Aqui se dá uma sugestão desinteressada para ancorar o Museu da Língua, ou Mar da Língua ou como lhe quiserem chamar. Até já está em parte, num acesso lateral, decorado para o efeito com adequados elementos marinhos:
Antes de localizar a sugestão, tem de se concordar com a D. Isabel Pires de Lima, que o que é bom deve copiar-se e que o Museu de São Paulo é um grande êxito e, tanto quanto se sabe e se vê pelas imagens do site , tem um bom programa de actividades. Porque reuniu um conjunto auspicioso de factores que raramente convergem. Por cá não convergem em absoluto.
O Museu da Língua Portuguesa está localizado no centenário prédio da Estação da Luz em São Paulo, cidade com o maior número de pessoas que falam português no mundo (aproximadamente 11.000.000 de habitantes).
Marco histórico da Cidade de São Paulo, o prédio da Estação da Luz, com sua arquitetura inglesa do início do século XX, passou por um apurado processo de restauro e adaptação para receber as instalações do Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em março de 2006.
O projeto arquitetônico da adaptação das instalações é de autoria de Pedro Mendes da Rocha e Paulo Mendes da Rocha /... mas não valia a pena ter comprado além da ideia tb o arquitecto brasileiro para o Museu dos Coches.... ou a culpa foi do programa vago que lhe deram e saiu um tabuleiro-garagem sobre um baldio empedrado (sim a culpa foi do programa, pq nenhum arquitecto premiado arquitecta uma coisa tão má sem fortíssimas razões ambientais.) Adiante.
Parte substancial do sucesso do Museu da Língua resulta do seu lugar de implantação, uma estação multimodal, central e monumental. Daí que se justificasse plenamente, se outros motivos não existissem, ir ver se na Estação do Rossio haveria espaço bastante. Não havia.
Portanto, temos um primeiro momento em que uma ministra achou que tinha poderes para encerrar um velho museu que estava desde há seis anos (desde 2000) em obras, discretas, para reabilitar as suas instalações e ser reinaugurado. A srª não sabia o que fazia (felizmente tinha pouco dinheiro para gastar) e o projecto do Mar da Língua tinha tanta falta de senso como o franchising do Hermitage. Houve alguns protestos, mas de facto ninguém levou a sério o desígnio, ou a ameaça.
Quando entrou o ministro seguinte, deixou-se perceber que os disparates maiores estavam suspensos, que outros se procuravam corrigir (S. Carlos - mas outros se faziam, D. Maria), que o Hermintage esquecia-se e que para a Língua se procurava melhor lugar. Não há uma declaração do ministro a anunciar a salvaguarda do velho MAP e a sua requalificação museológica (entendia-se um cúmplice silêncio protector sobre a enormidade da colega), mas houve ambíguas declarações sobre calendários de obras e visitas ao Rossio que fizeram deputados e comentadores saudarem em coro e em público (sem serem desmentidos, por sinal) uma nova orientação - para a língua procurar-se-iam novos caminhos. Durante muito tempo, aquele lugar de Belém esteve esquecido, e outros se encarpelavam.
De súbito, numa imprevista reviravolta, o ministro retomou a ideia de desfazer-se do Museu de Arte Popular (museu mal amado por vários especialistas da antropologia e da etnologia, museu desconhecido de muito público, museu ignorado por uma história da arte livresca ou escolástica, museu esquecido pelo instituto dos mesmos, museu incompreendido pelas retóricas do antifascismo estratificado, etc, etc). Diz que não desdisse o que deixou perceber, mas de facto desenterrou um machado de guerra (um camartelo) que estava posto de parte. Não se percebe por quê a pressa dele, agora, que está em fim de mandato, e não terá nada para inaugurar, nem sequer uma primeira pedra. Não se percebe, em especial, porque é que a língua há-de devorar um museu que estava (quase) pronto a reinaugurar-se (faltava só um programa museológico que o requalificasse e contextualizasse, actualizando-o) em vez de se ir alojar em espaço vago e que estivesse adormecido à espera de um qualquer novo estímulo. A história está mal contada. Alí há facturas a apresentar, projectos que foram andando por conta própria, quando a ministra se esvaiu com a sua equipa barata (um arquitecto próximo e uns técnicos do Ministério, que deixaram nomes em penosa apresentação à Imprensa e marcas no Portal do Governo), e entrou em cena gente mais sôfrega de meios, uma YDreams chamada a inspeccionar a Estação do Rossio e que foi subcontratando humoristas e arquitectos. Gente ávida que tem contactos e pressiona, e lá apareceu a Frente Tejo para se prometerem verbas legitimáveis com a duvidosa rectaguarda de uma resolução do Conselho de Ministros onde se anunciam obras em casa alheia. Que não extingue o MAP e não cria o MLP (?), mas manda pagar qualquer coisa que não se percebe o que é (perceberá o Tribunal de Contas?). Há por aí comportamentos a rever neste novo contexto político inter-eleições, de maior severidade.
Vem então a propósito indicar um grande edifício há muito tempo à espera de préstimo, e que na Lisboa Oriental pareceu ter despertado por ocasião das promessas da Expo. Acolheu uma exposição e ainda ostenta uns peixes e aparentados que vêm desse tempo ou de mais tarde, não importa. Por acaso chegou a ser oferecido em condições muitíssimo vantajosas a um anterior ministro da Cultura que motiva equívocas saudades, e que, como era de pouco recomendável carácter, não deu sequência a uma ideia que não era sua, por não ser sua, e perdeu então uma grande oportunidade, a que o seu nome ficaria sempre associado. Na altura seria um depósito-oficina-aterier polivalente de cenários de teatro e dança, adereços idem, instalações e obras de arte, pelo menos; agora poderia sem dificuldade acolher o itinerário de ecrãs e projecções, imagens fixas, multimédias e muito interactivas que o programa da língua precisa.
É um conjunto edificado que data do início do século XX da autoria do arquitecto Nobre Júnior, a que foram adicionados, na década de 30, armazéns, depósitos e oficinas; deve ter a protecção fatal de uma qualquer declaração de interesse patrimonial, histórico e paisagístico que lhe prejudica em termos pecuniários a hasta pública e é especialmente de destacar a decoração com cachos de uvas nos frisos dos janelões circulares, janelões-toneis que também imediatamente relacionam o edifício com prazeres da boca, senão da língua. Trata-se dos armazéns de vinhos da sociedade Abel Pereira da Fonseca. Espaço não falta e necessidade de se encontrar alternativa ao estado de ruína também não (julgo que a ponte não lhe passa por cima - ou passa?). Falta-lhe uma estação intermodal para assegurar clentes, mas tem a vantagem de reanimar (sem destruir, espera-se) a degradada área de Marvila.
Ao contrário de quem quer concursos de arquitectura e debates públicos para todas as obras de regime, acho que quem manda (quem ganha eleições por maioria de razão) tem legitimidade para decidir e escolher. Assim se fizeram as obras do passado e assim se adiam, se bloqueiam as do presente. O figurino Roseta faz-se arrepios e acho que deixa os cidadãos à distância destas coisas ou causas, por fadiga e desconfiança (nada é mais viciável que um concurso e um júri...). O problema aqui não é haver uma ideia (a língua, com museu ou monumento), não é comprar-se um projecto, não é fazer-se uma obra. O problema é estragar-se o que existe, levianamente, para fazer outra coisa por cima, uma coisa que ninguém pediu. Sem que nenhuma fundamentação alicerçada em opiniões especializadas, sem que nenhum consenso técnico abalizado e acreditado, justifique a intenção de destruir. Façam o Museu da Língua noutro sítio.
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