Em Serralves, a antologia de Augusto Alves da Silva não é uma defensiva demonstração de existências, mas um teia de desafios (teia e não rede - é uma exposição sem rede) onde se põe o espectador à prova, sem concessões de facilidade, pondo-se também o autor e a sua obra sempre em questão.
Iberia, 2009 (pormenor de projecção aleatória de cerca de 5000 fotografias digitais)
Uma inicial selecção de (18?) fotografias entre as muitas que foi mostrando desde "ist" (1994) desliga-as do seu contexto serial e temático, retirando-lhes os títulos próprios, deslocando e isolando o que foi um elemento de um conjunto ou de um discurso preciso e referenciado. São agora peças soltas e descontextualizadas, mas também se propõe que sejam as partes de uma outra nova série aqui reunida sob um sóbrio título comum, "Síntese". Sem contiguidades de espaço, de tempo ou de projecto, sem legendas e/ou sentidos reconhecíveis, a nova série põe-se à prova como série, que só dificilmente pode ser vista como tal, e reforça uma orientação presente na recente exposição "Paisagens inúteis" (Chiado 8, 2006). O que tinha sido inquérito ou testemunho, documental ou referencial, com um sentido oferecido ao espectador, passa a ser um "abstracto" momento fotográfico, uma intrigante ou insólita suspensão do tempo, um acaso (uma visão sem sentido, talvez inútil, como dizia o título). E por aí essas vistas se reaproximam da tradição da imagem furtiva ("à la sauvette"), mas com um possível acréscimo de inquietação ou de ironia.
O que foi parte de "ist", "Ar.Co 25 Anos", "Ferrari", "Shelter" (Finlândia), "Animais", "La Gomera" (Canárias), passa a ser, para alguns, a memória desse lugar de origem, ou é uma vista inexplicada, mais ou menos gratuita, mais ou menos intrigante. Mas, entretanto, num processo simultâneo e paralelo, e afinal oposto, põem-se em exposição os livros onde essas imagens se publicaram - visíveis em longas mesas com exemplares abertos - e também outros catálogos e publicações diversas que traçam o registo da carreira de A.A.S. Mais exaustivo que os muitos escassos dados biográficos do catálogo (por opção do próprio ou ineficácia dos serviços documentais?) - aí aparece documentada uma primeira individual no IST e outra na galeria Teoartis (se não erro) que não aparecem citadas no final e não apareciam já no catálogo da Eter em 1990, tal como não aparecia o envio à Bienal de Arte de Sintra onde se viu pela 1ª vez a Prova de Contacto, de 1987.
As duas opostas formas de visibilidade - o livro aberto e a possível série designada "Síntese" - não confortam o espectador na sua inércia: oferecem-lhe duas abordagens alternativas e complementares, deixando-o de certo modo desamparado entre elas. Depois, os vídeos, as vídeo-instalações, as duas novas séries longamente sequenciais (de imagens projectadas, Iberia, ou fixas, Book) também põem à prova o seu interesse em ver, ou a sua disponiblidade, ou resistência.
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