Uma galeria, a Pente 10, que se estreou em 2008 na Arte Lisboa (e tinha aberto meses antes), não está na feira porque preferiu candidatar-se ao Paris Photo, onde está a obter o êxito merecido - mas mesmo assim inesperado. Outras galerias não estão porque seguiam estilos de vida mais vulneráveis à crise e conhecem agora fortes dificuldades, ou porque se instalaram na dependência dos chamados grandes coleccionadores institucionais ou privados, dos que compravam com os lucros especulativos das acções, dos que usam a arte como investimento e reservam mais do que pagam, etc. Algumas galerias faltaram porque previam uma feira negra, parada, esmagada pela conjuntura desfavorável - esses enganaram-se. Os resultados da feira são positivos, ou muito positivos, ou razoáveis (e há sempre alguém a quem as coisas correm mal... )
A feira de Lisboa continua igual a si própria: local (ibérica) e plural (desiquilibrada, mais do que variada - talvez este ano mais desilibrada ainda, mas só o pior parece ser mais e pior). Quem faltou faz falta, mas o certo é que a feira continua a ser uma boa oportunidade de acompanhar a produção actual - nas boas condições de visibilidade de um espaço expositivo geral muito cuidado e de uma frequência de visitantes que nunca é excessiva. Quem faltou, aliás, também é responsável pela aceitação de outras galerias candidatas, que tinham sido antes excluídas (e daí o maior desiquilíbrio referido).
A presença espanhola na feira não a torna cosmopolita, pelo contrário - dá-lhe um carácter peninsular mas provinciano, e as participações vindas de mais longe (Cuba, Hungria e Coreia) não alteram a situação. Essa presença de Espanha tem, aliás, a grande vantagem de mostrar que as políticas de apoio oficial e de subsidiação directa não têm por si mesmo consequências positivas: mais meios não significam melhores artistas ou melhor arte, pelo contrário, outra vez. As galerias espanholas são pagas para vir cá pelo Ministério de Madrid e pelos governos regionais, mas não é por isso que, na generalidade, trazem melhores artistas ou escolhem melhores obras. O governo central de Espanha, as regiões e as cidades distribuem imenso dinheiro pelas artes plásticas contemporâneas, mas isso não as tem favorecido - abrindo a porta das subsidiações directas tem de se patrocinar tanto as melhores como as piores galerias, como se vê pelo exemplo junto, ou então adoptam-se políticas de gosto com ainda mais perniciosos efeitos. Vale a pena meditar sobre isso. Também não está provado que a penúria favoreça a criação, mas em muitos casos parece que estimula o engenho, e os bons empregos dos artistas são-lhes quase sempre fatais, mesmo no ensino (outro exemplo, para além do caso do Van Gogh: o escritor Roberto Bolano era, à partida, poeta, e passou a dedicar-se à prosa por razões económicas - é o próprio quem o diz). Tal como aconteceu em 2008, a generalidade das galerias portuguesesque comparece na feira reagiu bem à crise, seleccionou mais cuidadosamente a oferta, e fez o seu caminho.
As galerias espanholas são, entretanto, bastante menos do que se diz: são só 21 na secção geral, para 33 portuguesas. Tem-se contado 31 - 33, mas é batota, ou desatenção jornalística, já que os dez de diferença representam dez artistas trazidos à secção chamada "Project Rooms" - onde na prática não há galerias, mas apenas um comissário: é aliás uma exposição com interesse (desigual, claro), oferecida pelo Ministério da Cultura de Madrid e pela Junta de Andaluzia, que também pagaram o respectivo catálogo. Daquelas 21, só três vêm de Madrid e duas de Barcelona, o que não é irrelevante.
Os economistas saberão se estas subsidiações directas às artes plásticas (artistas e seus agentes, incluindo aquisições de obras para museus e retrospectivas) têm retorno financeiro ou social, político, turístico ou outro, no caso espanhol. Em termos críticos, o balanço não é favorável. A história da Arco é principalmente política, e um dos seus vectores foi apoiar o reforço da centralidade de Madrid face às dinâmicas centrífugas (a movida madrilena foi também política, e a intenção de dar para o exterior uma imagem de modernidade e cosmopolitismo, idem); as regiões foram respondendo a seguir com sobre-investimentos nos seus museus e nas suas pequenas feiras locais (Cáceres e agora Vigo são exemplos mais próximos). Essa é uma situação que está já a ser revista em consequência da crise e não devemos repetir nos seus erros. Subsidiar galerias e feiras (e imaginar que com apoios políticos viríamos a ter uma pequena feira de primeira linha com galerias da primeira divisão mundial) seria a mais errada das estratégias no caso português. Não se deve ir por aí.
Guillermo Pérez Villalta, El artista moderno, 2009 (um de dez desenhos), in "Lights , Camera, Action!", "Project Rooms" (Gal. Soledad Lorenzo, Madrid)
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Comentário no artigo do Público sobre a Arte Lisboa de 18/11):
21.11.2009 - 15:45 - Artur Barrio, Porto
"Seria óptimo que acabassem as G(g)alerias e consequentemente as F(f)eiras."
E os artistas vivem de quê? Vendem o quê? Ou trocam como? Em épocas de crise há sempre mais gente a encostar-se a estas indigências teóricas, que passaram por ser contestatárias até se revelarem de um despudorado oportunismo institucional.
Considerando que é mesmo o ex-marginal artista brasileiro do Porto, trata-de de um bom exemplo de como existir no mercado é bem melhor de que não existir de todo ou que existir à sombra das instituições oficiais - sejam centros de emprego ou centros de arte.
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