Anunciar uma bienal de arte - "Bienal Portugal Arte 2010" - nas vésperas das eleições não tem sentido político nenhum, e fora da campanha também não. Mesmo que sejam a EDP e as nossas facturas a pagar parte da conta. Nisso se juntam as Câmaras de Lisboa e Grândola (!) e uma entidade fantasma, a Associação Portugal Arte, que parece querer ser uma empresa de branding (?) incrustada num nicho de elegantes negócios fantasmáticos à Mouraria ("presidente": Miguel Carvalho; "Website Coming Soon"). A falta de jeito da coisa agrava-se com o anúncio de que a apresentação da alegada
bienal é precedida (em tempo: OU É A TAL BIENAL QUE SERÁ ANTECEDIDA? TANTO FAZ, A PROMOÇÃO É INEPTA) por um colóquio intitulado "Os Museus e a Cidade Contemporânea" para cujo programa se indicam dez nomes, oito de chamados curadores e dois de arquitectos, quatro portugueses e seis estrangeiros. As figuras nacionais, por ordem de importância, são Alexandre Melo (por sinal, o conhecido assessor cultural do primeiro ministro e também cúmplice do incerto João Rendeiro no fundo/colecção Elipse - mas vem só
referido como curador); João Fernandes - "curador (Fundação Serralves)", sic, que não precisava de se envolver nestas coisas (tem o museu para dirigir e já não ficava bem no Allgarve); mais o curador Delfim Sardo que está em todas, e o arquitecto Nuno Grande - esqueceram-se do engraçado assessor cultural do presidente da CML o pintor professor Pedro Portugal, Homeostético. De fora passeia gente do Palais de Tokyo, do MUSAC, da Kunstahle Zurich, etc. Discutir a relação entre bienais e cidades seria mais oportuno, porque é tudo questão de marketing (eleitoral neste caso); museus e cidades ficariam para ocasião mais séria. Mas vão fartar-se de coloquiar muito depressa a partir das 10h (!) e depois almoçarão bem.
Nós qualquer dia chateamo-nos com tanta displicência.
Aqui o muito convincente logo do evento, inventado certamente com a ajuda dos conhecidos curadores seguindo as regras do "cadáver esquisito"
"PS" 1: Uma Câmara que não tem verbas para fazer a Hemeroteca pagar a assinatura das duas revistas mensais de arte, a L + Arte e a Artes & Leilões (está à espera que um dia lá cheguem vindas do Depósito Legal), não está em condições de se meter em mais uma bienal. Já tem a de design e a trienal de arquitectura, e deixou cair a de fotografia que podia maior interesse social - para mais, as de arte contemporânea são hoje uma coisa demasiado controversa (ver "Biennials are big business", na categoria "leituras", aqui ao lado). Aliás, na área da cultura & artes era melhor passar a pensar antes de fazer - até porque o resto não tem corrido, em geral, demasiado mal. (Declaração de interesses: não apoio mas voto. E ofereço o slogan de boa vontade.)
"PS" 2: A seguir, mais um episódio da série Africa.cont, agora nas Tercenas. E em conivência com outros poderes.
Caro Alexandre Pomar,
Devia ter acudido ao divertido evento de apresentação da "bienal". Perdeu momentos inesquecíveis, só comparáveis ao lançamento, há uns anos, da Ellipse Foundation no Museu Vieira da Silva, quando o Ministro da Cultura daquela época enalteceu a importância daquela colecção para Portugal e as qualidades filantrópicas do banqueiro que a promovia.
Recordo bem esse dia e a pergunta que todos faziam no final da apresentação: "O que é isto?". Os anos passaram e a duvida manteve-se, até há pouco tempo.
Ora com esta "bienal" aconteceu algo de semelhante. Depois de presenciarmos um colóquio desconexo (parece que os oradores não sabiam que iriam falar para uma plateia, pensavam que a conversa se faria em privado, entre eles!), uns abraços repetidos à exaustão entre o empresário Miguel Carvalho, o presidente da EDP, o Presidente da Câmara de Lisboa e o Presidente da Câmara de Grândola (parece que o empresário tem por lá uma propriedade), todos se interrogavam no final: "O que é isto?!".
Entretanto, para tornar a coisa ainda mais colorida, no final da apresentação meteram o Chris Burden a disparar uma bala de canhão (parece que produzido pelo empresário Miguel Carvalho) para o Tejo, aí já com a presença do Ministro da Cultura, que desta vez, não sei se por ter estado em Conselho de Ministros toda a manhã, se por opção própria (eu preferiria esta tese), veio apenas para a performance do artista.
Isto fede por todos os poros e entre os "verdadeiros artistas" da manhã não estava o pobre Burden. Mas enfim, cá no burgo já nos habituámos às trapalhadas dos negócios disfarçados de cultura, e à inabilidade confrangedora dos políticos para lidarem com estas situações. Seguimos atentos.
Posted by: Desatento | 09/19/2009 at 12:56
Obrigado caro anónimo atento. É importante ouvir uma testemunha do acontecimento, já que deixou de haver jornais a acompanhar esta área, apesar dos seus pequenos escândalos que dariam pano para mangas. E de facto há que pôr algumas temas em discussão aproveitando a situação eleitoral, e mesmo que correndo riscos (repito: não apoio, mas voto). As coisas têm-se passado mal nesta área e já passavam antes - talvez pior no sector das artes ditas plásticas e contemporâneas, onde os públicos estão menos presentes e os agentes são mais vorazes (têm de viajar muito, têm vícios caros) - e quase tudo se passa entre inaugurações e os discretos coleccionadores-investidores.
Houve por aqui uma questão dupla de designação de absurdos assessores artísticos (em Lisboa e junto do PM, para além da vereadora e da ministra insuficientes, o seguinte parece agora ter recuperado um pouco do isolamento inicial). Na CML a situação degradou-se mais ainda com a incompatibilidade entre o assessor e a vereadora, enquanto outros iam dando palpites e trocando interesses. Os equipamentos ficam na miséria ou encerram ou não chegam a abrir (trata-se sempre de descurar os que vêm de trás e ter ideias novas, que os seguintes vão sabotar). Os meios que faltaram para a gestão corrente (bibliotecas, museus, etc - parece que para os teatros há alguns meios e as clientelas são mais presentes ou prementes) aparecem depois para eventos (e ventos). Deixou de se fazer política (não me refiro a política cultural) e chamam-se no final umas empresas para "auscultar" os que têm actividades na área e para produzir uns estudos sociológico-empresariais.
E a seguir como vai ser? O que se pode agora pôr em cima da mesa para que não volte a acontecer o mesmo? Será possível exigir um sinal de que se percebe que isto (a gestão da área da cultura) correu e está a correr mal e de que há possibilidade de mudanças? Necessidade de mudança.
Posted by: ap | 09/19/2009 at 14:04