A entrevista com Pedro Lapa que o Público hoje publica inclui uma ou duas informações interessantes: "Este ano (2009) o orçamento para actividades foi de 35 mil euros". E "Para divulgação, zero."
Não importa aqui saber se o director do Museu do Chiado gastava bem ou mal o seu orçamento, e se não recebia mais porque não merecia, mas é relevante que o Estado, o MC, o IMC-IPM, concedam (ou aprovem) uma tal verba para um dos seus principais museus. 35 mil euros é, pode ser, o orçamento de apenas uma exposição (as actividades de um museu são mais amplas).
Para comparar custos vale a pena recorrer a verbas atribuidas a programas extraordinários lançados em Lisboa, pela CML, no mesmo ano de 2009 - as verbas ordinárias dos equipamentos culturais do Estado central e das câmaras são mais difíceis de conhecer e têm vindo a tornar-se cada vez mais escassas, pelo que são as dotações extra-programa que permitem saber quais as coisas que importam e quanto custam (o ano foi eleitoral, o que justicou a concentração das actividades e os investimentos em "animação"). Trata-se aqui de comparar verbas, sabendo que o orçamento do Chiado para actividades só terá sido ultrapassado pelo Museu de Arte Antiga e talvez pelo Soares dos Reis, no Porto, se os apoios do Millennium continuam.
As duas exposições africanistas no Terreiro do Paço (também incluindo certamente custos arrastados da primeira mostra, a col. de Eduardo Nery) contaram com 500 mil euros, verba que foi difícil de fazer aprovar. O programa "Todos - Caminhada de Culturas", que ocupou publicamente o Martim Moniz por um fim de semana (com prolongamentos fotográficos no Arquivo e na praça), incluindo músicos convidados, custou 300 mil euros e foi a acção emblemática do programa "Lisboa Encruzilhada de Mundos". A Experimenta Design terá contado com 500 mil euros da CML (verba prometida para cada edição até 2013). O funcionamento do MUDE Museu do Design e da Moda durante ano e meio custa um milhão de euros pagos pelo Turismo de Portugal. A animação do Parque Mayer terá subido a perto dos dois milhões.
É óbvio por estes dados que o Museu do Chiado é um enteado distante e desprezado. O Pedro Lapa devia ter percebido que não ganhou nada em ir chamando ao seu Museu do Chiado Museu Nacional de Arte Contemporânea, MNAC (nome que ele perdera ao reabrir após o incêndio, em 1994), porque os governos apostaram de facto no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, com as actuais instalações abertas em 1999, e no Museu Colecção Berardo - Arte Moderna e Contemporânea, no CCB, inaugurado em 2007. Não seria seguramente sonegando a sua colecção própria aos olhos do público e acenando com uma pessoal e muito questionável vocação contemporânea (alegadamente retomada da sua fundação em 1911) que o Museu do Chiado conseguiria justificar a sua futura ampliação no Convento de São Francisco. Do Chiado, d'Orsay, do Quai Branly, ou do Louvre, Tate Modern, Guggenheim, etc - o que importa nestes casos é impor uma marca.
Trata-se então - partindo por hipótese do caso grave em que se tornou o Museu do Chiado, ou desta oportunidade - de vir a ponderar e reequacionar globalmente o papel de uma "velha" rede de equipamentos que se consideram serviços dependentes do Ministério da Cultura e que foi sendo ultrapassada por outras iniciativas ou "projectos" que têm maior visibilidade pública e mediática por cumprirem mais alargadas funções. São pólos ou emblemas da modernização das cidades, são espaços de lazer (entretenimento ou "animação") antes ou além de serem equipamentos culturais, são destinos ou cartazes turísticos, ganhando assim outras legitimidades mais vastas num contexto em que a cultura se colocou a si mesmo sob suspeita, ou em que a chamada democratização da cultura deixou de ser um argumento social mobilizador.
É provável que os responsáveis pelos Institutos (IPM e IMC) tenham sido em grande parte responsáveis por uma decadência dos museus oficiais que foi batendo sempre mais no fundo, ao mesmo tempo que se iam muito lentamente (e com critérios mais que discutíveis em muitos casos: Soares dos Reis, Bragança, etc) requalificando os velhos edifícios. E não se trata de reclamar mais verbas para manter tudo na mesma: é certamente preciso reordenar; descentralizar ou regionalizar o que tem carácter local; mobilizar outros financiamentos regionais, municipais e mecenáticos, alterando o modelo centralista de gestão - o Museu do Coa, que não deve ficar sob a alçada do IMC nem poderá preencher-se apenas com arqueologia, pode ser um caso pioneiro; revendo os códigos administrativos que associam os lugares de direcção à carreira na função pública. ETC.
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Quanto ao resto, a entrevista do Pedro Lapa permite-se ignorar um dos argumentos que mais obviamente o fragilizou: o compromisso com a Fundação Ellipse e João Rendeiro, colecção ou fundo de investimento, cujas aquisições, reais ou tentadas, serviram para construir parte da programação do Museu, já a pretexto de falta de verbas e do agenciamento de relações internacionais. As programações dos museus não vivem à margem das práticas privadas de consultadoria e intermediação, ou em geral das actividades de import-export, mas há princípios éticos a respeitar na praça pública. E quanto à lógica da possível internacionalização de artistas portugueses a partir do Chiado - e da muito vulnerável lista de candidatos a tal (e das omissões aí deixadas intencionalmente) - muito haveria dizer se valesse a pena. Aquilo nunca foi credível.
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