Amanhã vou voltar a comprar o Público para ver se há diferenças, sabendo que a recuperação (regeneração?) de um jornal é mais lenta do que a sua demolição. Mas não vou deixar de comprar o "I" que é um diário simpático e em geral bem feito, onde a qualidade da fotografia (em grande parte oriunda da KamaraPhoto) e a da ilustração começaram logo por fazer a diferença - e há mais pontos a seu favor: o design global, a informação, os exclusivos internacionais e vários dos colaboradores e comentadores. Parece-me - sem esquecer a melhoria e a coragem do Diário de Notícias, que foi determinante - que o "I" se foi impondo como uma alternativa digna num recente estado de sítio (ou a saque) com vários pólos na Comunicação Social, em que a informação tinha caído na mão de agentes político-jornalísticos dotados de uma agenda própria e coordenada.
O Público estava refém do JMF, acolitado por um conjunto de comentadores que tinham decidido antecipar-se ao escrutínio democrático, e fabricar os seus resultados a partir das tribunas que detinham, forjando as realidades que criticam. As recentes eleições resultaram na denúncia e depois na pesada derrota dessa tentativa de usurpação da informação e da crítica, em que se aliaram actores da actual direita e forças consideradas de esquerda. As pontes geracionais e pessoais entre eles, as mesmas origens políticas em vários casos, facilitaram as alianças de interesses e o jogo comum, e mereciam ser analisadas mais adiante pelo "novo" Público (*). Os piores tiques da classe jornalística (a confusão entre independência e ser "do contra", a manha anarquista (?) de criticar sempre o poder, a cumplicidade partidária ou outras para aceder às fontes, etc) podiam ter curso livre num jornal com uma direcção de facto em campanha política mas sempre a coberto das alegações de isenção e independência, usando como caução para a independência alegada, e negada na prática, a permanência de alguns jornalistas sérios.
No Público, aliás, a confusão acentuou-se com a fórmula gráfica introduzida no início de 2007. Na altura tinha escrito que não entendia a ordenação dos temas e as apostas editoriais, e que a nova maqueta apenas se proocupava em fazer ruído. "Tratava-se de criar estímulos à leitura (à leitura não - ao gesto mecânico de folhear o jornal). A entrevista que a "Pública" de 11 de Fevereiro fez ao designer Mark Porter é um documento excepcional, que importa conservar para posteriores estudos. Não há referência a notícias, temas, secções, conteúdos editoriais; tudo é animação (?) visual: "a ideia é que é que cada vez que viramos uma página devemos ter uma surpresa"; "as páginas individuais podem ser interessantes, mas tendem a ser monótonas, não há grandes mudanças de ritmo enquanto folheamos o jornal." (Mark Porter) E o uso da nota de 5 euros sobreposta à mancha gráfica para limitar a extensão dos textos é (foi) uma data que deve ficar para a história." (14/04/07) O criador da fórmula tinha vindo experimentar a Lisboa o seu 1º tabloide e fez asneira, embora tivesse créditos firmados no Guardian.
A nova direcção promete tentar repor a "credibilidade ameaçada, conscientes que estamos da percepção pública de um excesso de peso ideológico no jornal." O reconhecimento dos erros anteriores é, naturalmente, vago. Não importa a auto-mortificação e a penitência, nem qualquer confissão forçada. Mas não são, porém, as promessas de isenção e independência que fazem a diferença e que importam como base para iniciar um novo período. Isenção e independência são chavões e palavras vãs do jornalismo português, vazias de conteúdo. Há que enunciar projectos e declarar intenções, tomar partido (o que não é servir um partido) e fazer apostas, ter vontades e clarificar posições. O que importa não é a isenção mas o rigor, não a independência (qual?, do grande poder económico?), menos ainda a neutralidade, mas a verdade.
Um bom jornal, um jornal sério, pode ser a favor ou contra o governo, pode ser de direita ou de esquerda, pode ser favorável ao PS ou próximo do PSD. Pode ter mais "peso ideológico", convém que tenha (a questão não é de mais ou menos "peso" mas de clareza de posições). Como sucede com a imprensa internacional. As redacções portuguesas, ditas isentas e independentes, são terreno fácil para os jogos individuais, as cumplicidades e os fretes dos vários possíveis militantes que aí encobertamente actuam, directores, jornalistas, cronistas. Seria mais digno e mais proveitoso clarificar alinhamentos, definir e seguir orientações conhecidas, e ter a verdade como exigência e como critério de credibilidade. É a credibilidade que importa e o Público tinha-a perdido.
Afirmar "Um novo começo" e invocar o fundador são responsabilidades sérias . Espero que a Bárbara Reis tenha talento e sorte.
(*) A geração dos "associativos" da primeira metade dos anos 70, e em especial as várias tendências da extrema-esquerda do 25 de Abril e, na imprensa, a "escola" da "A Voz do Povo", partilham os lugares do poder na oposição à direita e à esquerda, e é menos influente no PS.
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