O Ippar/ Igespar acaba de actualizar e ampliar a Ficha relativa ao edifício do Museu de Arte Popular que faz parte do seu Inventário do Património – já na sequência da reabertura do respectivo Processo de Classificação. NOTA: A 24 DE AGOSTO A FICHA DO IPPAR JÁ INCORPOROU AS REVISÕES OU RECTIFICAÇÕES AQUI SUGERIDAS.
Eduardo Portugal, 1940: A entrada monumental dos Pavilhões da Vida Popular da Exposição do Mundo Português - identificado na legenda da foto como "Pavilhão das Artes e das Indústrias", Arquivo Fotográfico da CML (em baixo, Etnografia e E. Portugal)
O edifício está agora “Em Vias de Classificação”, desde o dia 3 de Agosto de 2009. Um Despacho de 15-7-2009 do Director do IGESPAR, I.P. reabriu o processo; depois de um Parecer do Conselho Consultivo do IGESPAR, I.P. datado do mesmo dia ter proposto a reabertura, como foi aqui noticiado.
Consultar a Ficha do MAP em: http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=70949
#
Transcreve-se a seguir - na íntegra, com algumas notas de complemento e rectificação - a “Nota Histórico-Artística” relativa ao que o Ippar identifica como “Edifício do Antigo Pavilhão da Vida Popular da Exposição do Mundo Português, actual Museu de Arte Popular, incluindo os respectivos pátios e espaços ajardinados”. (1) O referido texto incorpora, entre outras informações, dados de uma outra ficha da responsabilidade da ex-DGEM (ver referência abaixo), transportando algumas das incorrecções que aí se incluem. Apesar das várias investigações recentes sobre a Exposição do Mundo Português e sobre o edifício do Museu de Arte Popular, respectivas colecções e história institucional, existem ainda zonas de sombra e dificuldades de síntese quanto aos temas que aqui convergem.
"Nota Histórico-Artística - O edifício do Museu de Arte Popular, em Belém, resulta da adaptação do antigo Pavilhão da Vida Popular, projectado entre 1938 e 1940 pelos arquitectos António Maria Veloso Reis Camelo e João Simões, integrado no conjunto construído para a Exposição do Mundo Português de 1940, e o único restante. (2) Na altura, o Pavilhão recebeu decoração de carácter efémero, ainda que assinada por alguns grandes nomes do
panorama artístico nacional, como os pintores e decoradores D. Tomaz de Mello
(Tom), Fred Kradolfer, Carlos Botelho, Bernardo Marques, Emmérico Nunes, José
Rocha, Estrela Faria, Paulo Ferreira e Eduardo Anahory, e os escultores Barata
Feyo e Henrique Moreira. (3)
O edifício, de tipologia "chã", possui uma gramática arquitectónica muito simples, acentuada pelos materiais construtivos utilizados, adequados a um pavilhão expositivo pensado para ser efémero. O conjunto foi construído em alvenaria rebocada e pintada, sobre estrutura de metal e armações de madeira e estuque, com detalhes em cantaria de calcário e ferro forjado. É constituído por diversos corpos rectangulares escalonados, com fachadas simétricas, apresentando jogos de texturas e decorações remetendo para a arte popular, a arquitectura vernácula e os matérias tradicionais - caso da telha, da cerâmica, ou da madeira, numa abordagem a um tempo modernista, e de cariz historicista. A sua implantação, junto do Espelho de Água de Belém e na vizinhança do Padrão dos Descobrimentos, obras coevas, acrescenta o interesse historiográfico e cenográfico da construção.
Após a exposição, e por decisão de António Ferro, director do SNI, foi aí instalado o MAP (inaugurado em 1948), com a adaptação do espaço entregue ao arquitecto Jorge
Segurado, que já colaborara na Exposição (como arquitecto das Aldeias Portuguesas). Segurado elaborou um projecto de museologia inovador, não apenas para o país, mas igualmente a nível internacional, garantindo as melhores condições expositivas para o excelente acervo de arte popular então reunido. O projecto agrega a
arquitectura, a escultura e a pintura num programa global modernista de boa
qualidade, que se apresenta sobretudo como um dos últimos testemunhos da
Exposição de 1940, bem como da ideologia que presidiu à sua criação. Sob a
coordenação do Secretariado da Propaganda Nacional, o conjunto de pavilhões da
Exposição reflectia a visão do Estado Novo de uma ruralidade mítica e muito
folclórica, imbuída de um forte historicismo paternalista, mas igualmente o
interesse que desde o início da centúria se fazia sentir na Europa pelo tema do
campo, da aldeia, e das tradições populares. (4)
O espaço museológico,
onde se agrupam por regiões várias colecções de arte popular resultantes da
recolha de peças feita para a Exposição de Arte Popular Portuguesa de Genebra,
em 1935 (5), é animado pela transparência de algumas paredes, que possibilitam a visão dos pátios e espaços ajardinados do exterior e a sua integração no olhar do visitante. As salas originais representavam as regiões de Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beiras, Estremadura, Alentejo, Ribatejo e Algarve. O projecto decorativo é do arquitecto, designer e pintor Eduardo Anahory. (6) Outros artistas que já haviam participado na empreitada de 1940 foram igualmente chamados para dar forma ao Museu,
nomeadamente D. Tomaz de Mello, que dirigiu a campanha pictórica, Carlos
Botelho, Estrela Faria, Paulo Ferreira, Barata Feyo e Henrique Moreira, aos
quais se somam os nomes do pintor Manuel Lapa e do escultor Júlio de Sousa. (7) No exterior foram mantidos os elementos escultóricos de Barata Feyo e Henrique Moreira, realizados para o pavilhão de 1940.
O conjunto sofreu diversas intervenções ao longo das décadas, incluindo a demolição de uma parte,
e diversas obras de recuperação, que não lograram deter a degradação que
conduziu ao encerramento do museu. (8)
Sílvia
Leite / DIDA- IGESPAR, I.P. /2009"
NOTAS
De facto, não existiu um "Antigo Pavilhão da Vida Popular", mas sim uma Secção da Vida Popular (constituída pelos vários Pavilhões da Vida Popular) que com as Aldeias Portuguesas integrava o Centro Regional. O Museu ocupou apenas os pavilhões principais, os vários corpos edificados a nascente, associados pela porta monumental e pelo átrio interior, que aparecem referidos em plantas e descrições da época como Pavilhões dos Transportes e Comunicações, Tecelagem e Doçaria, a Norte, e Pavilhões das Artes e Indústrias Portuguesas, a Sul. O farol ainda hoje sobrevivente estava adossado ao Pavilhão do Mar e da Terra, a poente, que nos anos 60 foi integrado num (ou substituído por um) extenso edifício anexo ao Museu onde existiram armazéns, oficinas e a Galeria Nacional de Arte Moderna (vítima de um incêndio a 20 de Agosto de 1981). Esse pavilhão ainda está registado em plantas divulgadas pela DGEM, datadas de 1980 e 1984.
(4) O “projecto de museologia inovador” que aqui se refere contou com um grande investimento na concepção do mobiliário e suportes expositivos, bem como na pormenorização das carpintarias, ferragens, puxadores de ferro forjado, etc, com autoria reconhecida de Jorge Segurado. Tomaz de Mello e provavelmente Paulo Ferreira terão desenhado também equipamentos expositivos (ver Andreia Galvão, 2003, pág. 399-403). De facto, o citado “programa global modernista” compreende a realização de uma “museografia cenografada”, integrada com a arquitectura, a escultura, a pintura mural e o que chamaríamos hoje o design, que se considera o último grande trabalho da equipa de pintores-decoradores do SPN/SNI. São dimensões a ter expressamente em conta no processo de classificação do edfifício do Museu de Arte Popular.
(5) A informação, incorrecta, tem origem na Ficha da DGEM. Depois da exposição de Genebra em 1935, há registos de recolhas realizadas para exposiçõoes posteriores - Estúdio do SPN, Lisboa, 1936; Paris, 1937; Lisboa, 1940 - e, em especial, da angariação e das compras e encomendas de peças destinadas expressamente para o Museu de Arte Popular (ver Vera Marques Alves, 2007, pág. 167-177). Como referiu Daniel Melo, “A mega-exposição de 1940 seria ainda continuada por um conjunto de exposições sectoriais ou temáticas: da aldeia de Monsanto (1942), das colchas antigas de noivado de Castelo Branco (1942), do trajo regional de Viana do Castelo (1945), de tapetes de Arraiolos (1946), de presépios (1947), etc. (…) o MAP, inaugurado em 1948, é o corolário lógico daqueles eventos”. (Ver Daniel Melo, 2001)
(6) Esta afirmação - também com origem na Ficha da DGEM - não surge documentada em nenhuma das investigações recentes e, como se diz logo a seguir, foi Tomaz de Mello – em colaboração directa com o arq. Jorge Segurado e com o etnólogo Francisco Lage (o responsável pelo programa etnográfico) -, que coordenou os artistas decoradores e a instalação da colecção, em substituição de Bernardo Marques, inicialmente indigitado para o cargo e habitual responsável pela equipa do SPN/SNI (ver Andreia Galvão, 2003, pág. 392).
(7) O escultor Júlio de Sousa realizou os dois conjuntos de baixos-relevos com cenas alusivas a actividades rurais e piscatórias das diferentes províncias (seis blocos, no total), colocados na fachada Oeste (Projecto de 1943 – encomenda da CAOPI (ZML), Comissão Administrativa das Obras da Praça do Império (Zona Marginal de Belém) documentada no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (ver Helena Elias, 2004).
É de registar igualmente a “Fonte decorativa, exibindo um conjunto de elefantes ao centro, sustentando uma espécie de taça no dorso e cabeças, assentes numa base quadrada”, que se encontra ainda no átrio exterior da fachada Oeste – trata-se de um projecto da autoria do arq. Cottinelli Telmo, de 1942. Os elefantes (em betão pintado) fizeram parte dos motivos decorativos da entrada dos pavilhões coloniais da Exposição de 1940 (Helena Elias, 2004).
A Junta de Bois, que ainda se encontra diante da fachada Sul, segue modelos de origem popular e parece ser também, segundo a mesma autora, da iniciativa da Comissão de Obras da Praça do Império (projecto de 1943).
As pinturas murais criadas expressamente para o MAP são da autoria de Tomaz de Mello e Manuel Lapa (representações do Minho, Douro e Algarve), Eduardo Anahory (Trás-os-Montes), Carlos Botelho (Beiras: dois painéis onde se percorre a região da fronteira ao mar, de Monsanto a Aveiro), Paulo Ferreira (Estremadura: quatro painéis dedicados a Lisboa, Terra Saloia, Ribatejo e Nazaré), Estrela Faria (Alentejo), Manuel Lapa (zona do vestíbulo, constituindo uma síntese das diferentes regiões). Acrescem, ainda na Sala de Trás-os-Montes, cópias do Mapa do Douro Vinhateiro da autoria do Barão de Forrester (1848), e das suas várias gravuras com vistas da cidade do Porto, de barcos e vários locais do rio. Todas estas obras estão disponíveis, desde 2008, em excelentes fotografias a cores, no site MatrizPix (http://www.matrizpix.imc-ip.pt) do Instituto dos Museus e da Conservação, embora, em geral, sem identificação de autorias e sem indicação das respectivas medidas.
Uma outra referência deve ser feita aos vidros gravados que se encontram nas portas de entrada do Museu (entrada redesenhada para o MAP, alterando a circulação no anterior pavilhão de 1940). Ignora-se se estes vidros preenchidos por motivos “estilizados” de inspiração popular e acertada eficácia visual datam da inauguração do Museu ou de uma alteração posterior. O seu autor é também ignorado (Tomaz de Mello? Ou já Sebastião Rodrigues, que por volta de 1948 começou a trabalhar regularmente para o SNI?)
Bibliografia
Daniel Melo, 2001, “Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958)”, ed. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Andreia Galvão, 2003, “A Caminho da Modernidade – A travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940)”, Dissertação de Doutoramento, Universidade Lusíada, Lisboa.
Helena Elias, 2004, “A emergência de um espaço de representação: Arte Pública e transformações urbanas na Zona Ribeirinha de Lisboa”, in On the W@terfront, nrº 6, septembro, Arte público / Espacio público, Universidade de Barcelona – disponível em http://www.ub.edu/escult/Water/waterf_06/W06_03.pdf
.
Vera Marques Alves, 2007, “’Camponeses estetas’ no Estado Novo: Arte Popular e Nação na Política Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional”, Tese de Doutoramento, ISCTE, Departamento de Antropologia, Lisboa.
Luís Filipe Raposo Pereira, 2008, "Museu de Arte Popular: Memórias de Poder", dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa.
A Ficha relativa ao edifício do Museu de Arte Popular, com diferente e mais extensa informação (mas parcialmente incorrecta) existente no Inventário do Património Arquitectónico da ex-DGEM, Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, desde 2007 atribuído ao
IHRU, Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (Ministério do Ambiente,
do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional), é acessível no portal Monumentos.pt
Ver (usando obrigatoriamente o browser Internet Explorer): http://www.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_B1.aspx
ou entrar em http://www.monumentos.pt, depois abrir "Sistema de informação" e preencher "Designação": Museu de Arte Popular
Comments