ARQUIVO, EXPRESSO, Cartaz, 14 Julho 1990, pp. 34-35
"SEC: OS ANOS DE OURO?"
(Após os primeiros seis meses de Santana Lopes. Da Europália'91 à Lisboa’94 e o resto)
É PROVAVEL que a modéstia nas intervenções oficiais sobre a cultura, nos últimos anos, tenha correspondido à exiguidade dos orçamentos disponíveis. Mas também é admissível que a grandiloquência demonstrada há poucos dias por Santana Lopes, ao anunciar o período de 90-94 como «os anos de ouro para a cultura portuguesa», vise, antes do mais, tomar posições para enfrentar com mais energia as próximas negociações sobre orçamentos no interior do próprio Governo.
O certo é que esses anos serão essencialmente preenchidos pelo cumprimento de obrigações exteriores a que o Estado português não poderia fugir por mais tempo sem deixar de satisfazer os compromissos mínimos do relacionamento europeu: a Europália em Bruxelas, em 91; o semestre de presidência do conselho das Comunidades, em 92; a capital europeia da cultura, em 94.
É um calendário de acontecimentos efémeros que impõe vastas acções e recursos (em especial nas áreas dos espectáculos e das exposições), que em si mesmo constituirão oportunidades positivas e factores de criação, mas que pouco alterará uma situação de carências e atrasos generalizados, sem que, ao mesmo tempo, ocorra a inclusão da cultura no quadro dos planos de desenvolvimento do país, a afectação de meios financeiros significativamente mais elevados, a clarificação de linhas estruturais de política cultural.
Tudo indica, assim, que os equipamentos e infraestruturas indispensáveis, como os auditórios, as orquestras, as salas de exposição, os museus correctamente apetrechados, etc., continuarão, no final dos «anos de ouro», a faltar; as políticas de apoio à criação e à difusão, manter-se-ão, para além das necessidades do momento, no seu habitual nível mínimo. O atraso cultural do país tenderá a medir-se cada vez mais por comparação com o que se faz nas cidades de província dos países próximos (com Las Palmas, Sevilha, Valência, Bordéus, etc), perdida definitivamente a possibilidade de disputar qualquer lugar entre os centros europeus.
«Um programa como nunca foi feito»
Santana Lopes, ao fazer seis meses de exercício de funções, anunciou em conferência de Imprensa «um programa como nunca foi feito». Se, aparentemente, nunca se terá prometido tanto em tão curto tempo, na realidade, o secretário de Estado amalgamou aquele calendário de celebrações com um leque disperso de medidas pontuais para todos os sectores que tutela, sem que pareçam impor-se claras perspectivas globalizantes, hierarquias ou prioridades. Às declarações de intenções em diversas áreas, muitas vezes excessivamente vagas, somam-se as promessas de iniciativas, indispensáveis e positivas umas, e outras que ora retomam programas já antes formulados ora se afiguram de exequibilidade improvável ou de alcance discutível.
Positivo é o anúncio do lançamento imediato de uma campanha de inventariação do património nacional, que deverá incluir os particulares, a Igreja e as autarquias e procurará salvaguardar a livre circulação de bens culturais a partir de 93.
A proposta de lei a enviar à Assembleia em Outubro para revisão da Lei do Mecenato, com especial incidência no domínio do património, será igualmente aguardada com expectativa.
No domínio dos museus conta-se o lançamento de um projecto piloto de autonomia financeira do Palácio de Queluz, ensaiando novas formas de gestão desburocratizada, e também a revogação do decreto que integrou o Museu de Arte Popular no Museu Nacional de Etnologia, reconhecendo justamente a diferença de objectivos das duas instituições e integrando o edifício de Belém num projecto de revitalização da zona ribeirinha.
Por outro lado, se parecem correctas as declarações referentes à maior abertura dos museus e monumentos às crianças e aos deficientes, já surgem como prioridades discutíveis os anúncios da criação de um Museu da Criança e outro do Cinema, ao mesmo tempo que o documento divulgado é omisso quanto à recuperação do Museu de Arte Contemporânea (já em fase de projecto com apoio da França) e ao lançamento efectivo do Museu de Arte Modema do Porto, há muito previsto para Serralves. Tal como ficou por fazer a clarificação sobre quais os equipamentos a situar no Centro Cultural de Belém.
Quanto a grandes projectos na área patrimonial, Santana Lopes destacou a recuperação do Palácio da Ajuda e zona envolvente (1) e a intervenção em Sagres como «prioridade cimeira», apoiando a instalação aí de uma Escola de Ciências do Mar. Por outro lado, preconizou a supressão da faixa rodoviária que liga o Cais do Sodré ao Terreiro do Paço e a recondução da Ribeira das Naus a «centro permanente de evocação da gesta dos Descobrimentos».
Também para a zona ribeirinha anunciou-se a criação de um centro de exposições temporárias das artes e ofícios tradicionais e a instalação de uma livraria de artes e espectáculos, aberta 24 horas por dia (!), na zona envolvente do Museu de Arte Popular.
Passando ao teatro e à dança, as intenções vão da aprovação de um novo regulamento de apoio ao teatro ao anúncio da realização anual de um ciclo «Verão da Nova Dança Portuguesa», visando a itinerância de grupos peIo país - quando se julgaria que a Nova Dança está ainda à espera dos primeiros estímulos à criação. Anuncia-se a redistribuição das verbas para o apoio ao teatro, destinando metade dos respectivos valores à recuperação de salas; o impedimento sistemático durante dois anos da desafectação de salas de espectáculos às artes cénicas ou ao cinema, assim como a recuperação faseada das principais salas de teatro e a promoção de iniciativas para recuperação do Parque Mayer. Sobre S.Carlos ficou a pairar uma ideia de encerramento temporário, para além da intenção de alterar o seu estatuto para o de uma Fundação com participação de capitais privados.
Por outro lado, Santana Lopes prometeu já, para 91 , entre 27 de Março e 25 de Abril, a realização, pela primeira vez, de um Festival Internacional de Teatro, divulgando importantes companhias estrangeiras e desenrolando-se em Lisboa, Porto, Évora, Coimbra, Braga e Setúbal, «pelo menos». (Ficou por referir que tal projecto não se fará à custa do estrangulamento de outros festivais existentes e à espera de melhores dias.) Sem horizonte temporal definido ficou o anúncio, sob a epígrafe «Teatro Novo», da exploração pela SEC de uma sala de espectáculos para apoio a novos valores e tendências cénicas.
O Congresso da Imaginação
Como intenção apenas esboçada surge o anúncio de que a arte equestre, o fado, o folclore e a música modema serão «novas áreas» de intervenção, mas foi já anunciada a realização de um «Grande Congresso da Imaginação» e a constituiçãode um novo departamento da SEC «dedicado exclusivamente à detecção e estímulo das formas inovadoras de criatividade».
São, neste caso, ambições tão vagas como as que estarão por trás de uma também prevista «semana dos artistas portugueses ausentes ou dos artistas portugueses universais» (para Junho de 91, em Lisboa) que daria «a conhecer ao público português a grande qualidade e mérito artístico de nomes, em grande parte, ausentes» (no sentido de radicados no estrangeiro). Ou tão fantasistas como um já anunciado programa anual de animação nas regiões fronteiriças, com início em 92.
As artes plásticas, sector de decisiva competição internacional na actualidade, surgem «contempladas» apenas com o anúncio de uma exposição internacional «de grande impacto», no Porto, em Junho de 91 , enquanto a fotografia é referida no caso da criação de uma colecção pública (já em curso desde 1989 e a expor pela primeira vez em Novembro próximo), da comparticipação na recuperação das novas instalações do CEF de Coimbra no Edifício das Caldeiras e na «edição de uma obra fotográfica sobre Portugal contemporâneo».
Os sectores do livro e do cinema contam na orgânica da SEC com departamentos próprios, cuja acção tem sido mais estruturada. Para o primeiro, Santana Lopes destacou o apoio às livrarias e a instauração do princípio do preço fixo; para o segundo, prometeu que «a Cultura assumirá, como lhe compete, um papel preponderante no Secretariado Nacional para o Audiovisual», além de se referir à promoção de uma sociedade de capital de risco destinada a financiar as produções nacionais e à privatização de uma parte do capital da Tóbis.
Dentro de mais seis meses, aprovado o OGE para 91, clarificados os projectos vagamente enunciados, ver-se-á se brilham os «anos de ouro» de Santana Lopes. (8440 c.)
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ver "Planos para a Ajuda" (projecto de Gonçalo Byrne), por J. Vieira Caldas, Cartaz 20 Jan. pág. 36.
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