/Alentejo. Fica por visitar o vestíbulo, a entrada redesenhada por Jorge Segurado para o Museu.
*O concurso da aldeia mais portuguesa e em 47 o concurso de ranchos folclóricos (que decorreu "com o desconhecimento e a indiferença de todos", diz), as muitas exposições sectoriais no Estúdio de São Pedro de Alcântara - propondo-se "a transposição da arte popular para o plano decorativo" - e ainda o programa (em parte incompreendido) do Verde-Gaio, de 1940 a 50, são outros marcos desta longa campanha.
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