Arquivo EXPRESSO / Revista, 24 Novembro 1990
(Por ocasião de um colóquio internacional sobre o tema do museu de arte moderna promovido pela Casa de Serralves, num dos momentos mais conturbados da sua existência. ver cronologia 1979-1999 )
"Alguém disse MNAM?"
Casa de Serralves: não se sabe se, quando e como se fará o museu / Continuam a faltar todas as condições básicas para passar à prática as promessas feitas. Entretanto, inaugurava em Madrid o novo Rainha Sofia: cresce o abismo entre a miséria própria e as riquezas alheias
ENQUANTO, no Porto, um colóquio sobre o tema «museu de arte moderna» tornava evidente que não há qualquer solução para os impasses em que caíram o CAM (Centro de Arte Moderna), o MNAC (Museu Nacional de Arte Contemporânea) e o anunciado projecto de um Museu Nacional de Arte Moderna - e enquanto a SEC cometia a grosseria de ir anunciar a um museu por haver o seu interesse prioritário em lançar uma feira antes das próximas eleições -, a re-inauguração do Centro Rainha Sofia, em Madrid, já não é só o reverso de uma realidade pobre e caricata, mas a afirmação de um poderoso centro cuja atracção altera radicalmente as nossas próprias condições de informação cultural.
E se, para além desse centro, com o qual todo o propósito de competição é em absoluto irrealista, considerarmos que pela restante península se está a estabelecer aceleradamente uma rede de centros de arte e museus de iniciativa regional voltados para a criação actual (e não apenas nos domínios das artes plásticas), poderemos então definir ainda melhor o quadro de uma situação de progressivo isolamento numa periferia cada vez mais desatenta.
Será seguramente apenas no âmbito dessa rede que poderá pensar-se ainda qualquer projecto português, mas só quando o interesse por estas questões (que são também de ordem política e envolvem uma dinâmica conflituosa de reforço do centralismo de Madrid e de desenvolvimento descentralizado das periferias) ultrapassar o restrito âmbito dos respectivos profissionais.
Sem preocupação de exaustividade, anote-se o poder da «concorrência»: Instituto Valenciano de Arte Moderno - Centro Julio Gonzalez (IVAM), aberto em Fevereiro de 1989; Centro Atlântico de Arte Moderna (CAAM), inaugurado em Dezembro de 1989, em Las Palmas, Canárias; Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona (a abrir em 1992); Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela (a construir com projecto de Siza Vieira); os previstos Centro Extremeño de Arte Moderno (CEAM) em Badajoz e Museo Vostell-Malpartida, em Cáceres; o provável Centro Andaluz de Arte Contemporáneo em Sevilha, para além das Fundações Miró e Tàpies, ambas em Barcelona, e outras de iniciativa privada.
É por isso que a intervenção mais positiva feita na Casa de Serralves foi a de Eduardo Lourenço, embora não se tivesse referido a museus nem a arte contemporânea: ocupou-se apenas em reflectir sobre Portugal e a cultura europeia, justificando a exterioridade relativa que permite falar comummente em «nós e eles». E. Lourenço procurou as remotas razões dessa distância (da precoce nacionalidade às barreiras erguidas pela Contra-Reforma, etc.) e, se acentuou que os Pirenéus foram em diversos períodos históricos a linha divisória face à Europa, acabaria por deixar em aberto a hipótese da alteração recente dessa fronteira.
O Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (inaugurado em 1983) é uma colecção particular em que dois possíveis núcleos museológicos, os de Amadeo e de Vieira da Silva, se dissolvem por entre os reflexos circunstanciais do trabalho mais ou menos aplicado dos bolseiros da Fundação e algumas aquisições de obras desgarradas, tudo reunido num edifício imprestável - Sommer Ribeiro reconheceu-o. O MNAC (encerrado em 1987 devido ao seu estado de degradação) é uma herança a conservar como memória histórica de um passado recente de compromissos e incertezas, ou de um «fracasso nacional» como disse Raquel Henriques da Silva; se a oferta francesa da sua readaptação arquitectónica for aproveitada a tempo ganhar-se-ão condições mais condignas de preservação patrimonial, uma boa sala de exposições temporárias no Chiado e uma obra assinada por um grande arquitecto. O Centro Cultural de Belém (primeiras exposições em Junho de 1993, depois de servir funções europeias no 1º semestre de 1992) é um enigma burocrático que está a ser construído sem qualquer programa de utilização concreta; os seus espaços já foram prometidos a todos os usos e ficarão certamente desertos depois da passagem dos funcionários da CEE.
Quanto ao Museu Nacional de Arte Moderna, para lá de se reconhecer a perseverança de Fernando Pernes, é uma promessa em que ninguém acredita, porque o compromisso momentaneamente alcançado por Teresa Gouveia entre os «fundadores» e o Estado, em particulares condições políticas, é inteiramente ineficaz para se passar à fase seguinte: o orçamento anual da Fundação de Serralves é, de facto, inferior à facturação de uma boa galeria comercial ou aos investimentos de um razoável coleccionador particular. Só porque não há prazos fixados e programas a cumprir, porque o jardim é acolhedor e a Casa se ocupa com qualquer pequena exposição, é que o escândalo de Serralves não tem já a dimensão pública dos casos da Regie Sinfonia ou do Teatro de São de Carlos.
Na realidade não se falou do MNAM durante o colóquio: deverá ele ser um museu ou um espaço vocacionado para grandes mostras sectoriais e temporárias; se for museu, isto é, se puder reunir uma colecção permanente, terá de circunscrever-se às criações portuguesas ou terá condições para se alargar à arte internacional; e, em qualquer caso, qual é o passado histórico que convirá tomar como objectivo de partida? É habitual que tais opções se definam antes de pedir um projecto de construção ao arquitecto, e se preparem durante vários anos antes da inauguração. Em Serralves discutiu-se por vezes a correcção dos termos «arte moderna» ou «contemporânea», mas evitou-se pensar se o MNAM terá condições para se chamar «museu» e «nacional». Ouviu-se contar, com o pasmo adequado, como se trabalha em Nîmes e Antibes (no sul mediterrâneo da França há museus de 20 em 20 km), em Roterdão ou em Barcelona (actualmente, «lá fora», inaugura-se um novo museu de arte moderna ou uma Kunsthalle todos os meses); era preciso que não se falasse do MNAM para não perturbar a recomendável tranquilidade de todos.
Ver tb "Arte contemporânea: destino ou fatalidade?", José Luís Porfírio
e "O Museu mais próximo" (Rainha Sofia), na mm data
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