Estava em preparação o programa eleitoral e de governo do PS para 2005-09.
Ainda fui a umas duas reuniões (de emergência) ao Largo do Rato, e a prioridade dos responsáveis era estabelecer uma lista de medidas para tomar nos 1ºs cem dias e de outras questões para intervenção prioritária. Entreguei um papel também apressado, pouco complacente com as conveniências dos discurso corporativos. Idália Moniz era à data a responsável pela cultura no Secretariado, mas teve outro destino.
NOTAS SOBRE A CULTURA DO PS
Impõe-se, numa situação <que é> de ruptura, um recentramento da reflexão e das medidas imediatas sobre o próprio funcionamento dos institutos e outros organismos, com a resolução de graves casos de acumulação de dívidas e paralisia de actividades, antes de se poderem equacionar as reformas de que alguns deles carecem. E antes de se ampliarem ou redefinirem os modos de intervenção pública no quadro actual da economia da cultura, cada vez mais reguladores e menos directamente intervenientes.
A situação é tanto mais grave quanto se assistiu em anos recentes a um incremento significativo de infra-estruturas e programações que exigiriam a ampliação constante dos recursos (sem esquecer que parte substancial desse incremento tem origem e é em grande parte sustentada por intervenientes alheios ao MC). Por outro lado, excessos de voluntarismo e também de grandiloquência quanto à eficácia social das artes geraram expectativas de crescimento exponencial do sector da cultura, em grande parte legítimas, sem se acautelar que essa ampliação imporia um entendimento crescentemente diferente das responsabilidades do MC enquanto entidade directamente financiadora.
2. Não se deve aceitar a habitual dicotomia entre património e criação, que estruturam conjugadamente o mundo da cultura e não se contrapõem enquanto pólos de intervenção prioritária ou de «apoios» alternativos do Estado. A regulação e preservação do património é responsabilidade directa e insubstituível do MC; a criação é individual e plural, livre e descentralizada, em geral insusceptível de ser planificada ou enquadrada por «políticas».
3. Se o apoio à criação contemporânea em geral é hoje uma responsabilidade partilhada pelo Estado, a lógica de um apoio generalizado a todas as áreas da criação só pode decorrer do não entendimento da sua diversidade essencial e das diferenças da sua inserção no actual tecido económico da cultura, aliás em transformação acelerada – das actividades tradicionais às indústrias culturais, da criatividade pessoalmente solitária às artes que exigem condições colectivas de produção.
O voluntarismo de Estado (como escreve Philippe Urfalino) interferiu com a orientação dos candidatos à vida artística num sentido favorável à confusão entre paixão e profissão. Como boa parte das profissões artísticas tem o seu apoio em fundos públicos, existem limites à sua expansão; o encorajamento, mesmo que indirecto, à profissionalização deve ser por isso cuidadosamente ponderado.
4. São nas áreas específicas do património (arquivos e bibliotecas, museus e património propriamente dito) que se situam algumas das mais graves carências actuais, em parte por efeito da deslocação de recursos para sectores que deveriam consolidar crescentemente as suas formas próprias de sustentação financeira mas que se constituiram como clientelas a que é preciso satisfazer, em nome de uma actuação que se julga dirigida para o público.
Entendendo-se os institutos ligados à criação como representantes dos artistas, numa dinâmica corporativa, e não como entidades reguladoras, as respectivas direcções, constituidas por funcionários das artes (comissários, críticos, etc), atribuem-se um papel orientador da criação e assumem-se como detentores dos mecanismos de reconhecimento dos méritos artísticos, acima das instâncias de avaliação política e de crítica. É uma lógica auto-centrada que tem limitado o acesso dos públicos à criação cultural e a credibilidade das políticas.
Alguns casos pontuais
Em termos muito imediatos, há que equacionar a situação dramática da Casa da Música, onde não se repetirá o «milagre» da Fundação de Serralves – a participação mecenática e regional no necessário orçamento anual de 2,5 milhões de contos será muito escassa e a resposta à situação criada ultrapassa a capacidade de decisão do MC.
Os grandes investimentos anunciados, mas não programados, para os Museus de Arqueologia e do Chiado têm de ser calendarizados à luz das restrições económicas actuais, tendo em atenção que, no segundo caso, eles já foram sucessivamente publicitados em 2001 e 2003, embora sem perspectivas efectivas de concretização a curto prazo.
A Capital Cultural de Faro (a partir de Março de 2005) enfrenta tais dificuldades de programação que certamente se justifica o gesto político de prolongar o seu calendário para um período de dois anos, acompanhando o seu curso por um exame rigoroso das condições de viabilidade e de funcionamento de tal tipo de iniciativas (iniciadas pelo ministro Sasportes).
Rever o projecto e o modelo institucional do Centro Português de Fotografia: separar arquivos sob tutela Torre do Tombo/Arquivos ; atribuir a responsabilidade pelos apoios à criação e difusão ao Instituto das Artes (salvaguardando a área não-artística da fotografia) ; preservar a identidade do CPF como galeria pública com programação própria, certamente num local menos vasto e dispendioso que a Cadeia da Relação. Devolver a Cadeia recuperada pelo arq. Souto Moura à sua história própria e à história do Porto. <só a 1ª parte se concretizou>
Na área dos museus é essencial que o M. do Chiado restabeleça a exposição pública da sua colecção do séc. XIX e XX em permanência (sem prejuizo de uma rotação relativa do acervo), dispondo de alguns espaços próprios para exposições temporárias. O escândalo do seu esvaziamento é um testemunho gritante do desnorte das políticas de cultura.
No caso de Serralves deve observar-se que a responsabilidade atribuída pelo Estado enquanto Museu de Arte Contemporânea, em situação de parceria público-privado, deverá também envolver a apresentação de uma colecção tendencialmente permanente – como sucede na generalidade das instituições estrangeiras congéneres e é próprio de uma entidade intitulada Museu (diferente de Centro de Arte, Galeria ou «Kunsthalle»).
Repensar a articulação do Centro Cultural de Belém com os museus do Estado no sentido de acolher as grandes exposições (segundo um modelo próximo do das galerias do Grand Palais de Paris) que são da iniciativa do Museu de Arte Antiga e do Chiado, que não dispõem de espaços próprios para o efeito – esse foi o seu desígnio fundador, depois inviabilizado pela sua relativa autonomia enquanto fundação, por uma absurda concorrência entre programadores e pela falta de direcção política das tutelas.
Afirmar o propósito de consolidar um acordo de exposição pública permanente da Colecção Berardo, eventualmente com intenção de aquisição. Coordenar um tal projecto com o CCB e/ou com a CML em função da possível aquisição do Pavilhão de Portugal.
Reavaliar a recusa de co-produção e itinerância das grandes exposições entre Lisboa e Porto que se pôs em prática em anos recentes, à revelia do interesse de um público que não se desloca com a facilidade com que o faz uma elite de críticos e comissários.
18-Dez-2004
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