ARQUIVO
EXPRESSO, Cartaz, "Tribuna", 31 Dezembro de 1994
«Refundação da SEC»
No que à Cultura diz respeito, a saída de Santana Lopes, há muito anunciada pelo próprio e facilitada pela aparência de normalidade que a Capital Cultural proporcionou, não vem colocar apenas a questão da sua substituição. Do que se trata, para este ou outro Governo, é da refundação de uma Secretaria de Estado que foi sistematicamente desarticulada na sua estrutura orgânica, quase esvaziada de competências e paralizada na capacidade de gestão ordinária dos seus serviços centrais, regionais e sectoriais. As possíveis excepções serão relativas a áreas protegidas por Institutos dotados de alguma autonomia (Património-Museus e Cinema), sem que se deva também ignorar o efeito compensador da acção dos diversos comissariados independentes, os da Europália, Descobrimentos e Lisboa 94.
Cinco anos de contínua concentração do poder de decisão no Gabinete e na pessoa do secretário de Estado, de constante «dança» de responsáveis intermédios, de gestão casuística dos problemas e dos projectos (o que acabaria, aliás, por permitir a S.L. um assinalável à vontade de argumentação em terrenos que antes desconhecia por inteiro) tiveram profundas consequências na estrutura da SEC: a generalização do princípio da dependência pessoal a quase todos os lugares de direcção; a substituição das competências técnicas por um corpo instável e em geral anónimo de acessores, muitas vezes depois nomeados para a chefia de serviços; a instauração da lógica da subvenção pontual e arbitrária, em lugar da programação articulada e hierarquizada das estratégias.
O que poderiam ser apenas características ideossincráticas corrigíveis pela prática de um novo titular do cargo foi, entretanto, inscrito na própria legislação que alterou a orgânica da Secretaria pelas reformas de 92 (D.-L. 106-A/H, de 1 de Junho) e de 94 (nº 6, de 12 de Janeiro).
A primeira, entre outros acidentes, trouxe a fusão precária de entidades com vocações diferenciadas, como a Biblioteca Nacional e o Instituto do Livro, a Torre do Tombo e o Instituto dos Arquivos, com a desintegração do anterior IPA.
A segunda destruiu a estrutura funcional remanescente da antiga Direcção-geral de Acção Cultural, dissolvendo as suas atribuições pela Fundação de S. Carlos (decisão apenas nominal, excepto quanto à Orquestra Sinfónica); pelos dois Institutos das Artes Cénicas (vinculando os directores artísticos dos Teatros Nacionais à gestão dos apoios ao teatro independente, apesar da recusa de Carlos Avilez) e do Bailado e da Dança, o qual nunca passou de uma entidade fantasma, aliás de direito privado; e, por fim, pelo IPM, quanto às artes plásticas, mas sem eficácia tutelar, ou sequer negocial, em relação a Serralves e ao CCB.
A situação das Fundações criadas sem capitais ou recursos próprios, mas com uma independência formal de gestão (incluindo a fuga ao Tribunal de Contas e a fixação de salários sem comparação com a Função Pública) incompatível com a total dependência das verbas do Orçamento do Estado, é o outro polo de uma irresponsabilidade governativa insustentável.
É esse o caso das ficções jurídicas que são as Fundações de São Carlos e das Descobertas. À primeira o OGE de 95 já atribui a dotação directa de 1 milhão e 115 mil contos (mais 45,8 por cento do que em 94) e o CCB receberá 3 milhões e 125 mil contos, ou seja, mais do que a contribuição do Estado para a Capital Cultural (sem as obras do Museu de Arte Antiga). Os malabarismos verbais e financeiros com que se fez política não resistem à pressão da realidade.
Vai ser preciso traçar o mapa de um terreno desvastado antes de se pensar numa nova política cultural.
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