“O edifício do Museu de Arte Popular, em Belém, resulta da adaptação de alguns dos antigos Pavilhões da Vida Popular, projectados entre 1938 e 1940 pelos arquitectos António Maria Veloso Reis Camelo e João Simões, integrados no conjunto construído para a Exposição do Mundo Português de 1940. (…) Após a exposição, e por decisão de António Ferro, director do SNI, foi aí instalado o MAP (inaugurado em 1948), com a adaptação do espaço entregue ao arquitecto Jorge Segurado, que já colaborara na Exposição (como arquitecto das Aldeias Portuguesas). Segurado elaborou um projecto de museologia inovador, não apenas para o país, mas igualmente a nível internacional, garantindo as melhores condições expositivas para o excelente acervo de arte popular então reunido.” - Ficha do Ippar, revisão de Agosto de 2009
O Museu que guardaria as peças de arte popular que se mostravam no estrangeiro e em Lisboa começara a ser referido como uma aspiração de António Ferro desde as primeiras iniciativas etnográficas do SPN (“um grande museu do Povo”, discurso de 1936, citado por Vera Alves, 2007, pág. 34), partilhando esse projecto com o de uma “grande exposição internacional de folclore” a realizar em Lisboa (artigo de 1935, cit. Vera Alves, pág. 29).
Num trabalho de Marta Ferreira publicado na revista Monumentos, editada pelo actual Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (ex-DGEMN), e intitulado “De pavilhão de exposição a museu (…), nº 28, 2008, é referido que a 12 de Dezembro de 1941 um despacho do ministro das Obras Públicas, aprovou o anteprojecto da adaptação dos pavilhões destinados ao MAP, assinado por Veloso Reis Camelo, constante de uma empreitada orçamentada por Cottinelli Telmo (40 mil escudos), sendo este arquitecto que tinha a direcção dos planos da Comissão Administrativa. O concurso público para a adjudicação da empreitada fora lançado em 6 de Dezembro (esta data é tb referida na ficha da DGEMN sobre o edifício do MAP). Segundo a mesma autora, a concretização do projecto iria prolongar-se até 1944, com um investimento de 1 333 217$00. Outros contratos firmados já em 1943, entre os melhoramentos previstos para a área desactivada depois da Exposição e para a instalação do MAP, diziam respeito aos baixos-relevos de Júlio de Sousa - ver Helena Elias, 2004 (pp. 66 e 108-9). Em ambos os casos, citam-se fontes documentais do Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, referentes àquela Comissão Administrativa. (Há informações menos correctas em ambas as investigações, mas neste ponto são convergentes e parecem fundadamentadas.)
Note-se que Duarte Pacheco morrera em 1943, e a CAOPI vai ser extinta em 1945. António Ferro assegurava assim a passagem do dossier MAP para a sua dependência directa; outros projectos então em curso, como o Museu das Recordações Centenárias ou o Museu de Arte Contemporânea (entregue em 1943 a Cristino da Silva) não teriam sequência. Em 1951 falava-se de um Palácio do Ultramar também para o lugar dos Pavilhões da Honra e de Lisboa, e em 1955 surgiu uma nova Comissão de Obras da Praça do Império que antecedeu as Comemorações Henriquinas.
Entretanto, também em 1944, publicava a revista Panorama (nº 20, com
data de Abril - duas págs. não numeradas) o artigo “O futuro Museu da Arte e Vida do Povo Português”, não assinado mas ilustrado por quatro “maquetas dos arranjos de arquitectura e decoração dos interiores do futuro museu” (fotografias de Mário Novais). Estava fixada a organização por províncias (mostram as salas 2 - Entre Douro e Minho; 3 - Trás os Montes; 5 -Beiras; 6 - Estremadura, Alentejo, Ilhas) e reconhece-se a criação de mezanines em algumas maquetas, embora a sua configuração seja muito diferente das soluções finais. Não se referem autores dos projectos, que
poderiam já contar com a colaboração de Jorge Segurado ou ser da autoria dos
decoradores do SPN/SNI. Segue-se um novo decreto-lei de 24 de Novembro de 1944 (34 134) que vem (re)organizar os serviços do recém criado Secretariado Nacional de
Informação, Cultura Popular e Turismo (abreviadamente SNI) e cujo artigo 22
diz apenas: “Incumbe ao SNI promover a fundação do Museu do Povo Português, que ficará funcionando como estabelecimento dele dependente.” No
mesmo ano, o museu chamava-se sucessivamente de Arte Popular (DL 33 820), da Arte e Vida do
Povo Português (Panorama) e do Povo Português (DL 34 134), retomando aqui a
designação usada em 1942 por Francisco Lage.
De facto, se a cenografia expositiva da Secção da Vida Popular de
1940 é totalmente diferente da que é criada para o Museu inaugurado em 1948, a
arquitectura exterior do edifício em que se agregam os pavilhões situados a
Nascente é mantida sem importantes alterações. Criou-se um claro sentido de
circulação dos visitantes, e uma nova entrada, a Norte, com a sua fachada
própria, com os três arcos redondos preenchidos por uma grelha e com o nome por extenso do museu. O pórtico
principal a nascente tal como o pórtico a poente foram encerrados com
caixilharia fixa, mas mantiveram a sua anterior condição monumental. A abertura
de novos vãos em volta de todo o edifício (mais notória na fachada principal
que perde os seus motivos decorativos – os “cossoiros” oriundos de tecnologias
têxteis) responde à necessidade de luz natural e mantém o mesmo modelo anterior das
janelas altas e as suas ferragens decorativas. A autoria das alterações exteriores para adaptação do edifício a Museu deve ser então creditada a Veloso Reis, até prova em contrário. Aliás, Veloso Reis - e tb João Simões - são arquitectos demasiado importantes para serem levianamente afastados da remodelação do seu projecto.
Entretanto, a ficha da DGEMN relativa ao Museu refere globalmente para os anos de 1941 a 48 a “intervenção realizada”: "estudo de consolidação; substituição das fundações das paredes com 0.40x0.50m por alvenaria de pedra rija; no solo uso complementar de estacas betonadas com comprimento médio de 3.00 m: 2 estacas na periferia e no eixo da fundação das paredes, 4 estacas nos cunhais das paredes, 1 estaca intermédia no eixo da fundação das paredes com 5.00m de distância entre montantes e intervenção ao nível das paredes exteriores, para remodelação para a nova
função". São intervenções que respondem à necessidade de dar solidez aos pavilhões certamente erguidos como edificações temporárias, e corresponderão ao primeiro período da adaptação, de 1941/42 a 44.
Historicistas e mais ou menos modernistas são com propriedade os pavilhões históricos e oficiais da Exposição do Mundo Português, e já muito muito mais tradicionalistas que modernistas são a Casa de Santo António e a área das Vilas Portuguesas, ou Bairro Comercial e Industrial, ambas de Vasco Regaleira, ou o Pavilhão dos Portos e Caminhos de Ferro, do próprio Cottinelli Telmo, todos eles desenhando uma involução na arquitectura da época.
BIBLIOGRAFIA
Francisco Lage, “’Museu do Povo Português’ (Etnografia e Folclore): Plano de Organização” – SPN, documento dactilografado, 15 de Outubro de 1942.
Jorge Segurado, “Museu do Povo Português. Memória descritiva e sugestão técnica da sua instalação” (18 de Abril de 1944 - documento citado Andreia Galvão)
“O futuro Museu da Arte e Vida do Povo Português”, não assinado, Panorama, ed. SNP, Lisboa, nº 20, com
data de Abril de 1944 *
Decreto-lei nº 33 820 de 28 de
Julho de 1944 *
Decreto-lei nº 34 134 de 24 de Novembro de 1944 *
Ficha de Inventário do ex-Ippar (2009) - http://www.ippar.pt
Andreia Galvão, 2003, “A Caminho da Modernidade – A travessia
portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de
complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940)”, Dissertação de
Doutoramento, Universidade Lusíada, Lisboa.
Helena Elias, 2004, “A emergência de um espaço de
representação: Arte Pública e transformações urbanas na Zona Ribeirinha
de Lisboa”, in On the W@terfront, nrº 6, septembro, Arte público /
Espacio público, Universidade de Barcelona – disponível em
http://www.ub.edu/escult/Water/waterf_06/W06_03.pdf
.
Vera Marques Alves, 2007, “’Camponeses estetas’ no Estado
Novo: Arte Popular e Nação na Política Folclorista do Secretariado da
Propaganda Nacional”, Tese de Doutoramento, ISCTE, Departamento de
Antropologia, Lisboa.
Marta Ferreira, 2008, "De pavilhão a museu. O Museu de Arte Popular (1940-1948), escola de bom gosto", Monumentos, ed. Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, Lisboa, nº 28, pp. 214-224.
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Arquitectos Veloso Reis e João Simões - Prémios Valmor
1931 moradia modernista situada na Rua de Infantaria 16, 92-94 (depois alterado), da autoria de Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970) e Veloso Reis Camelo, para o pintor Manuel Roque Gameiro. Foi o primeiro edifício modernista a ser premiado.
1942 edifício de habitação para rendimento na Rua da Imprensa, 25 de Veloso Reis. Edifício de expressão modernista com interessante volumetria das fachadas lateral e posterior
1945 edifício de habitação da Av. Sidónio Pais, 14, de Veloso Reis. (Estilo "Estado Novo", segundo José Manuel Pedreirinho, História do Prémio Valmor, Dom quixote, 1988, pp. 115/6)
1949 edifício de habitação na Rua Artilharia Um, 105, projecto de João Simões para a Companhia de Seguros Sagres. ("Caracteristicamente Estado Novo", idem pág. 105)
João Simões foi um dos fundadores do ICAT (1946) e um dos animadores do Congresso de 1948, co-autor com Hernâni Gandra, Castro Rodrigues, Celestino de Castro e Huertas Lobo do projecto de habitação social em altura para a Av. EUA, 1951-52, não aprovado pela CML (Ana Tostões, Os Verdes Anos da Arquitectura Portuguesa dos Anos 50, ed. FAUP, 1997.)
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