Pela segunda vez em 15 dias alegro-me com as vitórias em duas eleições vividas em condições ingratas. Como ia dizendo às vezes: voto, mas não apoio. E por razões cívicas era preciso estar calado.
Sendo a cultura, agora, a minha pista natural de abordagem (não sei o que é a política "pura"), não podia passar por cima do que se fez e não fez por aí, apesar de uma genérica concordância com o que se foi passando nas áreas decisivas (a política "dura"): economia, trabalho, saúde, educação, etc. Somando, claro, a admiração pela determinação e pela capacidade de vencer.
Tornava-se impossível declarar apoio a quem fez tão pouco e tão mal nos campos da cultura e das artes (com uma excepção ou outra quanto ao Governo, n1), a quem prometeu tanto e planeou tão pouco (herdando agora um rol de anúncios que convirá rever, sem silenciar a autocrítica), a quem se envolveu com os mais inimagináveis assessores e foi cometendo surpresas várias na escolha dos responsáveis directos (incluindo amigos pessoais de longa data). Mesmo quanto às listas agora a sufrágio, nada há de atraente ou compreensível nos nomes indigitados (Inês de Medeiros porquê? - e no caso da CML, Catarina Vaz Pinto e Simoneta Luz Afonso, outros erros de casting, apesar das habilitações. Do outro lado estavam a Mafalda Magalhães Barros e o Manuel Falcão...)
Não há modelos de relação eficaz da política com estas áreas, como se comprova pela oposição entre a estratégia da provocação de Rui Rio (n2) e a táctica do arrolamento universal de António Costa. Vale tudo, se for bem feito. E o que na cultura importa, a partir do Governo, tem a ver com ensino, emprego, economia, turismo, diplomacia, urbanismo, etc, o que não legitima à partida uma tutela autónoma nem é de molde a satisfazer directamente as ambições dos artistas. Não há, por aqui, certezas nem promessas de tranquilidade gestionária.
O PS deixou de ter com o "magistério" Carrilho qualquer dinâmica ou orgânica interna de reflexão sobre políticas culturais. Ficou à mercê de acasos e cotas, de empresas de sociologia e marketing, sem ter conseguido livrar-se da suposta autonomia do cultural nem impor até agora, também neste campo, o entendimento político da não coincidência de interesses entre cidadãos/utentes/consumidores e as corporações envolvidas (doença, prevenção e profissionais de saúde; estudantes, famílias e professores; públicos, não-públicos e "criadores" mais os seus agentes e empresários). O que impõe agora clarificar o discurso e não prometer mais verbas para distribuir, quer existam quer não mais verbas.
Em 2004 estava, mas há pouco tempo, Idália Moniz a representar a Cultura no Secretariado, o que poderia talvez abrir horizontes menos dependentes das repartições centrais e das suas clientelas. Mas o destino foi outro, através de um equívoco parlamentar. Sem trabalho de casa e sem assessores credíveis os riscos vão repetir-se agora. Na CML os magros resultados de 2007 (que pouparam Helena de Freitas - mas porquê ela?) entregaram os assuntos culturais a Rosalia Vargas (?!) que deles não sabia, e muita coisa se jogou depois em contactos directos com o presidente e o seu círculo: tertúlias. Pedro Portugal passou a dar assessoria cultural a A.C., numa situação concorrencial pouco eficaz em que os dois (R.V. e P.P.) acabaram por não se falar. Faltou sempre dinheiro para o expediente dos equipamentos camarários, mas apareceram no final grandes verbas para os eventos culturais da campanha: animação e clientelas.
Para saudar as vitórias é necessário saber que José Sócrates se livra de Alexandre Melo (se necessário a pretexto de Rendeiro, livrando-se das sequelas do caso Elipse), tal como Costa de Pedro Portugal. E que, sem começar a dar excessiva importância à cultura, se pára agora de através deles se degradar a respectiva imagem e as relações com ela, e se se lhe encontram para os Gabinetes - e para o Governo também, evidentemente - representações mais dignas, mais eficazes e mais políticas (mais partidárias mesmo). E também convém em absoluto, no MC e na CML, pôr o passivo recente em cima da mesa para rever e colocar ordem nas promessas, nos anúncios e compromissos, e também nas existências, claro (conjuntamente, MC e CML, quando for caso disso). A próxima campanha vem longe, agora há condições para começar a responder às necessidades.
#
1. o Museu Colecção Berardo no CCB, a compressão dos organismos do Ministério, alguma atenção dinâmica ao património construído, a limitação de funções do Centro Português de Fotografia, talvez o Museu do Coa que não foi inaugurado à pressa e foi deixado fora do IPM/IMC.
2. Entrevista no Público de 7 de Outubro: "Artur Santos Silva: O Governo recentemente disse "eu não gastei o que devia na cultura, não dei a importância que devia"
Rui Rio: ...E conseguiu com isso ganhar as eleições."
Sócrates ganha as eleições por não dar importância à cultura, ou por ter dito que devia dar-lhe mais importância, ou por satisfazer assim e de modos opostos diferentes públicos eleitores? Rui Rio usa o enigma como ninguém. (Parece distinguir bem lazer e cultura - é aquele que interessa à sua política. Do outro lado, os "meios da cultura" isolam-se e põem-se a jeito).
ver: "Políticas culturais, princípios e divergências". link
Comments
You can follow this conversation by subscribing to the comment feed for this post.