Pedro Lapa deixa armadilhado o Museu do Chiado no momento em que abandona a sua direcção.
Ocupar a totalidade dos seus espaços "nobres" de exposição (deixando livres os átrios e a pequena galeria de exposições temporárias no piso 0) com as projecções do artista belga David Claerbout é um exemplo óbvio da gestão inadmissível que o anterior director se permitiu imprimir ao Museu do Chiado, perante uma complacência da tutela que desde o ano 2001, pelo menos, disse ser condenável. Inadmissível, não por o artista ser belga, ou por ter nascido em 1969, nem mesmo por o seu trabalho não ter importância (ou qualidade) para ocupar um tão grande espaço de exposição, aqui ou noutro sítio, mas porque não tem qualquer sentido sacrificar as responsabilidades do Museu, a colecção do Museu e o seu público, a favor de uma meia dúzia de vídeoprojecções e projecções de fotografias.
DAVID CLAERBOUT, ATÉ 28 DE FEVEREIRO DE 2010 (!!): "Shadow piece", 2005 - "Single channel video projection, b/w with stereo audio", 31’ (30’ 19’’) - in english please para parecermos mais provincianos. De Pont, Museum of Contemporary Art, Tilburg
Aproveitou-se a oportunidade do festival "Temps d'Images" (não dá para traduzir?) e alguma subsidiação suplementar que os festivais permitem, mas é totalmente provinciano (e provocatório, sabendo o que o director já sabia ou adivinhava há muito) esvaziar todo o Museu para expor o que agora se expõe - e mesmo que fossem magníficas obras vídeo, porque as há e não é o caso. A galeria do piso zero e a galeria da sala dos fornos seriam suficientes para acolher o festival e o seu artista, ocupando um espaço proporcional à dimensão disponível para a apresentação do acervo do Museu. O mesmo terá acontecido no Centro Pompidou ou no Museu de Atenas.
Com a reabertura do ano escolar o Museu do Chiado conheceu algumas semanas de intensa frequência de público estudantil, chamado a uma antologia de critério muito discutível mas com alguns aspectos atraentes, sobre um horizonte cronológico do séc. XX que vinha de Amadeo a Paula Rego (anos 60). É essencial que o Museu cumpra esse papel, que nos últimos anos tem sido escassamente satisfeito - e de que se demitiu também o museu do Centro da Arte Moderna da Fundação Gulbenkian desde que colocado sob as orientações de Teresa Gouveia...
Para além de tudo o resto, que não é pouco, Pedro Lapa deixa esta exposição calendarizada até 28 de Fevereiro de 2010, o que é absurdo e de novo provocatório, numa situação em que a sua saída era previsível e depois já certa. Abreviar esse calendário será/seria um pequeno gesto a marcar uma nova determinação da tutela, num momento em que é preciso pôr fim a inércias e indecisões. Novos titulares no MC, dois novos directores do IMC - a nomear dentro de dias - têm agora a oportunidade de romper com cedências injustificadas a pequenos grupos de interesses (e de pressão) que nada representam.
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Sem demorar na apreciação das obras expostas, leia-se apenas a prosa de apresentação de Pedro Lapa, ou o seu início:
"Os trabalhos de David Claerbout operam conjuntamente fotografia e filme de forma a produzir pela imagem uma experiência física destas categorias e um conhecimento das suas potencialidades." (P.L.)
a 'experiência física' é a das categorias - a fotografia e o filme, ou dos media - não do seu teor significante: o que importa é a "categoria", o media e a sua especificidade, a materialidade do media enquanto media, o media como mensagem, mas de facto indiferente à mensagem: o media no seu vazio processual. A fotografia e o filme enquanto experiência física resultam aqui em irrelevante incomodidade, indiferença e cansaço do espectador. É o velho formalismo à Greenberg tingido de algum seródio materialismo m-l (o media enquanto matéria, limite e auto-consciência da arte) para sustentar o mais inócuo esteticismo: a afirmação ensimesmada de uma arte que é "reflexão" sobre os meios da arte enquanto arte. "O fascínio pela imagem e os seus tempos", diz-se - mas imagem de quê?
o "conhecimento das suas potencialidades": mas investigadas, exercitadas as potencialidades, o que é que elas potenciam?
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