EXPRESSO, Cartaz, Actual de 23-09-95
"Cultura: todos na oposição"
O que propõem os quatro maiores partidos para a cultura nos seus programas eleitorais
Para além das grandes definições abstractas e das promessas práticas, este é um sector em que todos os principais partidos se apresentam como oposição, incluindo o próprio PSD.
No programa social-democrata, é flagrante que a palavra «prosseguir» só é usada no caso da «política de melhoramento e valorização dos Museus existentes, bem como de criação e abertura de novos Museus, como espaços dinâmicos...». A outra única referência positiva a recentes «momentos altos da afirmação da identidade cultural portuguesa da qual resultaram benefícios reais para o nosso país» surge a propósito de iniciativas que não foram da responsabilidade directa da SEC, como as comemorações dos Descobrimentos, a Europália, a Expo'92 e Lisboa'94.
Torna-se óbvio, portanto, que já não foi a actual equipa governativa a encarregar-se deste capítulo do programa e que se o PSD voltasse a vencer assistir-se-ía a mais uma inflexão de política cultural, certamente tão drástica como a que ocorreu de Teresa Gouveia para Santana Lopes. No entanto, a demarcação do passado próximo só é explícita no caso do Teatro de São Carlos, para o qual se preconiza o «reexame integral dos modelos de financiamento e produção». Quanto ao Centro Cultural de Belém, o programa é mudo, apesar do seu peso no Orçamento e da falência da Fundação das Descobertas.
Sobre o tema do património diz-se genericamente que «carece de intervenções urgentes e especializadas». Sem menção directa ao IPPAR, atribui-se prioridade à «política de coordenação das diversas estruturas vocacionadas para a preservação e gestão dos mais variados núcleos desse património», privilegiando uma «perspectiva descentralizada..., flexível e desburocratizada» de colaboração com entidades públicas e privadas, mas «sem prejuízo da segurança dos bens a preservar».
«A questão da Língua Portuguesa», da leitura e do livro passaria, entretanto, a «assumir particular relevo entre as prioridades», prometendo-se a criação de uma colecção de clássicos e a elaboração de um dicionário. Não há referência ao preço fixo, mas fala-se de «apoio aos circuitos de comercialização adequados para o livro» e anunciam-se generalidades como «a adopção de medidas de estímulo de hábitos de leitura a nível familiar e escolar».
No campo do «apoio à criação artística», considera-se que é essencial «delimitar» a política da cultura «pela ponderação daquilo que não seria possível fazer-se sem a intervenção do Estado», com adaptação da lei do mecenato às «novas realidades culturais» (quais?) e criação «do instituto jurídico da 'utilidade pública cultural' a atribuir a associações com fins culturais de reconhecido mérito». Mas as promessas são sempre ingénuas: «promover a produção e o ensino musical, bem como a formação de músicos, numa rede que vise a cobertura do país, com grandes orquestras sediadas em Lisboa e Porto, e várias orquestras regionais»; «defesa do teatro como uma das mais nobres e antigas formas artísticas», ou mesmo... «todas as outras áreas de expressão artística ou plástica serão apoiadas, designadamente pela produção de certames nacionais e internacionais».
Por último, faz-se uma menção especial ao «papel indutor e o efeito promocional que a Expo'98 pode ter» e também às comemorações do Descobrimento do Brasil, no ano 2000 e com o Porto como «grande pólo dinamizador». A transformação do 2º canal da RTP num «canal cultural» é prometida no capítulo sobre a «Nova Sociedade de Informação».
Quem esperava que a «identidade cultural portuguesa» mobilizasse o PP contra a Europa, terá uma surpresa. O «conceito de espaço cultural europeu» é uma das ideias-chave do seu programa, «quer no que se refere à circulação de bens e serviços culturais, quer dos profissionais das artes, quer ainda à prossecução conjunta de políticas culturais».
É uma concepção liberal e tecnocrática que o PP propõe, apostado em substituir o intervencionismo do Estado pelas «regras naturais da oferta e da procura», mas prometendo «um período transitório, a fim de não criar problemas que possam provocar quebras abruptas na já escassa produção nacional» (admitem-se quebras graduais?). Dois outros conceitos — os de «indústria das artes» e de «máxima rentabilização cultural» — são também essenciais para a «profunda reforma» de uma área que «enferma de vícios estruturais agravados pela relação 'amedrontada'» dos Governos com os agentes culturais. Notam-se, no entanto, algumas hesitações quando o PP recusa ao Estado «a função duplamente degradante de 'cacique cultural'» e defende a sua presença «onde esteja em causa o interesse geral».
Na área do património (que se projecta «dialecticamente sobre o futuro»), aceita-se que «o Governo deve assumir-se como o principal responsável e financiador», embora apostando no «progressivo aparecimento de financiamentos e intervenientes supletivos». A prioridade é concedida ao inventário do património e à ordenação e informatização dos arquivos, mas quanto aos museus o PP é de radical originalidade, abrindo a porta às privatizações: «Ao Estado não cabe fazer museologia, mas sim proporcionar os meios humanos e técnicos que a tornem possível».
Já no caso do livro, é claramente intervencionista: defende «o apoio directo à edição portuguesa», através de subsídios, e chega a prometer «uma rede nacional de livrarias, em paralelo com a rede de bibliotecas». O IPLL voltaria a separar-se da Biblioteca Nacional, mas a questão do preço fixo não é referida.
Para «as restantes áreas», as do espectáculo, o PP defende que o Governo se institua como «financiador principal» de «um Teatro de Ópera, um Teatro Nacional, uma Orquestra Sinfónica, uma Companhia Nacional de Bailado», usando a seu respeito a inesperada expressão «unidades de produção». No sector do teatro «visar-se-á uma política global e harmonizada entre o teatro e a cultura...». No caso do cinema recorre-se ao «conceito de mercado europeu».
Entre as considerações finais estão a publicação do Código do Património Cultural, uma lei-quadro da música, uma nova lei do mecenato e «a devolução ao restaurado Instituto Português do Património Cultural das suas competências e atribuições» (com o regresso dos Museus e Arquivos?).
O PS apresenta um programa fundado na crítica da gestão Santana Lopes, na cooperação com o Ministério da Educação, «com vista ao reforço do ensino artístico», e também numa concepção de Cultura como «direito essencial dos cidadãos» e «serviço público». Reconhecendo os riscos desta última fórmula, multiplica-se em declarações de que «o Estado não pode nem deve monopolizar a vida cultural» e «o Governo não pode nem deve fazer tudo na Cultura», mas as tentações do dirigismo surgem nos modos de pensar a regionalização e o «verdadeiro mercado profissional da Cultura».
«As grandes infraestruturas indispensáveis à acção cultural» e «os grandes organismos estatais de produção artística» são, por um lado, reconhecidos como o nível determinante da intervenção do Estado; por outro lado, a «descentralização» é equacionada pela via do «estabelecimento de pólos regionais das grandes instituições de intervenção cultural do Estado», bem como da «desconcentração institucional, decorrente de uma rede de organismos tanto quanto possível ligeiros, flexíveis...». Ou seja, é a estratégia da extensão dos serviços centrais que se desenha e não «uma política concertada e global de protocolos de cooperação com as autarquias, as instituições culturais e o associatismo local», que antes se defendera para criticar o Governo actual.
É no capítulo dedicado ao teatro, à música e à dança, reunidos num único Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE), que aquele modelo colhe a sua inspiração, e em particular no projecto de «estabelecimento de Centro Regionais das Artes do Espectáculo fora das áreas urbanas de Lisboa e Porto». Entretanto, os Teatros Nacionais de S. Carlos, D. Maria e S. João, as Orquestras Nacionais e a Companhia N. de Bailado teriam autonomia institucional em relação ao IPAE...
O restabelecimento do Instituto de Arquivos, desligando-o da Torre do Tombo, bem como da separação entre o Instituto do Livro e a BN são decisões anunciadas, tal como o «reforço significativo do orçamento da Cultura», a reformulação do sector de Arqueologia do IPPAR e a instituição do preço fixo para o livro. Inédita é a ideia da dedução na matéria colectável do IRS de despesas de consumo de bens e serviços culturais.
Entretanto, o PS é o único partido a levantar a questão do CCB, atribuindo-lhe uma alínea própria entre as áreas de acção governativa. Aí se preconiza a «revisão do seu modelo organizacional» e o «reforço da definição do CCB como espaço privilegiado de articulação entre as grandes instituições estatais de produção artística e entre estas e os promotores culturais privados».
Nos domínios da música, dança e teatro, preconizam-se Centro Musicais, em que se integraria a «recriação» das Orquestras Sinfónicas de Lisboa e Porto; centros de formação musical, regionais e locais; a criação no TNSC de uma companhia portuguesa de ópera; centros coreográfcos fora de Lisboa e multiplicação de salas de ensaio devidamente equipadas; um Teatro Nacional no Porto, uma rede pública de Centros Dramáticos e outra rede de Casas de Cultura.
A subsidiação universal é também a regra: «generalização da concessão de bolsas de longa duração» para as artes plásticas e design, aumento das bolsas, subsídios a jovens artistas, comparticipação na instalação de «ateliers»; apoios à edição de obras de jovens escritores e ao aparecimento de novas feiras do livro; «estímulo e apoio aos projectos teatrais privados», etc.
Em termos institucionais, é defendida a extinção do IPPAR («criando um único e renovado organismo de tutela» — com Museus e Arquivos?), mas os casos do IPLL/BN e IPA/Torre do Tombo não são referidos, tal como passam em silêncio a Fundação de S. Carlos e o CCB. No sector do livro defende-se o preço fixo e a abolição do IVA. Curiosamente, o PCP declara-se interessado na «elevação do grau de apropriação nacional da cultura mundial», e dedica todo um outro capítulo do programa à defesa da «Multiculturalidade», defendendo que «a cultura e a sociedade portuguesas não são unidimensionais», mas «sim multirraciais e multiculturais». E se o PCP não actualizou ainda o seu discurso tradicional sobre a cultura, o programa inclui um capítulo inovador sobre a «Sociedade da Informação»: «o previsível desenvolvimento da revolução informacional» será «uma transformação prenhe de consequências positivas».
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