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Diário de Notícias, 5 de Dezembro de 1981
SNBA, "Objectos e desenhos", 30 de Nov. a 17 Dez.
4 e 10 Dez. 1981 Expresso Cartaz (notas)
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Expresso Cartaz de 7 Maio 88
MARIA BEATRIZ, Triângulo 48, "Pintura. Desenho. Colagem", de 3 a 34 Maio 1988
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Expresso Cartaz de 23 Fev. 91
MARIA BEATRIZ, Triângulo 48, "Pintura. colagem", de 7 Fev. a 2 Mar. 1991
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Expresso Cartaz de 15-05-93
MARIA BEATRIZ, Triângulo 48, "A Guerra no Meu Jardim - pintura colagem", 10 a 29 Maio 1993
Pinturas de guerra. M.B. deu à sua exposição a coerência de um tema — «A guerra no meu jardim» —, nascido sob o efeito sentido da Guerra do Golfo (na Holanda, com uma proximidade muito maior que o contacto televisivo da tranquila periferia portuguesa), e não como resultado de um propósito estratégico ou conceptual. Ou seja, a pintora propõe para a violência habitual das suas figurações, sempre de certo modo autocentradas ou autobiográficas, um motivo exterior — e por essa via recupera uma crueza que se atenuara nas exposições anteriores (1988 e 1991). Sempre a colagem, a figura recortada sobre papel ou tela; sempre a criança, mas de idade indefinida, solitária e dasafiadora, agora massacrada, destacando-se ou confundindo-se sobre um fundo sem profundidade, parede ao mesmo tempo árida e perturbada pela cor intensa; sempre o auto-retrato (Esta guerra sou eu) e uma pintura feminina em revolta com a passividade e a decoração. Regressando às figuras recortadas, a «instalação», M.B. retoma o modo de algumas das suas mais fortes obras (anos 70, exp. na SNBA em 82), mas num espaço físico que não a favorece. A reconsideração antológica do seu trabalho, regularmente exposto em Amsterdão, torna-se agora cada vez mais necessária.
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Expresso Cartaz de 25-05-96
"De Amsterdão a Évora"
Évora à luz holandesa" (colect.), Museu de Évora
De Amsterdão veio uma mostra colectiva que não tem, a precedê-la, a notoriedade de um comissário ou de artistas ditos internacionais. Tanto melhor. Cada participação, cada obra busca por si mesma, sem rede, o reconhecimento do público a que se dirige, e, em vez das imagens de marca que convém venerar, é da presença desprotegida das criações que se trata, como desafio, relação de risco e possível descoberta.
Nenhuma representação diplomática, nenhum circuito oficial ou de mercado chegou a Évora. Esta exposição é o resultado de uma admiração genuína pela cidade e pelo seu museu, consolidada por cumplicidades pessoais de gente que regressou ou se instalou na cidade, continuada por afinidades entre artistas que marcaram e marcam ainda a convivialidade própria de Amsterdão. O que decorre de tudo isso é uma reunião aleatória mas sempre consistente de nove artistas, cinco holandeses e quatro de diversíssimas origens, que expõem muito diversas obras, da pintura à instalação e à fotografia, e que nessa diversidade não buscam estabelecer-se como ponto da situação, afirmação de uma diferença colectiva ou programa previamente conclusivo.
Nas suas diferenças individuais, este é um projecto aberto, interrogativo sobre os múltiplos caminhos da arte contemporânea e que faz do diálogo com essa multiplicidade, sem concessões de qualidade, um meio acrescido de comunicação com o seu possível público. Comissariada pela Galeria Suzanne Biederberg e apoiada pela Fundação Mondriaan, esta é também uma exposição pobre, exemplarmente contra a corrente, embora se deva lamentar a exiguidade de um catálogo que não inclui dados curriculares sobre os artistas.
Nalguns casos, as participações são directamente referidas a Évora e ao seu museu, não por vontade de cumprir a regra geral das obras «in situ», mas porque tal podia ter um sentido produtivo nos regimes de trabalho próprios a alguns artistas. Mas cada uma das representações é sempre consolidada num corpo de trabalho suficiente para documentar uma prática criativa individualizada.
Destacam-se entre os artistas presentes, numa escolha obviamente pessoal, a portuguesa Maria Beatriz, instalada em Amsterdão desde 1970, com discretas exposições lisboetas em 1969, 1982 (SNBA) e 88, 91 e 93 (Triângulo 48), e também a grega Christina Linaris-Coridou (n. 1948) e o holandês Carel Lanters (n. 1950).
A primeira expõe um conjunto de retratos de Florbela Espanca, em que utiliza a pintura e o desenho, mas também a fotocópia (a cores sobre tela, numa série de 12 retratos de pequeno formato), a colagem e o bordado. Tentativa repetida do retrato, guiada pela imagem fotográfica e pela leitura dos textos, nela se investe uma extensa experiência da autofiguração própria como exercício de libertação e de aprofundamento de memórias, onde o recorte nítido das formas é sempre acto de humor e crueldade. No vermelho dominante reconhece-se o sangue de muitas vidas, a referência ao lugar e a força de um grito, que continua numa instalação de 1992, Brinquedos de Guerra.
Christina Linaris-Coridou, vinda de Atenas, trabalha com objectos encontrados, reutilizando e reconstruindo memórias com fragmentos de azulejos de Delft, cerâmicas, ossos, desperdícios. Os materiais podem ser bordados sobre panos, repetindo femininos lavores, ou organizarem-se como inventário, diário, catalogação de achados, todos eles, mesmos os mais insignificantes, promovidos à condição de vestígios recolhidos por uma arqueologia do quotidiano, relíquias em busca de um qualquer novo sentido. Um vestido de noiva bordado com desperdícios negros e brancos, nas suas duas faces, é directamente referido a um trágico casamento ocorrido em 1920 e ganha uma dimensão inquietante.
Com objectos encontrados e também com uma ideia de arqueologia contemporânea, diferentemente aplicada, trabalha Carel Lanters. Da «assemblage» o artista passou à produção de objectos moldados que se distanciam dos originais recolhidos e se dispõem em sequências de parede como absurda invenção; duas pequenas estatuetas romanas do museu servem depois de ponto de partida para a criação de moldes de bronze e de novos objectos em vidro, num trabalho que faz vacilar as fronteiras entre a referência clássica e o gosto «kitsch».
Essas mesmas fronteiras são também equacionadas pelo brasileiro Flavio Pons, que procede à encenação de peças encontradas nas reservas do museu de Évora numa instalação intitulada O triunfo do amor. Por seu turno, Christie van der Haak associa às obras de um desconhecido mestre flamengo do Museu de Évora uma série de Madonas recortadas sobre fundos construidos como um sistema complexo de padrões e fragmentos recortados.
Videos e fotografias de performances da americana Nan Hoover, vinda em 1985 à exposição «Diálogo», na Gulbenkian; uma sistemática pesquisa de geometrias padronizadas em computador com inspiração em símbolos celtas; fotografias da Indonésia e da Índia realizadas por Ferry André de la Porte; e pinturas de Maria Neefjes onde a composição abstracta se associa a ambientes e topografias concretas, como íntimas memórias de viagem, são outras participações, sempre positivas, na exposição de Évora. (Até 28 Jul.)
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Maria Beatriz, Gal. Palmira Suso, 1998, «De Vermelho», de 9 Maio a 27 Junho
Maria Beatriz, Casa da Cerca, Exposição antológica 1973-1998, 16 Maio
Maria Beatriz, Diferença, 1999, «Uma Carta da Holanda: as Batatas», de 8 Maio a 26 Junho
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EXPRESSO Cartaz de 30-09-2000
"Matérias vivas"
MARIA BEATRIZ, Gal. Palmira Suso, «Vita Brevis – Algumas Naturezas-mortas», de 23 Set. a 4 Nov.
Intitulada «Uma Carta da Holanda: as Batatas», a exposição parecia assumir o longo exílio voluntário da pintora e enfrentar a sua dupla situação cultural, entre Portugal e a Holanda, tomando de Van Gogh e do motivo das batatas nos seus mais antigos quadros o exemplo de «um exercício fundamental de pintura» e o «registo e expressão de uma lúcida crítica social e de sentimento de revolta». Escrevia-o Maria Beatriz numa breve nota que acompanhava a exposição, evocando a memória de um encontro que a marcara logo à sua chegada a Amsterdão, em 1970. A «carta» era mais um passo de uma obra vivida sempre como um diário e falava, por interposto Van Gogh, de antigas dificuldades de subsistência e de um caminho pessoal de resistência feito arte, aberto através da arte.
Van Gogh continua presente nesta nova série, nas batatas descascadas e nas botas que surgem entre os objectos representados (as couves, um pão, o casaco de inverno, a faca, os pincéis, etc), mas surge, em especial, directamente referido no vaso de girassóis com que culmina a montagem da exposição. É um quadro que significa um cometimento de rara coragem, que poucos artistas tentariam, conseguido com uma desenvoltura e um humor notáveis, na harmonia dos seus amarelos e vermelhos sobre o fundo laranja e no contraste vibrante do vaso ou balde azul onde as flores mergulham (revisitando a obra de Maria Beatriz descobre-se o mesmo balde azul no quadro Esta Guerra Sou Eu, de 1991, aí ocultando a cabeça de um possível auto-retrato – são trânsitos que adensam e enriquecem a aparente simplicidade das coisas exactas).
Quem conhece a já longa obra anterior de Maria Beatriz, que a Casa da Cerca, em Almada, reuniu parcialmente em 1998, recordará que a mesa – e também a tábua de engomar e o estendal da roupa – tinha uma presença essencial em desenhos e instalações que já vinham pelo menos dos anos 70. Lugar emblemático da autoridade e icomunicabilidade familiar, a mesa surgia como o palco de situações figurativas onde um corpo, o seu, parecia revoltar-se contra o destino doméstico e fatalmente feminino para se afirmar, se expor e erguer em liberdade. Na sua obra, que se iniciou na década de 60 pela gravura, com uma presença desde logo marcante, e que ao longo de 30 anos só pôde ser vista de modo esporádico, o comentário sobre a condição tradicional da mulher foi sempre um tópico central, investido com a crueldade e o humor necessários à conquista de um destino pessoal (mais recentemente uma outra dimensão de intervenção esteve presente em obras em torno do tema da guerra).
Nas mesas destas naturezas-mortas é ainda de intimidade que se trata, transportada na escolha dos objectos correntes e pessoais, deliberadamente modestos e femininos, enquanto o ponto de vista pouco elevado ou mesmo raso ao tampo da mesa diminui a distância do lugar de observação para acentuar uma implicação directa na «acção», ao mesmo tempo que a intensidade quente dos fundos vermelhos assegura a presença de uma viva dimensão emocional. Mais apaziguados e melancólicos que outros episódios anteriores, sem serem menos vibrantes por isso, estes quadros são ainda páginas de um diário. O «retrato irrisório de um dia a dia (o meu!), reduzido ao essencial», anota a artista.
Entretanto, se a pintura de naturezas-mortas foi tradicionalmente admirada pela habilidade com que se sugeria a fidelidade aos dados visíveis, Maria Beatriz afasta-se dessa lição holandesa e dos possíveis engodos do virtuosismo ilusionista através da exploração dos meios e matérias da representação-construção pictural. Ao contrário das suas obras mais distantes, em que preferia as formas recortadas e irregulares, instalados sem «fundos», os seus últimos trabalhos, desde a série de retratos e auto-retratos intitulada «De Vermelhos» (Gal. Palmira Suso, 1998), enfrentam a forma canónica do quadro com uma evidente determinação. De facto, se o quadro podia ser visto por uma artista da sua geração como uma outra condição da autoridade (também masculina, certamente), é o seu percurso de resistência que lhe autoriza essa outra apropriação, como mais um passo no aprofundamento do ofício de pintor(a).
Usando a tela de algodão, muito fina e absorvente, a superfície material da pintura constrói-se pela exploração de todos os recursos da aplicação da cor, informada pela muita prática da colagem e investida pelo gosto ou necessidade da intervenção manual (o pincel é apenas um dos muitos utensílios usados na pintura). Na diversidade das suas texturas reconhecem-se processos ora de estampagem ora de subtracção da matéria-cor aplicada em excesso, o desenho é recorte prévio das formas, criando uma sugestão ilusória de revelo, as grandes superfícies impregnam-se de cor, como panos tingidos, e a mão intervém directamente em dedadas visíveis. Mas nunca se trata de ostentação dos recursos e a extensão dos meios é também o gosto de uma contida pobreza artesanal, talvez quase uma prática de intimidade doméstica e feminina e sendo assim mesmo grande pintura. Por outro lado, Maria Beatriz é também uma pintora com cores próprias, com os vermelhos de uma explosiva sensualidade e a vibração das suas harmonias e dissonâncias, que circulam de quadro em quadro como se de um íntimo universo se tratasse, pessoal e cúmplice.
Se o tempo favorece a gestão fácil de carreiras brevemente emergentes e logo descartáveis, associando a rotação das estratégias críticas ao jogo dos investimentos coleccionistas, a obra de Maria Beatriz impõs-se com outro ritmo. O de uma obra seguramente construída no tempo, pessoal e maior. Rara.
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26 Jan. 2002 (?)
Maria Beatriz, CAM
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