Antes que acabe, já no domingo 1, vale a pena ver a montagem (ou exposição) apresentada no Museu do Chiado, cumprindo um itinerário que vai de Amadeo a Paula Rego (1962). (Eu já lá devia ter ido - a mostra vem de 2 de Julho, e até porque emprestei um quadrinho, - mas a verdade é que, sem especial interesse nem informações interessantes, fui sempre tentando evitar polémicas com os critérios da casa - e não é agora caso disso, só de alguns desacordos.) Com a extinção do Museu do CAM, grande parte destas e outras obras tem permanecido demasiado oculta e ignorada. Há aqui reencontros e também descobertas: obras em estreia, que alteram os discursos convencionais.
A primeira surpresa foi ver o Museu cheio de alunos das escolas - e disseram-me que tem sido assim desde que as aulas abriram, talvez a propósito do programa do 12º ano, pareceu-me ouvir. Museu deve ser museu, devia saber-se...Outra surpresa de "ARTE MODERNA EM PORTUGAL: DE AMADEO A PAULA REGO" é a inclusão da fotografia no itinerário, por exemplo alargando de modo significativo o núcleo do neo-realismo (que é em geral fraco, para além da fraqueza do movimento) com duas provas de época de Adelino Lyon de Castro (uma das quais, "Ex-homens", é uma obra exposta na 5ª Exposição Geral de Artes Plásticas, em 1950).
É curioso que não terá ficado qualquer memória (de época) ou registo crítico impresso que conjugue a fotografia com o neo-realismo, e certamente os pintores neo-realistas tê-la-ão ignorado enquanto arte apesar de a usarem e alguns a praticarem como documento iconográfico de apoio ao seu trabalho. A história que ia sendo feita em directo, nos textos críticos do tempo, não incluiu a fotografia neo-realista até 1956-58, por ocasião da exposição do livro de Victor Palla/Costa Martins, que a ele foi referido ou à sua continuidade genericamente realista.
A relação que não se terá feito à época (com a Maria Lamas de As Mulheres do Meu País, a grande obra fotográfica dos anos 40, como o Lisboa foi o grande livro dos 50; com Lyon de Castro e pouco mais que se conheça) pode agora ser estabelecida - cautelosamente. Note-se que está errada a data de "Ex-Homens", que em 1946 fora já exposto no Salão do Grémio Português de Fotografia (também na SNBA), e é um lapso a datação de c. 1950-59 de "Sem Destino", já que o autor faleceu em 1953 - será talvez de 46-47. (ver aqui, por exemplo )
Já antes no espaço do Museu (torcendo a cronologia), se incluem quatro obras de Eduardo Harrington Sena numa heteróclita galeria central onde se mostra a "abstracção geométrica" depois do capítulo Almada. É uma aproximação que sublinha bem o sentido formalista de alguma "experimentação" abstraccionista, ao transformar cenários industriais em jogos esteticistas de formas e de luzes. Não se tratará de historicismo (recriando a "estética do metal" da Nova Visão, refazendo o já feito noutro contexto, revivalista), mas de um projecto de recentrar a Arte Fotográfica nos anos 50 pela oposição ao documentário e ao testemunho da fotografia humanista e neo-realista do pós-guerra, na procura de uma "fotografia pura" assente nos efeitos específicos do medium e na negação do "tema" (Greenberg não está longe). Sediado na CUF do Barreiro, divulgador e animador dos foto-clubes, Sena fotografa a fábrica como forma "pura".
Adiante aparece Varela Pecurto, emérito salonista que ali se aproxima de Harry Callahan e Siskind, porque a informação norte-americana ia chegando a Lisboa e Coimbra sem atraso. Sena e Pecurto poderiam ser mostrados juntos, com vantagem; como sucede com o trio Palla, Afonso Dias e Gérard no fim do precurso, num forte regresso ao real.
Esta fotografia dos anos 40 e 50 que entrou na colecção de vários modos (sendo de destacar a doação do acervo de Adelino Lyon de Castro) consolida o trabalho levado a cabo no Chiado em anos recentes por Emília Tavares e mostrado em 1ª mão no Museu de Vila Franca de Xira. Aqui, para além de ser rever a história da arte de J.A.F tb se questiona a historia da fotografia de António Sena. Entretanto, talvez se deva pensar que, se é justa a entrada da fotografia, seria certa também a inclusão da gravura e da ilustração, para não se tratar apenas de fazer ascender a fotografia à condição de grande arte, a par da pintura, numa concepção tradicionalista.
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Depois da Galeria dos Fornos dedicada aos "Modernistas" todos, com ingenuismos e carreiras diversas, numa montagem compacta, sem lugar (felizmente) a substituir artistas por "movimentos" (cabiam mais com as paredes divisórias deixadas pelo arq. Wilmotte), não se percebe que a sala grande gaste tanto espaço com Almada e em especial com os estudos para as Gares, e que logo se exponha a chamada "abstracção geométrica", de Lanhas, Nadir e Rodrigo - que é posterior ao neo-realismo (nos 40 Nadir queria ser surrealista e Lanhas era um "pioneiro" isolado de escassa e hesitante obra - e Rodrigo seria depois engenheiro paisagista e pintor amador...). Todos eles presentes com muitas obras, em excesso.
É a seguir que se chega ao espaço neo-realista em cotovelo (lugar de passagem, o que é ideia acertada), onde está Júlio Resende por afinidade alentejana, não estética nem ideológica (aqueles alentejanos não são o povo neo-realista), e é presença insuficiente em função da importância da obra, em especial nos anos 50. (Deviam ser 5 Resendes por Rodrigo, por exemplo, para haver justeza de proporções.)
O surrealismo vem a seguir, claro, com muitos e variados e os grupos rivais e o isolado ou esquecido (ex-neorrealista, ex-tudo) há pouco tempo redescoberto - também em excesso: Jorge Oliveira com 5 grandes obras (Resende 1!), prolongando-se para a galeria seguinte, transformando-o numa figura axial, que não foi.
O último espaço é também algo diferente do habitual, e não só por via da fotografia. Aí aparecem com obras cedidas por particulares, pinturas dos princípios das carreiras de Nikias Skapinakis e Sá Nogueira, com retratos e vistas de Lisboa, de 53-56, que foram caminhos de grande interesse e expectativa inicial, antes de outras direcções nem sempre compensadoras. Ao lado de um Hogan de 52 (um só, não há mesmo sentido das proporções: 1 Hogan, 5 Jorge Oliveira!), matérico e materialista, "Casario de Lisboa". Há por aí pistas a revalorizar de futuro, contra a vulgata das "rupturas" dos 60. Nesse espaço, sumariado pela oposição "Figuração e Abstracção", domina a pintura-colagem de Paula Rego, "Self Portrait in Red", que afinal a transcende - o nº de inventário refere 2009, mas é uma aquisição da direcção de Maria de Lurdes Bartolo, vinda da Gal. São Mamede nos anos 70. É Paula Rego e não Rodrigo que encerra a sala e a mostra.
Trabalhando com a colecção da casa e também com peças solicitadas a vários proprietários, a montagem não está limitada pelos constrangimentos daquela e, por isso, as ausências ou as representações insuficientes devem ser vistas como arbitrárias e voluntárias.
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Há depois um gosto informativo de Pedro Lapa em textos de sala que vão motivando sucessivas alergias, mas (já) não importa - a mostra, por mais problemática que seja, tem inéditos motivos de interesse e esboça algumas revisões necessária à história herdada.
Por exemplo (mesmo sem ler por inteiro as prosas): "a década de 1950 é atravessada por uma clivagem entre figuração e abstracção, que de certa forma ocupara as discussões na Europa na década de 1930" - mas não se trata de modo algum da reposição da clivagem discutida nos anos 30; a tensão entre figuração e desfiguração, entre abstracção e não figuração (que são coisas diferentes), vai-se cumprindo sempre de diferentes modos, sem "conquistas" definitivas e sem retornos do mesmo;
os neo-realistas "ora se afastaram de uma temática marxista para procurarem um realismo exterior aos cânones naturalistas", ora... - o que será a temática marxista? o povo? só o trabalho rural? E o NR recusa desde o princípio os cânones naturalistas (com um desvio muito breve já em 53-54...).
"A prática figurativa deu continuidade a uma resistência à vanguarda herdada do Neo-realismo" - mas se o NR for considerado como uma vanguarda que raio de resistência é essa? Que vanguarda é aí referida, a da Escola de Paris?, a da Nova Objectividade? A vanguarda é oficial, canónica, ou cada um toma a que quer?
(continua)
Vi a exposição nesta tarde de Domingo, último dia. Compreendo que o Alexandre tenha achado excessivo o peso da representação de Jorge de Oliveira, dada a exiguidade do Museu do Chiado e também a exiguidade do modernismo português. Mas para quem, como eu, não tinha ainda descoberto as obras deste pintor, foi uma muito boa surpresa que vi com prazer, a par da "peça cinética" de Nadir Afonso.
Posted by: Roteia. | 11/01/2009 at 18:15