O programa eleitoral e de governo de 2005-2009, em cuja redação não participou a equipa ministerial que surgiu na rifa por obscuras razões (a paridade, a "experiência" parlamentar da srª, etc). Idália Moniz era à data a responsável pela cultura no Secretariado, mas teve outro destino. (sorte dela)
Ainda fui a umas duas reuniões (de emergência) ao Largo do Rato, e a prioridade dos responsáveis era estabelecer uma lista de medidas para tomar nos 1ºs cem dias e outras questões para intervenção prioritária. Entreguei um papel também apressado.
II. Valorizar a Cultura
1. Um compromisso pela cultura
A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram <afinal a asfixia a gravou-se...>. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português <o tecido teceu-se razoavelmente sem o tal impulso político, no que diz respeito à criação e animação artística>. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Governo é qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza do património à criação, promovendo a sua coesão e as suas sinergias.
a) desenvolver programas de cooperação entre Estado e autarquias, que estimulem também o crescimento da proporção de fundos públicos regionais e locais investidos na cultura;
b) valorizar o investimento culturalmente estruturante, na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio (2007-2013);
c) rever e regulamentar a Lei do Mecenato, de modo a torná-la mais amiga dos projectos culturais de pequena e média dimensão;
d) alargar a outras áreas e, em particular, ao funcionamento dos organismos nacionais de produção artística, o princípio de estabilização de um financiamento plurianual. Ao aumento gradual do financiamento público da cultura deve corresponder uma nova cultura de avaliação permanente dos projectos financiados, tanto públicos como privados, designadamente a partir da experiência acumulada pelo Observatório das Actividades Culturais.
Em paralelo, desenvolver-se-á um programa de racionalização de recursos e qualificação da gestão no conjunto dos organismos com intervenção no domínio cultural, dependentes do Ministério da Cultura ou de outros ministérios, de forma a conseguir maior leveza na estrutura da administração e maior simplicidade e eficácia na relação com os agentes e os públicos culturais.
2. Favorecer o funcionamento em rede
As redes de equipamentos e actividades culturais são o melhor factor de consolidação e descentralização da vida cultural e de sensibilização e formação de públicos. A prioridade, na dimensão física, é a conclusão das redes já iniciadas: a Rede de Leitura Pública, a Rede de Teatros, a Rede de Museus e a Rede de Arquivos.
Estamos, porém, ainda muito atrasados na outra dimensão essencial das redes, como articulação dos equipamentos e serviços e dos seus programas. O Estado não pode nem deve substituir as autarquias e demais entidades proprietárias, nos custos de manutenção e funcionamento dos equipamentos. Mas deve criar programas de incentivo à qualificação dos respectivos recursos humanos e das respectivas programações. O Governo neste sentido criará um programa de apoio à difusão cultural, cujo objectivo principal será estimular a itinerância de espectáculos e exposições, assim como a circulação de informação e apoio técnico, no âmbito, designadamente, da Rede de Teatros.
A pertença a uma rede não é uma simples formalidade. Deve estar dependente da avaliação cuidada e regular do cumprimento de obrigações de serviço público, entre as quais se conta, sem dúvida, a formação de públicos. Por isso, todos os equipamentos dependentes do Ministério da Cultura e todos os equipamentos integrados em redes nacionais devem proporcionar programas educativos, dirigidos aos diferentes públicos, quer se trate de crianças, jovens, adultos ou cidadãos seniores. O Ministério promoverá medidas de facilitação do acesso aos diferentes bens e equipamentos culturais, a começar pela organização de um sistema de passes culturais que permitam o ingresso, em condições favoráveis, nos equipamentos de frequência não gratuita, nomeadamente, museus e monumentos. No âmbito das novas tecnologias e informação e comunicação será criado um portal electrónico próprio para a cultura, que potencie o desenvolvimento em rede das actividades e equipamentos culturais. Assim, será reforçado o investimento na colocação em linha de conteúdos designadamente da Biblioteca Nacional, dos museus e dos monumentos, e será criado um programa específico para apoiar a divulgação do nosso património literário e artístico em ambientes e suportes multimédia, contribuindo para o alargamento da produção e da acessibilidade pública a conteúdos culturais e incluindo o fomento de estruturas documentais na área das artes.
Favorecer o envolvimento de cada vez mais pessoas nas diferentes áreas e dimensões da prática cultural implica o recurso a diferentes instrumentos de política. O principal é, sem dúvida, promover as ligações reprodutivas entre as áreas da educação, ensino superior, ciência, inovação e cultura, muito particularmente através da coordenação das políticas de educação e de cultura, por via da generalização da educação artística em todo o ensino básico e secundário e do estímulo da cooperação entre as escolas e as instituições e agentes culturais. Entre outros instrumentos, é de mencionar ainda o estímulo ao voluntariado para as actividades culturais, que representará uma forma de envolver toda a comunidade na defesa e na fruição dos seus bens mais valiosos.
3. Esclarecer regulamentações e missões
O Governo concederá prioridade à regulamentação do quadro jurídico global sobre o património, aprovado nos últimos quatro anos, e à promoção da gestão integrada do património, sob a direcção do Ministério da Cultura. Concluir-se-á a construção do Museu do Côa. Dar-se-á um novo impulso aos programas de valorização dos conjuntos monásticos, monumentos e sítios arqueológicos, assim como às modalidades de gestão que envolvem parcerias entre o IPPAR e agentes públicos e privados, mediante contratos-programa e com criação de emprego local.
Dada a situação muitíssimo preocupante em que se encontram os museus nacionais e regionais, procurar-se-á resolver algumas das insuficiências crónicas em matéria de recursos e pessoal qualificado. A instalação do Museu do Douro e a realização das obras de qualificação noutros museus, com destaque para os de Aveiro, Évora, Machado de Castro e do Chiado, constituem a prioridade na área dos investimentos físicos. Paralelamente, intensificar-se-á o processo de inventariação do património cultural, com coordenação central própria. O Centro Português de Fotografia deve concentrar-se nas funções que já hoje são suas nos domínios do património e da produção, passando a área dos apoios à criação para a competência do Instituto das Artes.
Serão valorizadas as missões do Instituto Nacional dos Arquivos/Torre do Tombo e do Instituto Português de Conservação e Restauro. A política arquivística carece, contudo, de reorientação, transversal como é a todos os sistemas de informação de entidades públicas e privadas. Outro quadro normativo geral que pede revisão urgente é o regime de depósito legal, sob pena de se perder património precioso, nomeadamente em suporte digital. As funções patrimoniais da Biblioteca Nacional e da Cinemateca Nacional serão respeitadas, mas uma área hoje em défice merecerá atenção reforçada: a preservação e valorização do património fonográfico, com vista à futura criação de uma estrutura arquivística especializada neste domínio.No âmbito dos organismos nacionais de produção artística, a abertura da Casa da Música disponibilizará uma estrutura altamente qualificada que enriquecerá decisivamente o panorama cultural português. A sua gestão por uma fundação baseada na parceria entre Estado, autarquias e iniciativa privada garantirá o cumprimento dos objectivos de acolhimento das actividades musicais e o desenvolvimento de valências próprias de produção, dando particular atenção à relação com a comunidade e à formação de públicos. A Orquestra Nacional do Porto reunir-se-á à Casa da Música.
Nos Teatros de S. João, D. Maria II e S. Carlos e na Companhia Nacional de Bailado, a preocupação principal será devolver ou consolidar a autonomia financeira e garantir progressivamente formas plurianuais de financiamento e programação. Estes são os dois mais importantes instrumentos para uma gestão eficaz. Avançaremos, também, para formas de recrutamento e actividade das respectivas direcções artísticas que as tornem menos dependentes da lógica de nomeação governamental directa e mais distintas das funções de administração.
O Governo continuará a apoiar financeira e tecnicamente uma rede de orquestras regionais, revendo a legislação de enquadramento, e encarará como preocupação prioritária contribuir para que ressurja uma orquestra na região Centro. A mesma orientação presidirá à participação na Orquestra Metropolitana de Lisboa. A regulamentação da Lei do Cinema e Audiovisual far-se-á de modo a prevenir os riscos de confusão entre cinema e audiovisual e entre produção independente e produção das grandes cadeias de televisão, e bem assim valorizará a decisão de júris independentes e rotativos. Não estando em causa a constituição de um Fundo a partir de financiamentos específicos, é certo que isso não se fará à custa da menorização do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, nem da retirada de apoios públicos à criação cinematográfica.
Já no que respeita ao sistema de apoios às artes do espectáculo, importa rever o respectivo regime jurídico e organizacional, de modo a distinguir o apoio às estruturas independentes e o apoio a organismos públicos (mesmo que locais), separar o financiamento à criação do financiamento à programação, à itinerância ou à extensão educativa, e consagrar o princípio da avaliação por júris sempre que estiver em causa a qualidade artística dos projectos. Não será questionada a missão do Instituto das Artes, evitando-se descontinuidades indesejáveis, e proceder-se-á no seu quadro à consolidação dos apoios públicos às artes plásticas e visuais.
Não se pode, porém, empreender uma política de apoio à actividade artística, sem cuidar de intervir do lado das condições de formação e profissionalização dos artistas e das suas estruturas. O Governo promoverá medidas de sustentação do meio artístico nacional, abrangendo o ensino artístico, o secundário e superior, a formação profissional, o estatuto profissional e o modelo de protecção, bem como o regime de tributação dos instrumentos de trabalho, Será, designadamente, revisto o actual estatuto jurídico dos profissionais da cultura e definir-se-á um novo regime de protecção social, que salvaguarde, em particular, o trabalho artístico em regime liberal.
Em paralelo, a partir das Delegações Regionais do Ministério e de outros organismos públicos, como o INATEL, serão reforçados os apoios às actividades culturais amadoras, designadamente de carácter popular, na dupla perspectiva de preservação e valorização de tradições comunitárias e de fomento de uma prática de produção e recepção artística, geradora de novos públicos e agentes culturais. Entre esses apoios avultará a oferta de formação técnica e artística aos grupos de cultura popular.
Proceder-se-á à avaliação dos resultados das duas primeiras capitais nacionais da cultura, Coimbra e Faro, para equacionar os termos da continuidade do projecto. O mais importante é que actividades culturais regulares e sustentadas façam progressivamente parte do ambiente das nossas cidades - e, portanto, que estejam também no centro das novas políticas urbanas.
4. Livro e leitura, audiovisual - duas áreas de particular relevância
Sendo os objectivos de política pública transversais às várias áreas de expressão cultural, há contudo duas que requerem uma atenção acrescida: 1 - a área do livro e da leitura pela sua importância decisiva na geração de competências e gostos culturais, na acessibilidade do património e da criação e no fomento de cadeias de valor económico em torno da cultura; 2 - a área do audiovisual que para além destas razões tem uma posição de charneira entre a cultura e a comunicação bem como na afirmação internacional da língua e cultura portuguesas.
Prosseguir-se-á a cobertura territorial da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, tendo em atenção às necessidades diferenciadas dos municípios, de acordo com a sua dimensão e mantendo os concursos anuais O Programa Nacional de Promoção da Leitura será reforçado, beneficiando da cooperação entre bibliotecas públicas e bibliotecas escolares e chamando-o à agenda crucial da educação dos adultos. Na política da edição por organismos públicos, serão clarificadas a missão e as competências da Imprensa Nacional. O programa de apoio à edição de obras clássicas da literatura portuguesa será redefinido, acelerando-se o ritmo de execução e garantindo a difusão dessas obras por toda a rede de bibliotecas públicas e de bibliotecas escolares. Como os instrumentos essenciais de regulação do mercado editorial e livreiro são ainda hoje incipientes, procuraremos qualificá-los: referimo-nos a pontos como as estatísticas do livro, os reportórios bibliográficos ou o combate ao abuso da cópia privada. Quanto à área do audiovisual, importa não desperdiçar mais o enorme potencial nela contido, para a promoção e divulgação da língua e cultura portuguesas, assim como a capacidade instalada no serviço público da comunicação social, hoje muito desaproveitada. A chamada da RTP às suas responsabilidades no apoio ao cinema e ao audiovisual portugueses, quer do ponto de vista da produção, quer do ponto de vista da difusão, representa uma condição incontornável. Analogamente, a RDP tem potencialidades e responsabilidades próprias no domínio musical e da informação e divulgação cultural.5. Afirmar Portugal no Mundo
A cultura constitui um dos vectores principais, se não o principal, para a afirmação de Portugal no mundo. Em vários círculos e de várias formas: no espaço europeu, no espaço lusófono, na comunidade de todos os povos e nações. A presença regular de criadores e obras nos circuitos internacionais (feiras do livro, mostras de arquitectura e artes plásticas, festivais de cinema e de artes performativas...), a edição dos autores portugueses nos países lusófonos e em línguas estrangeiras, a promoção de co-produções, designadamente no âmbito da CPLP, de obras cinematográficas e audiovisuais, todas constituem esferas de actuação dos respectivos institutos do Ministério da Cultura. Mas devemos ir mais longe e propomos, por isso, uma articulação mais efectiva entre estes institutos e o Instituto Camões, assim como parcerias regulares entre os organismos de promoção externa da cultura e da economia portuguesas. Parcerias entre os Institutos e Organismos referidos e os seus congéneres de outros Países são igualmente desejáveis, visando de modo prioritário uma integração mais efectiva do espaço cultural lusófono.
Finalmente, importa que Portugal tenha voz activa nas organizações e actividades internacionais em prol da cultura, designadamente no contexto da União Europeia, do Conselho da Europa e da UNESCO.
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